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COMING UP | Lupin

Dentro do catálogo da Netflix há uma pérola clássica pronta para descobrir. Falamos de Lupin que chegou com novos episódios para confirmar que o género mistério detetivesco continua a dar o mote para séries que nos viciem e que está longe de estar realmente gasto como muitos nos fizeram acreditar. Da classe à estética incrível com Paris a abrilhantar ainda mais cada frameLupin é um luxo em cada cena num slow burn que se supera nesta segunda parte. Vamos discutir tudo isto em mais uma edição do Coming Up, fica connosco na viagem pelos meandros de Lupin enquanto te convencemos a perderes-te pela grande aposta francesa do serviço de streaming

Esta inversão de um Sherlock Holmes que é o ladrão por detrás de uma investigação que foge à policia enquanto se debate com o seu próprio Moriarty, é a prova de como um regresso ao género clássico de contar histórias nunca é demais, gerando uma das melhores produções do catálogo da Netflix tanto no lado técnico como no enredo. 

Se já na primeira parte nos desfizemos em elogios, a segunda metade só vem provar que há pano para mangas e margem para evolução com plot twists que são amarrados, que fazem sentido, e que sobretudo nos fazem ficar colados à série episódio atrás de episódio, tal como deveriam ser todas as séries que são planeadas para o streaming

Longe das grandes produções americanas, Lupin traz um texto cuidado, em que o foco não é apenas o apelo comercial mas sim entregar um bom produto a todos os níveis, com espaço de desenvolvimento para cada personagem, para cada arco num exemplo de criação de empatia que se torna cada vez mais raro nestas produções em massa.

Enquanto podemos afirmar que Lupin é um regresso ao selo de qualidade da Netflix, que tinha elevado a fasquia com grandes produtos como House of Cards ou Sense8 mas que depois acabou por cair na banalização dos formatos americanizados, podemos também dizer que de longe esta é uma das melhores produções disponíveis no catálogo pela sua concepção cuidadosa que não nos dá um chorrilho de personagens ou narrativas. 


No fundo, Lupin foca-se no essencial de qualquer mistério, com todas as situações a interligarem-se enquanto dá uma importância desmedida a cada detalhe, algo que só quando os autores têm realmente uma paixão para com o texto conseguem fazer. 


Para quem em algum momento da vida já leu as histórias raíz de Sherlock Holmes ou já se deixou embrenhar nos esquemas linguísticos de Agatha Christie esta é a produção recente que melhor trabalha esse legado do detalhe. Em Lupin não há acasos, e nos sentimo-nos compelidos a ver tudo com atenção redobrada para que nada nos escape, para tentarmos entender o mistério antes de todos, no fundo somos parte integrante da história porque somos chamados a fazer o policiamento dos episódios. 


E mais importante que isso, se repararmos com a devida atenção, há detalhes que nos dão respostas antecipadas, o que demostra bem o respeito que há pelo público, e sem darmos conta já estamos envolvidos nesta teia de empatia em que a nossa respiração para quando os personagens fazem algo que não devem. O momento em que Assane é preso é um belo exemplo disso, mas temos mais, como o final de episódio em que Claire parece estar pronta para entregar o ex-marido aos Pellegrini.



O tom desta segunda parte é traçado logo de início num ritmo que apesar de manter a essência slow burn da primeira parte tem eventos muito mais frenéticos que brincam muito mais com quem está do lado de cá. 


O jogo constante do gato e do rato com fugas cada vez mais improváveis colocam Lupin no leque de produções viciantes enquanto nesta parte dois se aproxima ainda mais da génese clássica da construção de Sherlock Holmes, com quase todos os personagens a criarem um paralelo com a obra clássica de Arthur Conan Doyle, e a ligação entre Assane e Benjamin a crescer a olhos vistos numa conexão que dá inveja a qualquer dupla de Sherlock Holmes e Watson que tenhamos visto recentemente. Na verdade quase tudo funciona numa harmonia tão perfeita e casando com tantos géneros que se torna impossível não ficarmos fãs. 


Até podemos entender que na primeira temporada os episódios com um ritmo mais parado, que servem muito bem o contexto da trama mas que não agradam a todo o público, tenham colocado um travão nas expectativas, mas desta vez o que temos é ação constante criada de forma lógica e com uma boa dose de espetáculo, porque se há algo que já podemos identificar como imagem de marca de Assane é que ele não gosta de coisas fáceis e tudo tem de ter uma porção de show que deixe tudo e todos de queixo caído. Enquanto isso ficamos só embevecidos pelas alternativas que os autores vão engendrando para tornarem lógicas todas as saídas de Lupin. É um belo exemplo sobre como é possível, quando há criatividade, fazerem-se coisas mirabolantes sem termos um Deus Ex Machina a servir de resposta para tudo.


Tal como nos clássicos de Agatha Christie, a cultura tem um papel ativo no enredo de Lupin, colocado estrategicamente para dar alguma instrução a quem vê ao passo em que mantém o texto como algo muito mais erudito. 


