Crónica • "Ping Pong", de Luís G. Rodrigues

Imagem: Rene Magritte, “Personal Values”, 1952

 Ping Pong

 Uma crónica de Luís G. Rodrigues

Na altura em que praticava Ping Pong tinha um ódio especial por quem ousava tratar a modalidade por outro nome que não “Ténis de Mesa”. “Ping Pong” soava sempre a desprezo, a desdém e, acima de tudo, a falta de conhecimento perante o que na altura tinha em consideração como quase sagrado. 

Todos temos as nossas preciosidades e é importante que as tenhamos. Por exemplo, hoje em dia, num restaurante que se quer bem prezado e “in” nas tendências modernas, não existem pratos mal-aviados, existem pratos gourmet; pratos gourmet esses que, após os ter comido, são aconchegados pelo McDonald´s mais próximo. Então e as pastelarias? Pois é, as pastelarias também estão a desaparecer, sabiam? Confeitarias é o que está a dar. Mas como não adoro doces, podiam só ser um Café. Surpresa, também não gosto de café.

Pode parecer escárnio, porém é mesmo importante – até bonito – que existam estas nomenclaturas que fogem ao comum, ao normalmente usado, ao que está gasto e devem, aliás, ser respeitadas: para um cidadão comum completamente desinteressado pelo Código da Estrada, uma estrada é uma estrada, mas para um instrutor de condução é uma bela de uma faixa de rodagem – em princípio mal alcatroada e com alguém mal-estacionado na berma. Se esse alguém posso ser eu? Não confirmo nem desminto, já dizia o outro.

Até no futebol, tido em conta como o desporto do povo e das massas, existem particularidades linguísticas que devem ser tidas em consideração. Nunca – mas nunca – e isto é um aviso da máxima importância, digam a um comentador de futebol que X equipa faz boa circulação de bola. Não, não, não: errado. A forma correta é: X equipa detém a posse do esférico e distribui jogo com critério. Olhem que o Luís Freitas Lobo é capaz de vos dar cartão vermelho se não respeitam esta regra. E com razão.

Diga-se o que se disser, são também estas pequenas coisas que fazem andar o mundo. Ao contrário do que se costuma dizer acerca dos detalhes, é, provavelmente, neles que está também a paixão.

Faz bem detalhar. Que refrescante que é ouvir alguém a falar do que gosta, especificando todo e qualquer detalhe, toda e qualquer minuciosidade; se for, então, alguém especial sobre a qual sabemos os detalhes que mais ninguém sabe, ainda mais belo é, como se um mundo nos falasse ao ouvido.

Que este texto sirva de alerta ao prazer do detalhe. Texto? Não. Crónica.