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COMING UP | O Clube

 

Há ainda quem despreze ou menospreze a ficção nacional, para todos os que ainda têm esse sentido aguçado de crítica pelo que é nosso, O Clube vem dar mais uma prova de como há conteúdos falados em português que se reinventam, que não passam longe do melhor que se faz noutras plataformas, mas, sobretudo, que conseguem ter uma imagem bem distinta de tudo o resto. No primeiro capítulo, e mesmo com toda a necessidade de introduzir vários arcos e focos de ação em simultâneo, a nova aposta da OPTO SIC já fala outra língua. Não é uma novela compactada num formato mais reduzido, é, sim, um argumento que se nota que foi construído desde o início a pensar em episódios mais curtos e com o esforço de não colocar pés no travão. Sem se arrastar, O Clube consegue aprofundar-se na essência da maioria dos seus protagonistas, com José Raposo a ser o grande motor do prólogo inicial. Com um “padrinho” destes não se podia esperar nada que não mantivesse a fasquia estabelecida por A Generala. Há arestas a limar aqui, mas a margem de progressão é gigantesca e já deixa antever que esta será uma daquelas séries que até pode não nos cativar a cem por cento na introdução, mas que a partir do episódio dois ou três já não é apenas uma série para ver, é um vício. O Clube chega com um texto para saborear e atuações bem vincadas. Não há melhor palavra para descrever este guião que não seja: Personalidade. Porquê? É o que te vamos contar nesta edição do Coming Up.

O erotismo é um daqueles chamarizes que parece resultar quase sempre na hora de atrair o público. Contudo há poucas produções que conseguem realmente usar esta ferramenta como algo que dê realmente um acrescento à história. Numa lógica de construção que se assemelha a Masters of Sex, da Showtime, não temos simplesmente a exploração e exposição física despropositada. O lado erótico é introduzido com glamour e classe, pelo menos tanto quanto possível pelo meio representado na trama, o espectador é seduzido muito mais pelo namoro do luxo e da exclusividade daquele ambiente do que propriamente pelo sexo. Há um trabalho na condução de O Clube que a torna digna de referência, por conseguir fazer o caminho entre o implícito e o explícito sem resvalar para algo brega. Há cuidado e proteção na hora de apresentar cada uma das cenas ousadas sem partir do pressuposto que o público que vê aceita desculpas. As cenas de sexo estão presentes com toda a representação de uma cena “mais quente” que aconteceria no íntimo de qualquer pessoa que estivesse na mesma situação em que uma daquelas personagens se encontra, mas com os planos de câmara a conseguir salvaguarda o bom gosto e os atores, o que torna a série aprazível a toda a audiência. É um limbo bem ténue, que é testado várias vezes ao longo deste primeiro episódio, mas cada vez que a balança tende a pender para algum dos lados, do explícito ou do implícito, acontece sempre com personagens específicas, o que ajuda a entender a essência de cada uma das raparigas que constroem este espaço de diversão noturna.

À parte do lado técnico, a elaboração do drama que serve de mote à narrativa consegue prender os fãs de um bom mistério com a mesma lógica que funcionou nos sucessos de Élite ou How To Get Away With Murder, em que temos os flashbacks a servir para encaixar as peças do puzzle. Em fórmula vencedora não há o porquê de se mexer, mas mesmo neste aspeto, O Clube foge às tendências tipicamente seguidas pelas telenovelas e não temos o assassinato a servir de principal aperitivo. Por mais que a morte anunciada de Viana seja o bastante para nos prender a atenção nos primeiros minutos e ativar o lado detectivesco que há em cada um de nós rapidamente percebemos que há muito mais a acontecer e depois de apresentadas Irina, Vera, Maria e Michelle esse arco facilmente passa para segundo plano. É um fator que ajuda a compor a trama, mas é inovador no sentido de não tornar o texto automático dependente desse crime. Tudo isto acontece pela polivalência do guião e pela densidade dramática de cada arco que são, sem sombra de dúvidas, muitos mais atraentes neste universo do que propriamente saber a resposta ao típico “Quem Matou?”. Ou quem alvejou, porque aqui temos de aplicar a lei da maioria das séries internacionais, até vermos um corpo morto ninguém morreu. O gancho ficou lá e já garante a atenção para o próximo episódio, mas é difícil de acreditar que o principal destaque deste primeiro episódio seja aniquilado logo à partida. Seria uma jogada ousada, ao nível de La Casa de Papel, mas não parece que a trama se aventure por percursos tão irreversíveis.

