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COMING UP | Quién Mató Sara?

Quién Mató a Sara? é uma daquelas histórias que segue a linha dos mistérios que podemos ver dezenas ou centenas de vezes e que mesmo assim nos continua a agarrar da mesma forma. Além do típico jogo de detetives a que é impossível de resistir pelas várias teorias que se vão formando ao longo da série ainda traz para o argumento laivos do clássico Le Comte de Monte-Cristo que já nos ofereceu tramas tão boas quanto Revenge e até a portuguesa Vingança. Num estilo que é em muito semelhante ao de uma novela, Quén Mató a Sara? é o dramalhão no bom sentido da palavra, que sabe jogar com as emoções e criar fios condutores que fazem com que qualquer plot twist faça sentido por mais mirabolante que seja. É um passo de mágica que sabe entregar aos espectadores exatamente o que queremos ver num enredo absorvente em que há uma preocupação em aprofundar personagens e fugir de um catálogo de estereótipos. Cada figura por mais inspirada que seja em outras obras é peculiar à sua medida, enquanto a tecnologia ajuda a que o ritmo seja mais acelerado. No fundo, a nova série da Netflix apresenta-se sem medo de arriscar e com as reviravoltas que fazem dela uma maratona fácil. Junta-se a isto um bom elenco e uma boa construção de caracteres, num cluedo em que ninguém se apresenta como inteiramente inocente. No fundo, o grande segredo que faz de Quién Mató a Sara? um vício é a forma como autores souberam trabalhar em cima dos segredos, provando que até o mais inocente dos personagens tem os seus esqueletos no armário. Com muitos assuntos em cima da mesa, a próxima temporada deixa várias questões em aberto enquanto com os primeiros capítulos já temos a certeza de que o está por vir só pode surpreender ainda mais. Vamos até ao México para explorarmos a nova aposta da gigante do streaming e contar-te porque é que deves colocar mais uma série na tua lista de espera. Fica connosco, neste Coming Up oferecemos-te uma sugestão transversal que pode facilmente agradar a todos os públicos, ou pelo menos a quem tenha a mente mais aberta.

Em Portugal, por exemplo, o género novela continua a fazer sucesso mesmo depois de centenas de produções e mesmo com várias pessoas a afirmar que o que passa no ecrã é sempre igual. E porquê? Porque apesar de tudo, ainda nos vamos surpreendendo com as reviravoltas que surgem em cada história. Aqui, bebe-se muito dessa lógica de explosões, e em cada episódio há um dado ainda maior para acrescentar a um novelo que só aumenta e que nos vai deixando ainda mais embrenhado com cada núcleo, sem se esquecer de entregar destaques a praticamente todos os intervenientes, ao mesmo tempo que em quase todas as cenas temos algum evento que se conecte com a suposta resolução do quebra-cabeças principal. Há uma conexão que não é oca, e pelo contrário vai adensando o sentimento de dúvida. As reviravoltas surpreendentes e dignas de qualquer novela mexicana não são acasos do tempo e voltam a provar que esse selo de qualidade na maestria do uso dos plot twists ainda está de pé. Há um determinado momento da trama em que pela quantidade de temas que orbitam em torno da história central e da questão sobre quem é de facto o culpado pela morte de Sara, achamos que será quase impossível que temas tão pesados quanto a adição ou a adoção por parte de casais homossexuais consiga ser explorada com a dignidade e atenção que os temas merecem, contudo, o argumento prova-nos que não há nenhuma intenção de deixar pontas soltas, e que no fundo cada pedaço, cada arco, tem uma função decisiva na resolução do mistério. E claro, o erotismo não pode deixar de ser referido. Mesmo que não seja o principal ingrediente, não peca por excesso e ajuda a humanizar algumas cenas. Por mais que pudesse ser mais escondido, a verdade é que na essência de todos os eventos motores de Quién Mató a Sara? está presente essa linguagem sexual e sendo esse um dos principais pontos para as grandes reviravoltas e um dado tão importante para entendermos os meandros de personalidade de cada um dos protagonistas, essa exposição é justificada. Até mesmo para apresentar ao espectador a importância que o sexo tem no seio da família Lazcano.



