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Viajar Porque Sim | Segredos do Ribatejo


A palavra Ribatejo evoca planícies férteis e grandes quintas, os campinos que ainda vestem o seu fato tradicional em dias de festa, as touradas que tanta tinta e palavras têm feito correr. Evoca também alguns ícones do turismo nacional: o muito “instagramável” Castelo de Almourol, a janela manuelina do Convento de Cristo em Tomar, ou a aldeia de Dornes, encavalitada num braço da albufeira de Castelo do Bode.

Com uma área que se estende por cerca de 8000 km2, e uma paisagem natural dividida geograficamente entre Lezíria (a área de planície mais junto ao rio Tejo, que por vezes fica alagada), Bairro (na margem direita, para norte do rio) e Charneca (na margem esquerda, até ao Alentejo), é óbvio que esta região tem muito para visitar. E no entanto, turisticamente é quase uma desconhecida, se exceptuarmos os lugares que já referi acima e mais uns poucos.


É por isso que hoje vos convido a descobrirem alguns dos muitos “segredos” do Ribatejo. Não são lugares secretos, e de certeza que já conhecem ou ouviram falar de vários deles, mas outros serão certamente uma surpresa – boa, está claro! Venham daí.

 ALDEIAS AVIEIRAS

 Os avieiros do Tejo são os descendentes dos pescadores de Vieira de Leiria que, a partir do séc. XIX, passaram a procurar neste rio o seu sustento durante os meses invernios, acabando por se fixarem definitivamente em minúsculas aldeias nas margens do Tejo. Muito isolados das vizinhas comunidades rurais, mantiveram uma cultura e um modo de vida próprios, com características que subsistem até hoje, pese embora a sua diminuição em número – de pessoas e de locais. Algumas destas aldeias desapareceram totalmente, outras estão em ruínas, e outras ainda acabaram absorvidas pelos núcleos populacionais adjacentes. Felizmente, sobrevivem umas quantas, e têm vindo a ser feitos esforços para que este património português tão exclusivo não desapareça.


A mais famosa destas aldeias é o Escaroupim, situada perto de Salvaterra de Magos. Foi ela a escolhida para “bilhete-postal” da cultura avieira no Tejo.


Várias casas tradicionais foram recuperadas para constituírem o Núcleo Museológico da Casa Avieira.



Criou-se o museu “Escaroupim e o Rio”, cuja exposição mostra artefactos, documentos e memórias das comunidades piscatórias do Tejo.




O cais palafítico está renovado e continua a servir os pescadores da aldeia, além de ser também um dos locais de onde partem as embarcações que nos levam a passear no rio – um passeio que recomendo vivamente, sobretudo para quem gostar de observar aves no seu habitat natural, pois terá oportunidade de ver muitas e de variadas espécies. O barco passa também junto à Ilha dos Cavalos, lugar escolhido pela Coudelaria Nacional para criar os seus potros.





Na margem oposta, encontramos duas outras aldeias avieiras, bem menos turísticas e mais genuínas. A maior tem o nome de Palhota, e foi aqui que viveu o escritor Alves Redol enquanto recolhia elementos para escrever o seu livro “Avieiros”, publicado em 1942.





A meia dúzia de quilómetros de distância, a minúscula Porto da Palha (ou Lezirão, como está nas placas que indicam o caminho) tem embarcações mais modernas, mas mantém a garridice das cores que caracterizam as casas dos avieiros (reminiscência dos “palheiros” da nossa Costa de Prata).




Nas Caneiras, já muito perto de Santarém, as casas que se erguem mais junto à linha de água ainda mantêm algumas características originais.

Em Alpiarça, antes de chegar à praia do Patacão – de que falei no artigo anterior sobre praias fluviais – existem dois núcleos arruinados de antigas casas de avieiros, erguidas sobre pilares para sobreviverem às inundações, como é habitual nestas comunidades. Abandonadas em finais do século passado, a vegetação começa já a engoli-las, apesar de durante anos terem sido feitas campanhas de limpeza para evitar o seu desaparecimento.




Podem ler mais sobre estas aldeias e o Tejo nos posts Em busca das aldeias avieiras e O rio Tejo.

 GOLEGÃ

 Rodeada pela lezíria ribatejana, é uma vila pequena e pacata, conhecida sobretudo por ser palco da Feira do Cavalo, que se realiza anualmente em Novembro. Aliás, o cavalo é o mote para grande parte da sinalética e dos painéis espalhados pelo centro histórico, com silhuetas equinas em ferro forjado a projectarem-se das paredes dos estabelecimentos comerciais, aplicadas em gradeamentos ou pintadas – uma profusão de cavalos representados das mais diversas formas, que conferem à vila um encanto muito particular.


A atmosfera tranquila da Golegã, do género “não se passa nada”, mascara as surpresas que aqui vamos encontrar, e que ainda são umas quantas. Uma delas é a Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, construída no séc. XVI e uma verdadeira jóia do estilo manuelino (que também é conhecido como gótico português tardio). Ao que consta, o rei D. Manuel terá desenvolvido um interesse especial pela vila e patrocinado a construção desta igreja, a julgar pelos vários símbolos régios que o edifício apresenta. A fachada principal tem um pórtico manuelino maravilhoso, que contrasta com a simplicidade do resto do edifício; no interior, além das colunas e abóbadas com elementos típicos do mesmo estilo, a capela-mor está profusamente decorada com azulejos setecentistas, um dos resultados de alterações feitas em séculos posteriores.




