"Vento Norte" traz "família, política, sociedade e história” ao horário nobre da RTP1

Esta quarta-feira, dia 14 de abril, a RTP1 leva-nos numa viagem histórica até aos anos 20 com Vento Norte. A nova aposta de ficção do canal público promete passar em revista vários eventos que marcaram a década enquanto nos apresentam a família Mello, aristocratas de Braga com ideais bem definidos que prometem conquistar os espectadores numa intriga com várias nuances em que os personagens centrais vivem num contraponto entre a bolha do tradicionalismo e os avanços do tempo, num período de pré-ditadura. João Lacerda Matos é um dos autores do projeto e em conversa com o Fantastic levanta um pouco do véu sobre o que vamos poder ver no ecrã.

A ideia que constrói Vento Norte surge da reunião de Raquel Palermo, João Cayatte, António Melo e João Lacerda Matos, a eles juntou-se Almeno Gonçalves como produtor, impulsionando todo o projeto e entregando novas ideias para a trama. “A ideia era contar a história de uma família portuguesa no início do século XX e dos seus empregados. O Almeno trouxe Braga e um universo de histórias e de contradições sociais que adicionaram o contexto social e histórico. Depois, a ideia de criar uma ficção baseada nos factos verídicos que antecederam e explicam o Golpe Militar de 1926, que partiu de Braga, e que envolveu uma série de apoios locais, compôs a história de Vento Norte”, descreve o autor. Desta sinergia nascem os pilares da nova aposta da RTP, “família, política, sociedade, história”. Cada elemento vai mudar o rumo dos personagens e trazer novas linhas narrativas a cada episódio.

Downtown Abbey, English Game e Upstairs Downstairs são alguns dos títulos de sucesso internacionais que servem de influências à abordagem da narrativa, contudo, João Lacerda Matos reitera que o que vamos poder ver no pequeno ecrã será um retrato deste período da história do nosso país. “Esta é uma história portuguesa, com uma identidade e um contexto nacionais e diferenciadores. Depois, a presença das questões sociais e políticas é bastante superior em Vento Norte do que nos exemplos dados. Há uma linha estética e de abordagem dramatúrgica que vai beber a esses exemplos, porque para os autores são marcas inquestionáveis de qualidade”, refere. 

E se há pontos que na construção se ligam com os sucessos do estrangeiro, há também pontos que separam e que entregam a Vento Norte uma identidade própria, com personagens que serão muito mais próximas da nossa realidade. “Os criados da família Mello trazem uma linha muito mais telúrica e rural à história. As crenças, a religiosidade, mas também o nascimento de um novo espírito de afirmação das mulheres na sociedade, trazido pela educação universitária a que algumas, poucas, têm acesso. É o caso da Albertina, que estuda direito em Coimbra e se vai tornar advogada. Vento Norte vem na linha dessas séries, mas é muito diferente, porque é uma história sobre o Portugal republicano, o norte que resiste à mudança e um golpe militar que se prepara e que vai mudar o país e marcar o século XX português”, o golpe militar que traz para dentro deste universo de ficção a veracidade dos factos históricos, contudo não será o único ponto em que realidade e ficção se juntam em Vento Norte.

“Desde logo a chegada do Corpo Expedicionário Português a Braga, comandado pelo então general Gomes da Costa e o impacto que teve nas classes sociais mais altas o esforço português na I Grande Guerra. Depois, todo o tecido social de Braga dos anos 1920. As prostitutas que de dia trabalhavam na fábrica das hóstias cortando as partículas que mais tarde eram abençoadas pelo Arcebispo e passavam a ser hóstias e de noite estavam no Café Quatro com os burgueses e os senhores”, o regresso de Tomaz, o filho mais velho dos Mello que se integrou no Corpo Expedicionário Português é um dos pontos de partida  do primeiro capítulo com a família a ter de lidar com as sequelas que o jovem traz da guerra. Também a revolução iminente e a anarquia que se vai instaurando serão abordadas, assim como os universos da cultura e o consumo de droga. “Apolónio, vindo da Galiza com uma missão, a de provocar o caos na sociedade conservadora. A personagem Margarida traz o lado da cultura, do nascer do cinema português, do vício da cocaína, tão popular nesta década. Mas estão também as convulsões sociais dos trabalhadores da indústria dos têxteis da cidade e as greves e revoltas que ocorrem, a partir de 1921, através da personagem Albertina”, refere o criador. 

O desporto não é esquecido e vamos ver nascer o Sporting Clube de Braga, representado na ação da série por Joaquim, que abraça na ficção o espirito dos fundadores. João no episódio três vamos avançar até às consequências da Gripe Pneumónica em Braga enquanto ouvimos relatos sobre como o saber popular era a única tábua de salvação para evitar o destino de uma morte certa. No fundo, em todos os capítulos teremos essa comunhão de ficção e realidade ao som da banda sonora construída por António Rafael e Miguel Pedro, elementos dos Mão Morta, que se juntaram ao projeto. “O facto de serem ambos músicos de Braga ajudou a que se juntassem ao projeto. Os guiões já estavam escritos e serviram de inspiração à música”, conta-nos João Lacerda Matos.

Vento Norte sucede a Até Que a Vida Nos Separe no horário nobre de quarta-feira da RTP, num espaço que tem conquistado espectadores e com um impacto crescente com o público. O autor da nova série rejeita a comparação com as telenovelas referindo que “séries e telenovelas convivem muito bem nas grelhas das televisões nacionais” e que não podem ser comparadas porque de um lado temos um produto diário e do outro um projeto que é semanal. “Os produtos de ficção continuam a ser os mais procurados pelos espectadores, que têm agora, mais do que dantes, um menu diversificado de escolhas. Dito isto, e citando o José Fragoso, diretor de programas da televisão pública, ‘a RTP está interessada em criar conteúdos que sejam culturalmente relevantes’. Se olharmos para as recentes séries da RTP -  A Espia, Crónica dos Bons Malandros, o Atentado, Três Mulheres, Até que a Vida nos Separe – acho que se tornam óbvias duas coisas: a sua grande qualidade de produção, escrita, direção e interpretação e a sua inovação relevância cultural como conteúdo audiovisual”, revela João Lacerda Matos que aponta que o crescimento consistente da adesão de espectadores entrega “mais força para que se continue a apostar neste género”.