Mas vamos entrar nas reviravoltas. Nenhum mistério aguenta dez episódios sem que elas existam e nesta série o que não falta são guinadas na lógica que nós enquanto público vamos construindo para tentarmos desfazer o mistério. Cada dado novo obriga-nos a nós e aos personagens a fazer marcha-atrás, e deixa-nos com a sensação de que fomos enganados por clichês batidos que por mais que já tenham sido usados várias vezes ainda continuam a deixar-nos boquiabertos. Isso ajuda a criar uma maior empatia com a história, mas é sobretudo, o grande elo que prende a nossa atenção. Há partes da história em que quase conseguimos esquecer-nos do homicídio para nos interessarmos ainda mais pela espiral de podridão que envolve César. Ainda por cima quando tudo entra num constante crescendo, incluindo as revelações surpreendentes, que nos deixa em ponto de rebuçado desconfiando de tudo e de todos, neste ponto o objetivo de um texto que tem por base um mistério foi cumprido em larga escala. Mas como se não bastasse, chegamos ao final e aquilo que já eram explosões constantes nas nossas teorias deixa-nos completamente sem armas e a desejar que os próximos capítulos cheguem no dia seguinte para que possamos continuar a devorar a trama em maratona. Quase a tocar a linha em que é demais, o encaixe final que nos revela que Sara não morreu no acidente e que na verdade ela quase pede para morrer no meio da sua loucura desmedida é simplesmente a ponte perfeita para a próxima temporada. Por não estarmos à espera, por nos ter conseguido enganar tão bem quanto aos personagens centrais, mas sobretudo por conseguir encontrar uma solução fora da caixa que garante que pelo menos no arranque, os novos capítulos não existem apenas para fazer face ao sucesso mas sim porque há uma razão que faça valer a pena que eles existam. É uma continuação justificada e não um esticar desnecessário de um narrativa. Além de termos de louvar o facto de o mistério ser muito mais complexo do que na maioria das séries do género em que retiram o peso e impacto dos acontecimentos por resoluções trazidas por um Deus Ex Machina apenas para colocar às pressas um ponto final, como acontece, por exemplo em El Desorden Que Dejas.


Na lista de pontos positivos, Quién Mató a Sara? ganha pelo cuidado na construção de carácter dos personagens, e é aqui que se notam as maiores influências do clássico de Alexandre Dumas. Além da história de vingança trabalhada durante anos na prisão por um crime que não cometeram, César é claramente inspirado no grande vilão da obra literária, mas nota-se um esforço maior para o adaptar aos novos tempos e ainda lhe dar nuances que só ajudam a aumentar o nosso ódio pelo personagem. A visão machista foi a escolha perfeita para representar uma fatia da sociedade de uma forma coerente e não apenas para servir de contraponto com o arco de Cherma. Há mais que isso e é trabalhado quando vemos os momentos de caça, a importância que dá ao sexo, a ligação de desdém com as mulheres, e a forma como tenta passar a imagem de um quase mafioso para fora. O texto dá uma volta gigante para lhe entregar a profundidade necessária para que todos os momentos de reviravoltas ligados a ele ganhem sentido. É perfeitamente plausível, depois desta construção, que ele seja o grande patrono de um negócio de tráfico de mulheres, é coerente. Assim como essa ideia fixa dos ideias masculinos diz muito sobre o tratamento que dá aos filhos, tudo nele é clássico, mas não deixa de ser uma representação fiel de uma fatia adormecida da nossa sociedade que é bom que seja apresentada neste tom de crítica podendo em alguns momentos servir para mudar mentalidades, mesmo que esse não seja, de todo, o objetivo do guião aqui. Mas seguindo a linha de Le Comte de Monte-Cristo, a ideia que temos do filho do grande vilão desta história, é transposta aqui em Rodolfo, na ideia de submissão aos ideais e aos negócios afortunados do pai, nessa lógica de que é a ele que cabe a responsabilidade de criar uma família, estabelecendo entre ele e Alex um constante paradoxo da falta de coragem e de força para se chegar à frente com a coragem de afrontar de frente as suas vontades e desejos, seguindo exatamente a mesma lógica da obra de Dumas, provando que mesmo depois de tantos anos ainda é uma mecânica que funciona. Os personagens só reforçam as saudades de ver Nicolau Breyner, Paulo Rocha e Diogo Morgado naquela que é uma das mais ousadas novelas já feitas em Portugal e que ainda é digna de menção.