A Igreja Matriz situa-se num largo amplo e simpático, com árvores e uma esplanada. Em frente à igreja está o Pelourinho, e atrás dele o palácio a que deram o mesmo nome – edifício seiscentista que já foi de tudo um pouco, desde cadeia a museu, passando por estação de telégrafo, câmara e tribunal, e agora aloja um dos núcleos do Instituto Politécnico de Tomar.


Ao lado, há uma escultura colorida que chama a atenção: é “A Camponesa”, uma das obras do conhecido escultor Martins Correia, filho da terra e autor de inúmeros trabalhos públicos, espalhados por todo o país e alguns países estrangeiros. Muitas das suas esculturas estão expostas no museu que lhe é dedicado, actualmente alojado no edifício municipal Equuspolis.


Museu Municipal Martins Correia

https://www.cm-golega.pt/areas-de-actividade/cultura/item/608-museu-municipal-martins-correia

Edifício Equuspolis, Rua D. João IV, 2150 Golegã

Horário: 10h-13h/14h-16h (de terça a sábado)

Informações: telefone 249 979 000  email: equuspolis@cm-golega.pt

Outra das grandes surpresas da Golegã é a Casa-Estúdio Carlos Relvas. Figura proeminente da alta sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX, proprietário de explorações agrícolas, inventor e fotógrafo de excepção, Carlos Relvas concebeu e mandou construir em 1872 esta lindíssima casa destinada a servir como estúdio fotográfico. Construção original e ecléctica inserida num jardim romântico, exemplo primoroso da arquitectura do ferro portuguesa, é actualmente um museu dedicado à fotografia, e é para mim um dos edifícios mais bonitos de Portugal.



Casa-Estúdio Carlos Relvas

http://www.casarelvas.com/site/pt/

https://www.cm-golega.pt/casa-relvas

Largo D. Manuel I, 2150-128 Golegã

Visitas guiadas com marcação por email (máximo 6 pessoas em simultâneo)

Horário: 10h, 11h, 12h/14h30, 15h30 (de terça a sábado; encerra aos feriados)

Informações: telefone 249 979 120  email: casa.relvas@cm-golega.pt

 Merece ainda uma visita o curioso Museu da Máquina de Escrever, instalado no antigo Palacete Marques de Almeida, edifício que também abriga a Biblioteca Municipal e é facilmente identificado pela sua cor rosa-forte. O museu expõe mais de 350 antigas máquinas de escrever, das mais variadas marcas e construídas entre fins do séc. XIX e os anos 70 do século passado.


Museu Municipal da Máquina de Escrever

https://www.cm-golega.pt/areas-de-actividade/cultura/item/407-museu-municipal-da-maquina-de-escrever

Rua de Oliveira s/n (antigo Posto da GNR), 2150-145 Golegã

Horário: 10h-16h (de terça a sábado)

Informações: telefone 249 979 126  email: mmmescrever@cm-golega.pt

Nas minhas incursões pelas terras ribatejanas, confesso que a Golegã foi até agora o lugar que mais me surpreendeu, e é realmente uma pena não ser mais publicitada em termos turísticos.

 MOINHOS DE ENTREVINHAS e ZONA DE LAZER DA LAPA

Entrevinhas é uma aldeia do concelho do Sardoal, poucas dezenas de casas distribuídas de forma esparsa numa área rodeada por extensas manchas arborizadas, constituídas sobretudo por pinheiros e eucaliptos. No extremo norte, no cimo de uma colina que domina toda a paisagem circundante, foram construídos em finais do séc. XIX quatro moinhos de vento, que funcionaram até aos anos 50 do século passado. Abandonados até deles só restarem ruínas, foram restaurados em diversas fases, primeiro com a sua configuração original – com um capelo (telhado) de duas águas e totalmente pintados de branco – e mais recentemente com o telhado em forma de cone e faixas amarelo-ocre a contornarem os elementos da estrutura.


Um dos moinhos ainda tem a pedra à vista e aguarda a cobertura, outro foi transformado em casa-de-banho de apoio ao parque de merendas instalado no local, com mesas e bancos de madeira. O moinho principal está apto a funcionar e é facilmente identificável pelo catavento típico colocado no seu topo. A maioria dos utensílios expostos no interior são genuínos e foram usados pelo seu último proprietário. Pode ser visitado, mas é necessário marcar antecipadamente essa visita junto da autarquia.



No ano passado, este sítio ganhou mais uma atracção: um baloiço de madeira que, como seria de esperar, tem servido de chamariz para atrair visitantes e de leitmotiv para as fotos da praxe. Populismos aparte, o local é um fabuloso miradouro sobre a paisagem ribatejana.

