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COMING UP | Na Porta ao Lado: Esperança

A marca SIC Filmes está de volta! Na Porta ao Lado é a nova aposta original da OPTO SIC numa coletânea de telefilmes que promete apresentar histórias sobre violência domestica com uma abordagem diferente, com ângulos distintos, mas carregando uma mensagem de força para quem vive este tipo de situação na vida real. Esperança é o primeiro título a reforçar o catálogo do serviço de streaming e chega com muitos pontos positivos, com muitos caminhos para explorar, mas com algumas ausências que não o fazem perfeito. Vamos explicar-te tudo isto em mais uma edição do Coming Up, onde reforçamos a importância do tema enquanto exploramos as linhas narrativas que poderiam ter sido ainda melhor aproveitadas se esta história tivesse sido apresentada numa série e não numa longa-metragem. Fica connosco! 

Esperança é um exemplo de como condensar tudo num único filme pode não ser a melhor solução para a história que pretendemos contar. Carregada de boas ideias e com personagens que têm uma voz ativa e conflitos interessantes, o enredo toca em vários pontos importantes com discussões que vão muito além da violência mas que falam de controlo, de submissão e até mesmo do lobby sob a imprensa. 

Tudo isto com muito pano para mangas, mas acaba por não haver tempo em uma hora e sete minutos para abordar todo o potencial que tudo isto dá à trama.

Em alguns momentos parece que estamos numa corrida contra o tempo para estabelecermos os momentos de tensão entre o casal protagonista e para avançarmos com a mensagem moral, sacrificando alguns conflitos dos personagens que poderiam ser o verdadeiro diferencial de Esperança. Não que isso torne o telefilme num mau produto, longe disso, apenas nos deixa com vontade de ver mais e de explorar ainda mais aqueles detalhes. 

No fundo, o arco de Rodrigo, com toda a investigação jornalística e o momento em que acaba por ter a sua liberdade condicionada pelo dinheiro de Mário abrem espaço para uma conversa maior e mesmo que não seja esse o ponto central da ação, era interessante vermos tudo isso abordado com um pouco mais de tempo. 


Cada evento do filme conseguiria mais espaço numa série de oito episódios, e neste caso era totalmente justificado tendo em conta os personagens ricos que a trama tem. 


Temos uma apresentação cuidada de Helena, que cria uma ligação instantânea com a mulher, mas sentimos falta de explorar um pouco mais sobre quem é Mário além do marido abusivo que vemos retratado. Falta-nos saber algo mais sobre ele, algo que lhe dê substancia e não o torne num “vilão” raso, até porque nos diálogos em que está fora das discussões com Helena parece ser uma outra pessoa que está à nossa frente e é interessante vermos discutida a imagem pública de um agressor em contraste com aquilo que ele é na intimidade. 


Essa dicotomia acontece no texto de Esperança mas talvez fossem precisas mais cenas para que a nossa empatia com o personagem fosse maior ao ponto de nos levar a um entendimento maior e levando cada um de nós a questionar um pouco mais a ideia de perfeição que temos sobre alguns casais, o tal jogo de aparências que tanto se fala em histórias sobre violência doméstica. 


Os ingredientes estão todos lá, e estamos sempre à espera de ver mais camadas sobre cada um dos intervenientes, mas parece não existir tempo para ir mais além. 



Contudo, a experiência do telefilme continua a ser enriquecedora. A mensagem moral de que todos devemos estar mais atentos ao outro e que não nos devemos guiar apenas pela ideia de perfeição que temos, assim como a ideia de que um agressor pode ser qualquer pessoa e de que nem tudo se resume à agressão física, tudo isto é absurdamente importante e por mais que sintamos que falta vermos mais sobre os personagens, a essência do que o filme nos quer oferecer está toda lá. 


Mas mais importante que isso, Esperança consegue fazer-nos pensar. Helena é-nos apresentada como uma mulher segura, forte, amiga, embutida dentro de uma bolha de suposta perfeição num casamento feliz, mas a cada diálogo mais ofensivo ela vai perdendo um pouco mais da sua personalidade até estar completamente subjugada ao marido, quase como se não se apercebesse do caminho que está a tomar, mas com a emoção e o afeto a permanecerem intactos. 


Ela demora muito tempo até ter vontade de se libertar de tudo aquilo, e se não existisse uma voz exterior, talvez nunca se tivesse apercebido na situação em que estava. Helena, apesar de tudo, não tem uma noção inteira sobre o que lhe está a acontecer, está acomodada com a ideia de que as criticas do marido são algo normal, e nesse sentido a mensagem do filme é extraordinariamente importante para olharmos para o que está à nossa volta e colocarmos em perspectiva a sociedade e entendermos que nem sempre nos apercebemos de tudo o que está a acontecer. 


Tal como no filme, a ideia que os outros têm sobre o que se passa dentro das quatro paredes ajuda a que tudo seja normalizado, é quase como se essa ideia de perfeição fosse um pano que tape os momentos menos bons. Uma abordagem bem realista dos relatos que tantas vezes ouvimos e que é importante que seja repetida uma e outra vez para que interiorizemos. É algo que pode realmente salvar vidas.


