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COMING UP | Young Royals

Na Netflix há mais uma série que nos ensina a não julgar o livro pela capa e que nos prova que ter estatuto, dinheiro e tudo aquilo que muitos sonham pode ser transcrito como uma grande montanha de nada. Enquanto se discute sobre a liberdade de sermos quem somos e como somos Young Royals toca em alguns pontos interessantes numa narrativa que se junta à lista de manuais que a juventude de hoje precisa de assistir para saber quão importante é aceitarmos o outro. Contamos-te tudo sobre a aposta sueca do serviço de streaming na edição desta semana do Coming Up, fica connosco enquanto falamos sobre aceitação. 

A série arranca numa premissa simples de um jovem que é segundo na linha de sucessão ao trono da Suécia e que se vê repreendido depois de se envolver numa briga. E é desta forma que entramos no universo de uma série que se aventura a explorar a falta de privacidade e a forma como a vida destes jovens que nascem em berço de ouro é esquematizada para preencher os requisitos sociais, para fazer deles um exemplo e despi-los de algum humanismo. 

No fundo logo no arranque percebemos que Wilhelm não tem margem de erro, o que já era um ponto interessante para a discussão mas ganha ainda mais destaque quando entendemos que muito mais do que falar de um jovem na flor da idade, estamos a falar de alguém que está farto de viver como um rato de laboratório e que quer simplesmente viver. A partir dessa proposta inicial, Young Royals caminha numa narrativa extremamente interessante, que no seu estilo de novela juvenil consegue cativar e em que os temas que quer retratar sobrepõem a narrativa numa lógica muito inteligente que reflete bem o propósito maior desta história.

Na verdade esta não é mais uma trama que vai explorar o suposto mundo encantado das elites da realeza, é sim uma narrativa que aborda a falta de privacidade em que vivemos, colocando-nos na visão de alguém que tem a vida escrutinada ao detalhe e que não pode dar um passo sem que toda a população saiba o que ele fez. É sobre sacrifício e sobre como ter uma imagem pública pode significar que se terá de abdicar da própria personalidade, enquanto somos introduzidos a um universo que supostamente deveria defender esses ideias de vida planeados pela coroa para a vida do protagonista mas que acabam por refletir bem aquela noção da adolescência real de que quanto mais dizemos não a um adolescente mais vontade lhes damos para que tenham atitudes que fujam ao plano. 


Estamos a falar de educação, e por isso não é, de todo, tirado do contexto que o universo do colégio privado seja imbuído em comportamentos errantes, com um bullying exagerado pelo estatuto e com a segregação de que todas aquelas crianças sejam parte do mesmo padrão social, mesmo quando praticamente todos os personagens têm pontos que os retiram do conforto de encaixarem nos estereótipos da sociedade perfeita. 


Temos, logo de início, dois irmãos, um é herdeiro à coroa, outro é segundo na linha de sucessão, mas ambos têm a vida desfeita em função dos ideais que querem que eles defendam, por mais que não seja um retrato com bases reais é impossível não estabelecermos um paralelo com a família real britânica, até por em termos de personalidade o mais velho casar com estilo conservador que o Príncipe William tem nas suas aparições públicas, enquanto a ideia inicial de um irmão errante e despreocupado com o protocolo casa muito bem com a ideia que temos de Harry. Mas mais do que estabelecer um paralelo de identidades esta aproximação leva-nos a uma questão muito mais interessante, o famoso “E se?”.



Essa possibilidade de reimaginarmos a história de um outro ponto de vista torna toda a narrativa de Young Royals mais interessante, sobretudo porque em muitos pontos as atitudes dos personagens seriam, certamente, semelhantes às que a realeza britânica tomaria na vida real. 


A série adensa-se quando entramos na discussão sobre a sexualidade de Wilhelm e ao mesmo tempo que nos traça uma linha no limite sobre a liberdade do jovem herdeiro serve também de justificação para alguns dos comportamentos de Wilhelm, afinal de contas, se já é difícil passar por essa experiência de autoconhecimento sozinho, imaginemos o que seria passar por tudo isso sabendo que a partir do momento em tal viesse a público teria de ser imediatamente reprimido em função da imagem de perfeição que a sociedade criou para os seus herdeiros da coroa. 


Mas é exatamente por isto que se torna interessante criar um paralelo com a realidade. E se o Príncipe Harry fosse homossexual? Será que esse não seria um ponto de viragem para ajudar mais jovens? Será que não seria este o ponto principal para caminharmos para uma comunidade em que existisse uma maior aceitação perante o outro? Será que esses padrões não precisam de uma patente elevada a defender cores diferentes? A discussão está lançada e mesmo que se trate de um relato de ficção já nos leva a pensar e já faz com que quem veja a série repense alguns dos seus comportamentos e sobre até onde temos a liberdade para nos intrometermos na vida intima e privada de figuras públicas que nem tão pouco puderam escolher ser parte do círculo mediático. 


São estas questões que colocam Young Royals na lista de narrativas necessárias para serem consumidas pelos jovens dos dias de hoje, e que já dão um passo em frente para mostrar que nem tudo se resume à orientação sexual de cada um, mas muitas das vezes à intromissão que queremos colocar na esfera privada do outro.


No detalhe, a série traz uma história de amor tão ligeira quanto possível, numa narrativa que não foge aos padrões dos dramas juvenis com amores proibidos mas com o twist suficientemente relevante e polémico para que seja falada e para a tornar diferente dentro de um universo de séries que com o mesmo storytelling já foram vistas e revistas dezenas de vezes. 


