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Crónica • "Comédia, Politicamente Correto e Cancel Culture"


"Comédia, Politicamente Correto e Cancel Culture"

Uma crónica de Luís G. Rodrigues

Aparentemente, segundo alguns comediantes – como Chris Rock e Ricky Gervais, por exemplo – a comédia está em grande perigo; em grande perigo porque a “cancel culture” está a limitar o material com que os humoristas trabalham, criando assim uma comédia “não engraçada” e “aborrecida” [1] (acha Chris Rock), ou, por outro lado, devido à recente e suposta necessidade que o público tem de ser ouvido nas redes sociais – que irónico que é um indivíduo que sobe ao palco para dar opiniões e que faz o mesmo no Twitter critique quem tente fazer o mesmo – , argumenta Gervais,  existem quadrantes da sociedade que tentam fazer com outras pessoas não assistam aos espetáculos ou que não atribuam valor a certos pontos de vista de alguns comediantes [2], inclusive os visados, segundo os mesmos, obviamente. Mas será esse o caso? 

Não. Ou pelo menos não no grau, nem modo – quase a roçar o pânico e aflição – como certos comediantes falam do assunto. De modo a justificar a resposta apresentada, parece relevante verificar alguns factos que podem indicar algum tipo de resposta natural aos comentários dos dois comediantes relativamente ao que criticam: Ricky Gervais tem mais de catorze milhões de seguidores na rede social Twitter e a série escrita e protagonizada por si foi, em Abril, renovada pela Netflix para uma terceira temporada [3]. No mesmo sentido, Chris Rock, tem mais de quatro milhões de seguidores no Instagram – desde abril até ao presente mês ganhou mais de cinquenta e sete mil seguidores na mesma plataforma digital – e viu estrear no mês passado (Maio) nos cinemas “Espiral: O Legado dos Jogos Mortais” onde tem um dos papéis principais. Não sou de intrigas, mas, pelos vistos, se existe – e creio que não seja o caso -, a “cancel culture” está a fazer um péssimo trabalho – quase tão mau como o de Bolsonaro a lidar com a pandemia -, já que estes dois titãs da comédia continuam a ter um sucesso incrível, ainda que se vitimizem com a mesma frequência com que o Ronaldo marca golos. Será porque – ora vamos lá ver, há que ter estômago para isto – a “cancel culture” não existe? Ou como bem afirmou Whitney Cummings, “é apenas uma miragem” [4]?

Bo Burnham, um dos grandes génios da comédia contemporânea (com apenas 30 anos), disse (muito acertadamente), numa entrevista à CBS, o seguinte acerca deste tema: “I just think that comics are cry babies. (…) You get up there and talk for an hour and then they [the public] have an impulse to be heard too; if its “rock ‘n’roll” who cares what they [the public] think about it? And truly, political correctness with young people for me it’s an overcorrection for a serious problem like bigotry and racism. (…) No comedians are being thrown in jail; they are getting lit up on Twitter maybe a few sometimes and that’s wrong and maybe bad sometimes but again this is from people who have had their opinions heard relentlessly (…) and then a blogger stands up, expresses their opinion and its like “WHAT?!”…(…) How do you not understand that the audience has the same impulse you do?” [5]

Normalmente, por culpa da natureza de onde provêm as críticas à ficção que é a “cancel culture” e ao “politicamente correto”, o lado mais ouvido é sempre aquele que tem mais mediatismo, ou seja, o dos ditos “famosos” ou “conhecidos”, daí que seja tão refrescante e essencial ouvir pessoas como Bo Burnham, Whitney Cummings ou Seth Rogen (que recentemente deu uma entrevista à Good Morning Britain onde fez a seguinte afirmação: “To me when I see comedians complaining about this kind of thing [cancel culture], I don’t understand what they’re complaining about. If you’ve made a joke that’s aged terribly, accept it. And if you don’t think it’s aged terribly, then say that [6]) que, para além de serem seguidos mundialmente, são figuras exemplares do que é ser bem-sucedido na sua área sem necessitarem de se vitimizar com problemas fictícios.

O que certos comediantes não entendem – sim, aqueles que acham que estão a ser cancelados e que são alvo do politicamente correto – é que a liberdade de expressão não está só do lado deles, nem nunca esteve. Porém, agora o público, felizmente, tem mais possibilidades de expressar a sua opinião – e está no seu direito. A verdadeira liberdade de expressão é isto mesmo: ambos os lados serem ouvidos, discordarem e escolherem o que consomem ou não. Mas entendo que não deva ser fácil para algumas celebridades, de repente, serem confrontadas com o que dizem; chama-se “accountability” (ou em português, “prestação de contas”); bem-vindos ao mundo onde existe responsabilidade pelo que se diz e pelo que se faz. 

Em jeito de conclusão breve – e em tom de provocação – resta-me invocar algo que Katt Williams referiu sobre “cancel culture”: Some of these things are for the benefit of everything,”.“Nobody likes the speed limit, but it’s necessary. Nobody likes the shoulder of the road, but it’s there for a reason. My point is, [people] weren’t all that extremely funny back when they could say whatever they wanted to say.”

Se um comediante se importa assim tanto com a opinião de umas centenas de pessoas numa rede social e faz questão de falar sobre isso – queixando-se constantemente – em todas as entrevistas que dá, tenho uma novidade para dar: é possível que não seja assim tão engraçado.


Notas:

[1] The Independent. «Chris Rock Says ‘Cancel Culture’ Creates ‘Unfunny’ and ‘Boring’ Comedy», 21 de Maio de 2021. https://www.independent.co.uk/arts-entertainment/films/news/chris-rock-cancel-culture-spiral-b1851250.html

[2] The Brag. «Ricky Gervais Has a Fiery yet Nuanced Take on ‘Cancel Culture’», 9 de Dezembro de 2020. https://thebrag.com/ricky-gervais-cancel-culture/.

[3] NME. «After Life Season 3: Trailers, Cast, Release Date, Plot Details», 18 de Abril de 2021. https://www.nme.com/blogs/tv-blogs/after-life-season-three-ricky-gervais-everything-we-know-so-far-2651017.

[4] Whitney Cummings. Ep #28: ANTHONY JESELNIK | Good For You Podcast with Whitney Cummings, 2020. https://www.youtube.com/watch?v=sdcChMu3Ogw

[5] CBS News. Bo Burnham on political correctness in comedy, 2016. https://www.youtube.com/watch?v=D52TF1OtgSE&list=RDQMVfcMw4xt3Ks&index=10.

[6] Zack Sharf. «Seth Rogen Says Comedians Shouldn’t Complain About Cancel Culture: Accept Jokes Don’t Age Well». IndieWire (blog), 25 de Maio de 2021. https://www.indiewire.com/2021/05/seth-rogen-comedians-complaining-cancel-culture-1234640086/.