O talento de Rita Loureiro é inquestionável. Depois da sua Vanessa em Até Que a Vida Nos Separe, Helena é o papel que encaixa que nem uma luva na sua carreira para a fazer brilhar. A interpretação junto com um texto cuidado deram uma imagem real de uma vítima que não é simplesmente uma vítima, ela não se vitimiza e tem até alguns momentos em que se insurge, a atuação não deixou cair em momento nenhum o papel na monotonia e deu-lhe algumas clivagens interessantes que nos dão vontade de ver mais. 


É o mesmo esquema e envolvência que a atriz nos deu na série da RTP, com dois papéis femininos e fortes, livres de estereótipos, carimbos ou rótulos e que traduzem muito bem o que as mudanças que a indústria fez no papel da mulher no cinema ou nas séries.


Ter uma autora é uma realizadora por detrás não parece ser mera coincidência e notou-se que houve cuidado em não fazer de Helena alguém inteiramente submissa, aliás, é nesse detalhe que o papel ganha um outro ângulo em relação ao que estamos habituados. Enquanto a sua vida está subjugada às escolhas do marido, ela anuiu por não ter uma inteira consciência de que isso estava a acontecer, porque no momento em que teve essa noção ela agiu, tal como imaginávamos, como um mulher forte e cheia de personalidade. 


Enquanto que com Mário lhe faltaram camadas, Helena não foi, de todo, uma personagem linear é isso só ajudou a que Rita Loureiro tivesse momentos de grande destaque que merecem aplausos, o tom que ela usa quando está a dar a entrevista que vai mudar a sua vida é tão próximo que parece carregar a voz das várias vítimas, é quase um momento de serviço público que prova o quão necessários estes projetos são.



À parte de Rita Loureiro, Cristóvão Campos merece, também, destaque na análise. Rodrigo é dos personagens mais ricos desta história. A sua obsessão de jornalista que vai contra tudo e todos em busca da história que quer contar é uma forma perfeita de fazer este relato de um ponto de vista diferente. 


Que é um dos nossos melhores atores da nova geração ninguém tem dúvidas, mas é, também, por culpa do seu personagem que sentimos que precisávamos de mais tempo para saborear a trama de Esperança. Em uma hora e meia já nos conseguiu conectar com o seu universo e por mais acelerada que seja a resolução do seu arco tudo fez sentido. 


A força de vontade com a qual vai contra tudo e contra todos em busca da verdade deixam, também, uma mensagem sobre o quão importante é seguirmos as nossas convicções e não nos deixarmos abater pelos altos poderes da sociedade. 


A forma como se envolveu no drama daquela mulher faz justiça e cria paralelos com muitos enredos de filmes de Hollywood, enquanto nos oferece alguns dos melhores diálogos e mostra a sua versatilidade numa personagem que na essência até poderia ser básica. 


Os momentos de contracena com Rita Loureiro são pontos altos na interpretação num trabalho sem mácula que nos faz pedir por ver mais momentos do trabalho dos dois. 


Assim como Eunice que nos poucos momentos em que aparece em cena nos consegue puxar para a credibilidade da sua personagem num trabalho de Ana Cristina Oliveira que ganha ainda mais destaque por estar a anos luz da sua Martina em O Clube


Aliás, estes produtos da Santa Rita Filmes para a OPTO têm reforçado o talento nacional e sobretudo apresentados facetas diferentes com papéis relevantes e verdadeiramente desafiantes entregues a atores que não estamos tão habituados a ver nos projetos de horário nobre dos canais. Esperemos que esta parceria com Ana Cristina Oliveira seja para manter e que o pouco tempo de tela em Esperança seja triplicado na próxima produção.


Em suma, Esperança é um daqueles projetos que cumpre e nos conquista rapidamente pelos atores, mas que nos deixa com vontade de ir um pouco mais além. 


O ritmo está no ponto, apesar de faltar mais profundidade, no fundo é a nossa vontade e curiosidade em querermos saber mais que nos faz ter essa sensação. 


Não é, propriamente, um defeito do guião, mas sim o fruto de um trabalho muito bem feito na interpretação e no processo de criação das personagens que vão para além do curto tempo de ecrã que o telefilme tem. 


Os cenários, a fotografia e a realização estão igualmente irrepreensíveis, mas com uma ressalva, é tudo tão encaixado e bonito que parece que em alguns momentos falta alguma sujidade para dar um outro impacto mais cru. Por mais que seja uma história sobre esperança e sobre dar força há momentos do telefilme em que precisávamos de um choque para dar a chapada de realidade que nos faça abrir os olhos para a realidade. 


A mensagem chega, disso não há dúvidas, mas é tudo tão esteticamente perfeito que pode não se tornar suficiente marcante ao ponto de nos ficar marcado na memória. 


Voltando à nossa proposta inicial uma série de oito episódios poderia apresentar o lado exterior ao casamento de Mário, poderia ter dado mais tempo de ecrã à investigação de Rodrigo, poderia ter ido mais além na ligação que o grupo de amigas de Helena tem com a sua situação, enfim, um conjunto de hipóteses que mesmo não sendo pormenores que estraguem o telefilme, poderia ter aberto caminho para dar esse murro no estômago que precisamos. 


Continua a ser de aplaudir a iniciativa, continua a ser absolutamente meritório o texto de Cláudia Clemente, que volta a marcar-se como um nome a ter em conta na autoria de produções nacionais sobretudo no que diz respeito à criação de personagens com potencial, e continuamos a querer ver os próximos telefilmes, porque há algo que em todos concordamos: Qualidade não falta!


FOTOS: Divulgação Santa Rita Filmes // SIC