Dois quilómetros a sudeste há outra zona de lazer, esta com características bem diferentes. Nas margens da ribeira de Arecez, árvores altas e frondosas criam uma área fresca e muito agradável para passear, piquenicar, ou até mesmo tomar banho, nos dias em que o calor aperta.


A montante, perto da modesta Barragem da Lapa, o local que lhe dá o nome: uma gruta onde desde há séculos é venerada a imagem de Nossa Senhora. Este culto mariano, tão antigo que se perde no tempo, levou a que em meados do séc. XVII o Abade João Cansado mandasse edificar uma capela na outra margem da ribeira, meio encaixada num maciço rochoso. É uma capela simples, com alguns elementos barrocos na fachada e um arco sineiro sobre um dos lados do telhado, mas já sem sino. A capela é privada e nota-se que está a precisar de uma renovação.



Uma ponte de troncos e tábuas de madeira faz a ligação entre as duas margens. No outro extremo há um parque de merendas, chorões frondosos, uma barreira de pedra para controlar o fluxo da água, e uma pequena cascata mais à frente. É um sítio bom para relaxar e que mantém um certo encanto, apesar de ter no geral um aspecto pouco cuidado.


SALINAS DE RIO MAIOR

Verdadeiro prodígio da natureza, há mais de 800 anos que aqui se extrai sal puro, com uma produção que chega actualmente a atingir as duas mil toneladas anuais. O segredo destas salinas sem mar está no subsolo, rico em sal-gema, que permite na época mais seca a extracção de água salgada até à superfície, onde fica a evaporar em talhões para dela apenas restar o sal, que é depois retirado e armazenado para posterior escolha e embalamento – sem ser submetido a qualquer processo químico. O método de exploração destas salinas permanece quase inalterado desde há séculos, e quase completamente manual, pois poucas concessões têm sido feitas à modernidade, a bem da qualidade do produto.



Na estrada que rodeia as salinas, as pequenas casinhas de madeira onde em tempos se armazenava o sal (porque a madeira é resistente à humidade e à corrosão pelo sal) estão hoje convertidas ao comércio, mas não perderam a sua graça. Foi numa delas que provei há uns anos, pela primeira vez na vida, bombons de chocolate com sal – e nunca mais quis outra coisa…


SARDOAL

A história desta vila perde-se no tempo, mas sabe-se que já existia no séc. XIV. Nas ruas estreitas, por vezes sinuosas, as casas baixas ostentam as tradicionais faixas amarelas sobre o fundo branco, algumas têm chaminés largas e telhados mouriscos, e varandas de ferro forjado – quase dá a impressão de que estamos no Alentejo. Chamam-lhe Vila Jardim, e é fácil perceber porquê: há roseiras e buganvílias que trepam pelas fachadas, pérgulas de onde caem cachos de glicínias, malmequeres, hortênsias ou hibiscos que espreitam sobre os muros, floreiras nas janelas.



O património religioso do Sardoal é proporcionalmente inverso ao tamanho da vila. A Igreja Matriz é branca, volumosa e sem grandes adornos exteriores – um portal em arco ogival com capitéis, uma rosácea, um coruchéu na torre sineira. A pintura das paredes está manchada e a desaparecer, em franco contraste com a da Igreja da Misericórdia, que fica quase ao lado e brilha ao sol, no seu branco quase imaculado. Nesta igreja, o destaque exterior vai para o portal renascentista em pedra de Ançã, com um retábulo finamente esculpido.



A Praça da República é um dos sítios mais bonitos da vila. Muito desafogada e cheia de luz, tem no centro um pelourinho, que já não é o original do séc. XVI mas sim uma reprodução datada de 1934. Numa esquina, a Capela do Espírito Santo destaca-se pelo grande painel de azulejo dedicado a Gil Vicente – que alguns reivindicam ser natural da terra, embora não haja qualquer evidência desse facto, mas apenas de que o dramaturgo português terá visitado a vila incluído na corte de D. Manuel I. No muro lateral, um recanto arredondado com uma fonte, bancos de pedra e azulejos floridos, e uma pérgula a servir de pano de fundo. E nem sequer falta um jacarandá florido, no espaço ao lado da Câmara, para perfumar o ar.



***

Há muito mais segredos para descobrir nesta região essencialmente agrícola que é, a título de curiosidade, aquela onde se produz mais tomate em Portugal e também uma das maiores no que toca à produção de arroz. A somar a isto, é terra onde se come bem (quem nunca ouviu falar da sopa da pedra de Almeirim?) e que tem doces típicos maravilhosos, como os pampilhos de Santarém (os meus preferidos), os arrepiados de Almoster, os celestes de Santa Clara, as fatias de Tomar, as tigeladas de Abrantes, os bijous (da pastelaria em Santarém que tem o mesmo nome), ou as ferraduras – também chamadas de bolo de noivo, por serem tradicionalmente oferecidas aos convidados nas festas de casamento. E estes são só alguns, no vasto panorama de iguarias tradicionais das terras férteis ribatejanas.

 Tudo bons motivos para ir conhecer o Ribatejo, não concordam?

 Bons passeios!

Ana CB / Outubro de 2021
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