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COMING UP | Judas and The Black Messiah [OSCARS]

Mais uma vez passado e presente cruzam-se no mesmo ponto, com dimensões diferentes mas, com as vítimas a serem igualmente importantes. Judas and The Black Messiah é um filme sobre representatividade, sobre ter uma voz que seja ouvida mas com twists no argumento que o tornam apelativo é diferente de outros tantos qua já vimos, com a traição a servir de protagonista da ação e a encaminhar-nos num argumento em que ninguém é cem por cento inocente. Sem que seja um exclusivo da América, este é um bom relato do que se passa naquela realidade onde, tal como é citado no filme, “um crachá é mais assustador que uma arma”. Com uma atualidade bem presente, Judas and The Black Messiah é a película que nesta premiação pode partilhar o mesmo público que o “concorrente” The Trial of Chicago 7, que num dos arcos também aborda, mesmo que levemente, a questão dos Black Panthers. Se tivéssemos de aconselhar, este poderia ser o ponto de partida para uma viagem sobre os nomeados deste ano, seguindo depois para a história de Aaron Sorkin, com duas tramas baseadas em factos verídicos que são verdadeiras odes à liberdade, que nos prometeram que já tinha sido conquistada mas que continua a figurar como um debate até aos dias de hoje. Este é o herdeiro de um caminho que tem sido palmilhado em Hollywood por longas-metragens como Hotel RwandaSelmaInvictus ou o mais recente BlaKkKlansman, com pormenores que se vão juntando e sem nunca perder o interesse. Vamos voltar a debater enquanto te contamos os pontos fortes deste nomeado na corrida aos Oscars nas edições especiais do Coming Up.

É interessante ver como se juntarmos todos os títulos dos últimos anos com estes temas a servirem de pano de fundo conseguimos quase construir a timeline de toda a história da luta contra o racismo. É como uma grande aula de história que vai recebendo o crivo da academia investindo em cultivar a normalidade e a aceitação usando os maus exemplos do passado para construir a consciência coletiva e com isso a normalização, porque chega a ser ridículo ver que em 2021, o racismo ainda é um tema de destaque na agenda da sociedade. Mas isto é o lado bom que os Oscars nos têm trazido nos últimos tempos, filmes que têm essa ligação com a atualidade, que nos fazem pensar, que nos fazem pensar e nos ajudam a construir a sociedade, trazendo para cima da mesa os assuntos que têm de ser mais vezes discutidos para conseguirmos uma imunidade de grupo daquilo que é o preconceito, a falta de sentido cívico ou a falta de respeito pelo próximo. Aliás, o título do filme já cria um paralelo bem forte com o quão datados estes assuntos estão é mesmo assim continua a ser importante trazê-los ao de cima para irradicar as mentes que ainda acham que julgar o outro por pormenores como a cor de pele é aceitável, ao mesmo tempo que é necessário termos estes lembretes para não nos esquecermos de quem dedicou a sua vida a lutar por uma causa, os heróis, que mesmo com erros tentaram trazer para a comunidade valores e ideais que deveriam ter permanecido intactos até hoje, e cumpridos por todos. No fundo, parece que teimamos em não aprender com a história.



Contudo, esse peso da história acaba por ser um ponto não tão positivo no filme, se considerarmos que nos obriga a ter um background de alguns conceitos com os quais a maioria não está familiarizado. Apesar de a indústria já nos ter dado bases, a verdade é que na nossa realidade ainda somos um pouco leigos na matéria, o que dificulta na hora de nos encaixarmos na narrativa, mas que também funciona como um incentivo para nos cultivarmos um pouco e irmos pesquisar. Ou seja, apesar de poder não funcionar tão bem ou no imediato, é uma situação em que o público também fica a ganhar se se predispuser a isso. Em sentido contrário, um dos maiores acertos de Judas and The Black Messiah é o ritmo com sequências de ação bem executadas e que prendem a ação de quem vê, com um destaque gigante para a cena que antecede a segunda prisão de Fred e o encerramento do arco, que nos oferece momentos de interpretação exímios. A triagem dos factos ajudou bastante na montagem, para que o selo do baseado em factos verídicos e o peso do tema não tornassem o resultado final numa narrativa arrastada. Pelo contrário, mesmo com toda a base real, a história é bastante enriquecida com os twists e caminhos divergentes que enchem o olho do público, num aplauso que tem de ser dado aos autores do argumento que não pensaram apenas na história, mas também, que estavam a criar um filme com uma mensagem que é importante que chegue a um grande número de pessoas. 