Apesar da discussão interessante, não faz um trabalho de serviço público tão alargado quanto Love, Victor, por exemplo, mas dentro do jeito frio dos países do norte da Europa, consegue criar e desenvolver personagens com uma empatia até um pouco atípica tendo em conta a sua origem. 


É fácil criarmos pontos de identificação, mesmo que estejamos imersos numa bolha da classe alta, e mesmo com apenas seis episódios, todos os personagens tiveram os seus arcos desenvolvidos sem que o arco principal tivesse de fazer cedências. Até porque apesar de toda a história se centrar na vida de Wilhelm e de Simon, as discussões na vida dos outros personagens prendem-se todas com a imagem que os pais têm para os filhos, levando a comportamentos muito pouco saudáveis que suprimem a liberdade e as vontades de cada um, e que numa possível segunda temporada poderão levar a consequências nefastas. 


Há algumas figuras nesta trama com um emocional tão frágil que nos novos capítulos não seria de estranhar que a saúde mental fosse um dos principais focos. Felice poderá muito bem carregar essa discussão, tendo em conta que além da mãe querer fazer dela uma princesa que ela, de todo, não é, ainda a força a um envolvimento amoroso apenas com o objetivo de lhe entregar um estatuto social. No fundo, é a velha questão de termos a imagem dos pais, com os seus desejos e sonhos, transpostos para os filhos como uma obrigação, impedindo-os de viverem e crescerem com as suas próprias personalidades. Já vimos isto em dezenas de histórias mas aqui os contornos casam ainda melhor porque na elite social a margem de erro é ainda mais curta, assim como a liberdade. Ter dinheiro aqui é sinónimo de se despedir de si mesmo, e nesta primeira temporada esse ponto já bem estabelecido.



Mas vamos ao outro protagonista. Simon tem um arco recheado de drama, ao passo em que nas suas tentativas de se incluir no pequeno circulo do colégio acaba por cometer alguns atos pouco recomendáveis. Apesar disso, a harmonia que o seu romance com Wilhelm conquista é tão grande que nos faz esquecer todos os erros que comete pelo caminho, e que diga-se que não são assim tão poucos. Simon é o aluno bolseiro numa escola de alta sociedade, que sofre de bullying e que se vê escorraçado até que acaba por ser o interesse amoroso do aluno mais influente daquela sociedade. 


Mas vamos ser realistas e desconstruir um pouco a ideia cor de rosa deixada em Young Royals. A afeição de Wilhelm por Simon poderá não ser assim tão verdadeira, isto se a série for justa na forma como aborda o tema. Segregado durante uma vida inteira e impedido de ser como é, o interesse de Wilhelm parece nascer muito mais da ideia de liberdade que Simon tem, longe dos holofotes da fama ou do estatuto social, do que propriamente numa paixão avassaladora. 


Caso a série tenha coragem para partir corações este será um plano muito mais interessante para debater e para não corrermos o risco de cairmos no clichê romântico da história do menino rico e menino pobre. A personalidade até agora construída pelos dois personagens tem contornos mais negros do que o romance nos faz parecer, ou do que queremos acreditar. 


A paixão de Simon até transparece algum realismo, mas do outro lado temos alguém que se está finalmente a libertar das amarras, e para quem tudo isto poderá não ser mais do que um capricho inconsciente. Por mais que a ligação entre os dois personagens nos deixe encantados este é um amor condenado à partida numa visão mais crua, caso o texto seja justo o suficiente com os pormenores que estabeleceu até agora.


Young Royals é uma solução criativa para tocar os meandros da adolescência num retrato mais atualizado mas que mantém a essência dos grandes clássicos do género. É um rasgo criativo por se assumir com dois protagonistas homossexuais ao mesmo tempo que não coloca esse relacionamento como o grande foco de interesse da ação, abrindo espaço para falar sobre a falta de privacidade, o bullying numa proposta muito mais voltada para as redes sociais, e sobre a saúde mental de quem vive numa bolha de suposta perfeição. É, também, e tal como já dissemos, uma série que fala sobre os meandros do autoconhecimento da adolescência e da transição entre sermos crianças e adultos, a fase complicada onde tudo é possível e onde ganhamos consciência das consequências dos nossos atos. 


Apesar de tudo isto, Love, Victor continua a ser a melhor aposta dentro do género, por ser mais coerente e realista, e sobretudo mais mundana. Contudo, é impossível não elogiarmos séries como Young Royals por ajudarem a traçar um mundo mais livre e aberto e por mostrarem que estamos num ponto em que tramas com relacionamentos gay já são sucessos livremente comentados. Apesar de ainda existir um longo percurso a fazer-se no respeito para com o outro, o facto de existirem cada vez mais produções a retratarem estes temas com alguma normalidade é essencial para evoluirmos. 


Para que hoje em dia cada jovem se sinta mais livre para se aceitar como é, porque essa é uma jornada bem mais complicada do que aparenta e que requer uma boa base de apoio, a ficção pode ocupar um lugar interessante e importante na ausência de exemplos mais próximos. Que venha a segunda temporada, que Young Royals continue corajosa e sobretudo que não exista receio de ir mais fundo em cada assunto, porque os temas estão todos certos e são extremamente relevantes. 


Uma última adenda para dizermos que é bom vermos como a Netflix nos consegue fazer viajar em várias línguas e como cada vez mais quebra o estereotipo de que apenas o que os feito nos Estados Unidos é bom, na verdade a lista de conteúdos europeus de qualidade é cada vez maior e poderá ser esse o grande trunfo do serviço nesta guerra dos streamings que se está, cada vez mais, a adensar. É esse o caminho!