Tudo ganha outro brilho quando o cenário de fundo é Paris, onde tudo tem significado e onde a arte é um dos alicerces da cidade, mas é bonito de se ver, mais uma vez, como esse cuidado existe mesmo em momentos em que a narrativa coloca o pé no acelerador sobre o seu arco principal. 


Não há descuidos, porque no fundo, a série tenta provar que não é apenas mais um argumento mainstream, mas sim uma superprodução que faz o melhor uso possível do seu orçamento. Mas não fica por aqui. Enquanto as equações do estilo clássico servem de alicerce aos episódios, temos nesta segunda parte uma injeção de tecnologia ainda maior que torna as possibilidades da série quase infinitas. 


Vivemos no limite, sabendo que podemos esperar qualquer coisa vinda dali, porque há recursos suficientes para isso, apaixona-nos mais ou menos na mesma medida em que as primeiras duas partes de La Casa de Papel nos deixaram com o coração na boca. Mas também temos essa sensação porque a tal empatia criada até agora nos mostrou que a humanidade dos personagens os torna falíveis, os faz cometerem erros. Ou seja, na mesma balança temos a possibilidade criada de através da tecnologia fazerem tudo e mais alguma coisa e temos, ainda, o nervosismo crescente dos protagonistas que os fazem cometer erros que numa primeira instância não aconteceriam. Não há a tendência de endeusar as figuras mas sim de fazer o inverso e apesar das múltiplas possibilidades que têm, eles próprios acabam por ter deslizes.



Dentro de tudo o que Lupin nos oferece, que é muito, Omar Sy é, de longe, um dos maiores ganhos no mundo das séries. E se na primeira parte já tínhamos referido que ele é o grande motor da história, agora os elogios redobram-se com o ator a dar-nos uma maior consciencialização dos pormenores de personalidade do seu personagem.


Lupin é muito mais que o pai extremoso que conhecemos na primeira parte, e, de longe, é muito mais que um ladrão dotado de uma inteligência acima da média. Alicerçado por diálogos magistrais, Omar Sy deixa-nos rendidos a mais um trabalho de construção de excelência que só nos confirma a dimensão do seu talento. 


Em boa hora, as séries ganharam um novo fôlego ao ponto de trazer grandes astros do cinema para dentro destes universos. O talento de Omar Sy que já tem provas dadas no grande ecrã torna-se ainda maior com os detalhes de interpretação que oferece ao seu Lupin e dá-nos uma nova garantia de que no meio de tudo isto quem ganha é o público. Os momentos de contracena tanto com Soufiane Guerrab como com Antoine Gouy entregam uma credibilidade bonita de se ver e vão, certamente, render ainda melhores frutos. 


Hervé Pierre não fica esquecido na lista de elogios e a sua concepção do vilão Pellegrini é feita com uma leveza bastante europeia, enquanto a sua imagem faz grande parte do trabalho enquanto homem de poder, num excelente trabalho de caracterização que também ajuda a que este contraponto tome maiores proporções. Ainda neste campo do duelo de titãs, aplausos para o argumento por não seguir o caminho mais básico de colocar a classe social dos dois personagens no centro do conflito. Em Lupin nada é obvio e é isso que faz a série ser tão boa.


Em geral há poucos pontos negativos numa temporada que só eleva ainda mais o rasto de qualidade deixado pelos eventos dos primeiros cinco capítulos. Continua a existir um problema em conseguirmos comprar a afeição entre Assane e Claire, com Ludivine Sagnier a ser, talvez, o elemento que destoa num casting imaculado. Felizmente o argumento em pouco ou nada se centra nesta ligação afetiva, explorando os seus pontos mais fortes com os pequenos roubos de Assane e as fugas a policia a terem o real controlo da ação. 


As expectativas aumentam quando temos um aparente momento de viragem que trará alguns conflitos na relação harmoniosa entre Raoul e Assane, e sobretudo com o momento em que todo o esquema de corrupção é desmontado. Qual será o caminho de Guedira de agora em diante? Deixará o seu coração de fã tomar conta do seu trabalho colocando-se como uma espécie de James Gordon perante Assane? 


Há muitas questões em aberto, enquanto esperamos ansiosamente pelo regresso do ladrão a Paris na expectativa de que continue a manter a ação num ritmo frenético sem se perder no caminho do sucesso que possa tornar a trama em algo mais comercial. O ganho de Lupin é o carinho impresso no guião e isso é algo que não pode mudar venham quantas temporadas vierem. De França chega um dos maiores acertos da Netflix, que diga-se que não foi propriamente justa com a série. 


A proposta da Netflix no lançamento de novas produções é deixar nas mãos dos espectadores a lista completa de episódios deixando ao nosso critério o ritmo a que a vemos, mas aqui optou por separar uma temporada em duas, intrometendo-se na forma como vemos o projeto, algo que poderia muito bem ter condenado a série a um destino que não merecia. É certo que têm menos apostas para oferecer devido à pandemia, mas não vale tudo, e neste caso talvez o serviço deva colocar os olhos no cuidado que Lupin tem com o seu público, e ter, também, algum respeito com aquilo que é a sua imagem de marca e que a torna tão apetecível para o público. Que venha depressa a nova temporada, e desta vez completa.