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COMING UP | Alice in Borderland

 

Entre o suspense e a ação com uma brecha de terror e horror, Alice In Borderland é a prova de como há Mangás que geram boas adaptações e depois de uma recriação ruim de Death Note, desta vez a Netflix oferece uma trama eletrizante imprópria para cardíacos. O segredo? Deixar tudo nas mãos de quem sabe, do Japão vêm as ideias e por lá conseguem ser materializadas de uma forma que na indústria megalómana de Hollywood ainda nem se adivinha. Para quem ama uma saga daquelas que nos mantém vidrados, para quem ainda pula das cadeiras nos filmes de Jigsaw e para aqueles que querem um vício novo que realmente os agarre esta é a solução perfeita. E não se deixem ficaram à porta de um argumento recheado de qualidade e que realmente consegue tocar os fãs deste género de histórias por causa da linguagem. A mensagem que Parasite criou de que a fala é apenas uma componente de um guião com qualidade elevada mantém-se aqui e há muitas saídas e soluções que na maneira de construir narrativas ocidentais seriam impensáveis. Mas deixamos o aviso, Alice In Borderland é uma daquelas séries que se vê em maratona sem dar por isso e prende com ganchos perfeitos cada final de episódio. Mesmo com todo o chorrilho de violência, é tudo feito de forma leve ao ponto de não sentirmos os quarenta minutos de nenhum dos episódios que compõem esta história. Arrancamos até Tóquio nesta edição do Coming Up para garantirmos que não desperdiças uma boa série no meio de tantas opções! Vamos, como habitual, explicar-te o porquê e garantimos que não te vais desiludir.

Numa realidade que é quase apocalíptica, Alice In Borderland é a franquia perfeita para os fãs de Lost e o lugar ideal para acolher os órfãos de The Society e Daybreak. Só temos de fazer aqui uma ressalva antes, esta é muito melhor que as outras. O ambiente criado é estranhamente verídico e credível, é uma força gigante de produção que consegue assegurar-nos logo neste primeiro embate com a história. Depois temos toda a mitologia da série. E se inicialmente o conjunto de regras pode afastar algum público, ninguém acredita que quem assimilou todas as componentes de sagas como Dragon Ball, Sailor Moon, Saint Seiya ou Pokémon, vá encontrar resistência aqui, até é tudo mais linear nesse sentido, ao mesmo tempo que é muito mais adulto na sua construção. Enfim, para lá da ginástica brilhante da mente destes criadores que se preocuparam em não oferecer um simples The Hunger Games, mas sim algo que tenha, verdadeiramente conteúdo, a premissa é simples: Temos duas opções, jogar ou morrer. Não adianta fugir, porque até a própria ideia de nos fazer sentir aprisionados junto com estes personagens está latente em cada cena, numa experiência de absorção que raramente se sente numa série. Esse design de um mapa de padrões e comportamentos consegue realmente fazer-nos ficar em cada frame e garantir que realmente esquecemos tudo o que nos vai na cabeça, só por aí a série já merecia alguns louvores, mas ainda estamos só no início da análise e esta nem é melhor parte da premissa deste mangá.


É que aqui não é apenas impróprio para cardíacos, os primeiros quatro episódios são uma verdadeira injeção de adrenalina que prometem fazer-nos contorcer nas cadeiras a partir do minuto em que ouvimos “game start”. Além dos jogos serem construídos com algumas inspirações em clássicos de terror deste género que conseguem sempre surpreender, há o lado emocional. Os personagens conseguem agarrar-nos com uma facilidade estranhamente rápida. Ou já estamos destreinados de um bom filme de terror ou o grupo foi realmente bem desenhado ao ponto de criar uma identificação coletiva. Mesmo sem a introdução, caso a primeira cena que víssemos fosse o início do primeiro jogo, teríamos o mesmo click com Chota, Arisu e Karube. Pegando nos exemplos das animações, este nosso trio protagonista consegue encaixar em alguns clichês dos animes que preenchem o nosso imaginário, talvez a identificação venha daí, talvez seja por isso que conseguem ganhar tão rapidamente o nosso afeto, é uma hipótese, mas certo é que encaixam no ponto certo para nos fazer adorá-los logo de início. Aliás a irmandade destes amigos é um trunfo gigante para nos agarrar à história nos primeiros minutos em que aparenta ser mais um drama banal. Contudo, e já que falámos dos jogos, há um outro fator que nos prende a atenção, a forma como todos os jogos, mesmo que sejam algo que envolva a morte de alguém, sejam uma questão de lógica. Para quem assiste, ver Arisu descodificar cada pedaço daquele puzzle é uma das melhores partes, é como ver magia a acontecer é estarmos sempre com atenção redobrada para entendermos um pormenor que ninguém viu para a seguir podermos contar a toda a gente que sabemos qual é o truque. Ou seja, mesmo num limbo entre terror e ação, ainda consegue assegurar o público que não foge a uma boa lupa de detetive.