Já repetimos que Viana é um destaque, mas ainda não referimos o porquê. É difícil encontrar alguém que não considere José Raposo como um dos gigantes do nosso país, mas nesta série temos a melhor faceta do ator num regresso às personagens dúbias, que é um dos registos onde Raposo brilha, e que nos faz recuar à contracena absurda entre o intérprete e Ivo Canelas em Call Girl. O segurança institui-se desde o início como o personagem central da narrativa e não simplesmente pelo facto de ser ele a relatar os defeitos e qualidades de cada uma das empregadas do Clube, mas pela forma como ele se torna aos nossos olhos no homem que defende os valores daquele espaço. É o contrabalanço da chefia, numa relação de afronta com Vera, a mulher que num estalar de dedos pode deitar por terra tudo o que anos de trabalho construíram, ao mesmo tempo que é o detentor de todos os segredos, o homem que vê tudo, que sabe tudo o que se passa dentro e fora, e que tem mão pesada na hora de defender as regras. Por mais que lealdade seja a melhor definição para o caráter deste homem, nota-se desde a primeira cena que ele tem uma quantidade gigante de esqueletos no armário, o que o torna facilmente no mistério mais interessante de desvendar. É o único que não tem um retrato falado e por mais que a postura e voz denunciem alguma experiência na hora de encobrir os podres daquela casa não há nada que revele qual a dívida de honra que tem com o dono do espaço, não há nada. No fundo não sabemos nada sobre este homem, e por mais que consiga ser o primeiro a garantir a nossa afeição pelo destino trágico e pelo seu carisma, parece-nos que ainda temos um longo caminho até entendermos a mínima brecha sobre qual é a verdadeira essência deste Viana.

Seguindo no elenco, o casting é rico e reúne alguns dos maiores nomes da atuação nacional. Mas nem tudo corre com harmonia neste ponto, pelo menos para já. Irina é para já o ponto menos positivo deste projeto. Por mais que esta pareça ser um mundo sem fundo de possibilidades e com um forte background, a forma como nos é apresentada é muito bruta e drástica, é provavelmente a mais rebelde do grupo e a mais conflituosa, mas talvez precisássemos de um contexto maior para sustentar as primeiras cenas da personagem. Claro que este é apenas um primeiro episódio e que há uma margem de manobra gigantesca por vir, mas quem assiste ao embate de Irina com Maria e Michelle quer saber mais, quer ir mais fundo. E no meio de todo o núcleo de mulheres protagonistas, ela foi a única que foi apresentada de uma forma mais rasa. Contudo, temos de fazer aqui a ressalva de que pode ter sido tudo propositado, pois já deu para entender que há pano para mangas ali. Nota-se ainda mais o contraste quando temos na mesma tela Maria, que em menos cenas já conseguiu cativar-nos mais e deixar a nossa compaixão fluir, num trabalho exímio de Vera Kolodzig que conseguiu absorver bem a atmosfera que movimenta toda a trama em que ninguém se encaixa nos padrões de bom ou mau. Margarida Vila-Nova prova-se, mais uma vez, numa das melhores atrizes nacionais conseguindo desenvolver uma personagem que está quase no overacting mas que se consegue conter ao ponto de se tornar num ícone para o futuro da série, com trejeitos que nos fazem recuar à nostalgia da Maria Laurinda de Tempo de Viver, sustentada por diálogos que nos introduzem esta mulher como uma nova rica empoderada com muito pouco brio. É tão bom ver Margarida voltar a sair do tom dos dramalhões, com espaço suficiente para nos mostrar a versatilidade de um dos nossos maiores talentos na área. Por último vale menção a Luana Piovani que enche o ecrã e que não se deixou cair no lado brega, que a personagem pede, e ainda apresenta um trabalho de interpretação que acontece mesmo nos silêncios. A Jéssica de Filipa Areosa é o grande segredo e depois de Viana, o segundo melhor acerto do texto de O Clube.

Temos de dar os parabéns pela ousadia em fazer-se diferente, pelo risco, mas acima de tudo isso, pela forma como se arrisca com bom gosto. Toy Boy foi um sucesso absurdo na quarentena, mesmo que no comparativo tenha um plot fracamente mais básico. Seguindo esse raciocínio torna-se quase uma urgência assistir-se a está nova aposta. Há arestas a limar? Sim, na verdade, O Clube aparenta ser uma daquelas tramas que vista em maratona se torna num hit instantâneo e que iria gerar muito mais impacto e feedback junto do público que habitualmente consome este tipo de séries. É a mesma questão que aconteceu, recentemente, com Luz Vermelha, da RTP, que também apresenta uma visão distinta destes mundos noturnos. O único pormenor a apontar nesta estreia talvez seja o facto de a maioria da ação acontecer em ambientes fechados, o que por um lado ajuda a cimentar a ideia de que há muito a acontecer dentro daquelas paredes, mas para quem vê pode tornar-se pouco claustrofóbico. Retirando este ponto da equação, O Clube chega com promessas de personagens bem vincados e com vários enredos que desafiam qualquer autor, temos muitos limbos e o mínimo detalhe pode estragar experiência, no entanto logo neste primeiro episódio já percebemos que a equipa de produção é daquelas que se preocupa com o pormenor por isso conseguimos ter “ouro sobre azul”: Uma boa história em boas mãos. E ainda nem conhecemos a maioria dos personagens por isso, para já, partimos com a fasquia bem alta e a rezar para que todas as expectativas se cumpram. Venha daí o próximo episódio porque teorias sobre o que acontece depois não nos faltam!

FOTOS: NashDoesWork / Santa Rita Filmes / Divulgação SIC