Já que falamos dele, Alex chega com a vingança espelhada em todo o lado, e a frieza necessária para num primeiro momento encarar Elisa como um peão, um mero dano colateral. Contudo, aqui o argumento dá um deslize entregando uma base oca para a ligação afetiva dos dois personagens. Sim há alguma tensão sexual entre eles e há a revolta e vontade de Elisa em tentar descobrir que segredos encerra o pai que logo nas primeiras cenas apresenta uma ligação de chantagem com a filha, mas isso não nos entrega nada que justifique uma afeição tão rápida entre os dois. Aliás, a única coisa que os une é um síndrome de vingança, que nenhum ponto positivo poderá gerar a partir daí. À parte disso é impossível negar a boa química construída entre Manolo Cardona e Carolina Miranda, assim como Eugenio Siller pode não ser o melhor ator mas consegue transmitir toda a emoção com o seu Cherma e ainda ter alguma verdade na paixão do personagem por Alex sempre que os dois estão juntos em cena. Apesar disso, o elenco tem dois destaques negativos, e um deles chega mesmo a ser péssimo. Claudia Ramírez tinha tudo para roubar os holofotes para si, numa personagem que apresenta visões de raízes cristãs e que coloca aqui em cheque as referências que os ensinamentos da igreja trazem para a sociedade de hoje, numa dicotomia que ainda é ousado explorar mas que o texto de Quién Mató Sara? abraça sem receios. Aquela que poderia ser a grande personagem que viraria o tabuleiro da série perde grande parte do impacto por ter uma atriz pouco convincente que deixa metade das cenas que entra perderem o gás. O momento do confronto com Cherma é uma boa prova disso, em que Eugenio Siller, não sendo um ator fantástico entrega aquilo que podemos definir como um arraso de interpretação sustentado por um texto que está no ponto certo. Para o destaque que tem, e sem que a personagem nos seja definida como alguém tão submissa como aparenta ser, exigia-se alguém que criasse uma maior empatia. Uma clara falha no casting que mesmo assim não supera o maior erro: Elroy. Sabemos que o envelhecimento pode em alguns casos ser dramático, mas ninguém acredita que o ator que lhe dá vida na fase adulta tenha a idade que o personagem deveria ter na verdade. Há momentos em que parece ter a mesma idade que Mariana, o que retira algum peso tanto ao plot de abuso quanto à sua paixão pouco legal por Sara.


Depois de Control Z, do México vem mais uma pequena bomba que nos prova que no género dramático neste enredo de novelas a Europa ainda tem muito que aprender. Sobretudo quando olhamos para a descrição de Sara. Estamos habituados a que as vítimas nestas séries se tornem quase como anjos despidos do lado humano e das hipóteses de erro. Aqui acontece exatamente o contrário, com Sara a ser apresentada como alguém que move as peças no tabuleiro de jogo e que tem muito mais defeitos do que alguns dos aparentes vilões. E o pior, ou o melhor, dependendo da perspetiva é que parece que ainda há muito mais para se descobrir sobre a personalidade destorcida desta rapariga. É um trunfo genial que reforça a qualidade do texto e que em alguns momentos nos leva a questionar-nos ator que ponto vale a pena toda a vingança. Apesar disso há um ponto que é urgente ser trabalhado na segunda fase: a personalidade de Alex. Dentro da construção que já nos apresentaram e tendo em conta que ele está disposto a ir até às últimas consequências para conseguir a sua vingança precisamos que o texto suje um ponto a imagem imaculada que temos dele, sob pena de no contraponto com os restantes ser o único que não resvalou em momento nenhum pelo caminho do erro, o que desvirtua um pouco essa linha de humanização de carácter que até agora foi construída com todos os elementos da história. À parte disso, Quién Mató Sara? brinca com os meandros clássicos que constroem os romances dando-lhe nuances que abraçam temas que estão no topo da atualidade nos dias de hoje e que talvez não fossem tão expectáveis. Uma aposta louvável da Netflix que prende e que encaixa bem com vários tipos de público e que merece destaque por, mais uma vez, vir de um país fora do mercado habitual. Que venha a segunda temporada, será que é mesmo Sara que está morta no jardim? Ou será Nincardo? Mariflor não poderá ter sido a real assassina? E será que o filho de Sara não anda por ali? Muitas questões para nos agarrarem ainda mais a partir de maio.