Já que falamos em brilhantes momentos de interpretação e do argumento, temos de dizer que Daniel Kaluuya é o nomeado dos diálogos. O discurso do regresso de Fred depois da prisão é a porta de entrada para os Oscars, e quando estamos a assistir sabemos no final da primeira linha que a indicação é mais que certa. É um daqueles casos que era impossível não antever e no campo das impossibilidades, não há nenhum filme sobre racismo que depois de o assistirmos não fiquemos com pelo menos uma frase como citação de bolso para usarmos. O poder dos diálogos neste género de filmes é absurdo, é difícil encontrar um texto sobre o racismo que não esteja recheado de citações que perduram no tempo. No caso de Daniel Kaluuya o argumento já dá um avanço gigante para que o personagem seja um marco, mas junto disso temos uma interpretação credível, verdadeira e feita com emotividade. Temos de ter em conta que estamos perante uma pessoa que deu a sua própria vida a uma causa, com o corpo a substituir ossos por ideais, e quem está a assistir sente isso, em cada discurso ou em cada abraço fraterno entre os membros dos Black Panthers. Para quem já é fã da carreira do ator este é o papel que pode destronar Get Out como o filme mais memorável no seu currículo, numa prestação que num ano em que a concorrência fosse um pouco mais branda seria um Oscar automático e merecido para as mãos daquele que se está, cada vez mais, a afirmar como um nome do futuro em Hollywood. Fica a menção honrosa, num papel marcante, com muitas cenas de destaque e que mesmo com uma contracena gigante, da qual falamos a seguir, não perde impacto. 



Quando lê-mos o título do filme e assistimos aos primeiros segundos pensamos que já entendemos o trocadilho todo, contudo, não é bem assim e estamos longe de imaginar que o paralelo é muito mais próximo do que pensamos, e que a ideia de Judas pode, de facto, ser adaptada numa imensidão de situações. E é precisamente com Bill que nos chega o grande ponto de viragem nesta história, que tendo uma mensagem antirracista fez uma coisa que poucos filmes com este tema tiveram a coragem de fazer: Dar dualidade a um personagem negro. Bill é provavelmente um dos personagens com mais pujança e um dos maiores desafios de entre todos os personagens que conseguiram indicações aos Academy Awards este ano e é mais que junto que o galardão figure nas mãos do seu devido dono: LaKeith Stanfield que teve em mãos um desafio difícil de superar, com um personagem, que mesmo com um arco de redenção passa grande parte do tempo a servir de espião, traindo não só a sua comunidade mas sendo egoísta ao ponto de colocar o seu bem estar em primeiro lugar em detrimento de lutar pela liberdade. Tem muito de questionável, mas também é o personagem que mais questiona o público e leva o espectador a colocar-se no seu lugar. Tudo isto com uma interpretação que usa as nuances, a dualidade, a simplicidade e inocência a seu favor com a ingenuidade dada pelo ator a ser um dos grandes alicerces para que cada ato irrefletido tenha o devido peso. Aliás, aqui até temos um pequeno contraponto com Daniel Kaluuya, porque apesar do bom alicerce do texto, LaKeith Stanfield consegue destacar-se mais nas cenas sem diálogos, fazendo chegar ao público a intenção do personagem com a mesma força e sem impulsos externos. É o vencedor, não há margem de erro aqui.


Judas and The Black Messiah tem muitos destaques, num filme que é fruto da comunhão de muito talento que não passa só pela qualidade do elenco, mas também por um guião construído com pinças que faz chegar a mensagem certa sem perder fôlego, por uma fotografia que nos transporta para a época retratada desde o primeiro frame, assim como os figurinos e os cenários que parecem beber da simplicidade das longas-metragens indie, mesmo não o sendo, uma aproximação muito certeira da indústria na escolha por se despir um pouco da sua megalomania. Por mais que películas com estes temas tenham só por si uma alavanca gigante para as premiações, cada distinção desta é merecida, pela escolha de não ser mais do mesmo e nos provar que mesmo contando algo que é histórico não tem de ser obrigatoriamente mais demorado. O prémio de Melhor Ator Secundário está no bolso, e num ano em que o racismo está outra vez no topo dos temas em debate, isso pode facilmente ter balançado as escolhas dos votantes da Academia de Hollywood, que diga-se que este ano fizeram um trabalho exímio em trazer representatividade para um indústria moldada aos velhos costumes que tenta parecer vanguardista mas que escorrega em si própria. Apesar disso, não podemos dizer que este tenha sido um filme utilizado para preencher quotas, bem pelo contrário, traz força, mensagem e interpretações brilhantes, e será uma daquelas histórias que vão prevalecer no tempo pela função educativa que carregam. Mais um acerto, que merecia mais destaque do que aquele que provavelmente lhe vai ser atribuído em número de galardões.