Quando chegamos ao quarto capítulo já estamos mais que agarrados à história é passamos o tempo todo a tentar encontrar a solução do jogo, uma lógica por trás, tal como tinha acontecido nos anteriores, quase como se neste universo existisse sempre uma forma de todos sobreviverem. Mas é aqui que a série deixa de ser só imprópria para cardíacos para passar a brincar com os nossos corações e conseguir enganar-nos durante todo um episódio. Estamos tão agarrados à ideia de que os protagonistas não podem morrer, e que existirá sempre uma solução Deus Ex Machina para os salvar que nem por um segundo conseguimos pensar que alguma coisa de realmente grave vai acontecer aos personagens, mesmo que as regras do jogo sejam bem claras quanto ao destino de todos eles. Temos de confessar que pensamos em pelo menos cinquenta alternativas, mas todas elas foram dar ao mesmo beco sem saída, e é neste ponto que a trama se entrelaça com o nosso lado emocional até ao fim, nos envolvemo-nos de uma forma em que parece que até os espectadores estão a jogar um jogo de copas. O desfecho chega a envergonhar Game of Thrones no quesito de terminar com personagem queridos da audiência e sem dó, sem piedade e sem luto porque não há tempo para isso numa trama em que tudo se resume a uma espiral de tempo e velocidade. Mesmo assim, este é um episódio crucial para nos tirar fora de pé e deixarmos de ter expectativas, enquanto que começamos a entender que neste mundo tudo é de facto possível só nos vemos ainda mais embrenhados na teia do argumento enquanto criamos teorias da conspiração sobre como cada um daqueles personagens vai voltar porque não conseguimos pensar na série sem aquelas figuras, tudo isto num curto espaço de tempo de quatro episódios.


A partir daí, do clímax, passamos à segunda fase. A fundamentação. Em que se abre espaço nas cenas para entregar contextos e apresentar personagens é um pouco mais dos microcosmos que se criam no meio de todas as anarquias. No fundo, a série trabalha conceitos bastante densos nos meandros de um plot que tendencialmente é juvenil. A violência está lá desde o primeiro minuto, sim, mas de um momento para o outro, quando se começam a aprofundar um pouco mais nas narrativas singulares parece que o tom se eleva e que o próprio texto passa a estar num patamar muito mais erudito. Se já estava bom no terror, suspense e ação, o drama consegue conquistar de igual forma, até mesmo no momento em que somos introduzidos à Praia. Há ali um episódio de resistência pelo meio em que tememos que possam estragar a adrenalina que dá velocidade à série para cair num storytelling de pequenas sagas, ao estilo de Riverdale, mas passado esse capítulo, entendemos que esta side Story é o motor para nos aproximar de mais personagens e sobretudo aquilo que nos fará entender que Alice In Borderland é muito mais que uma história sobre amizade. É quase como se os quatro primeiros capítulos fossem o plot de uma primeira season e entrássemos logo de cabeça numa segunda temporada que constrói o que é realmente a história para lá da introdução. E o desenvolvimento é bom, com personagem não tão cativantes, por um lado, mas com uma Usagi, Cheshire e Kuina a segurarem bem as pontas e provarem um potencial gigante para uma futura nova leva de episódios.

Podem existir centenas de películas e séries com o mesmo género de tema, mas dificilmente alguma nos levará para tão fora de pé quanto Alice In Borderland. Há um espaço enorme para teorizar em cima do que já nos foi contado, apesar de até agora a trama se ter comprovado como algo difícil de adivinhar. Mesmo assim podemos apostar as fichas de que tudo aquilo possa estar a acontecer numa espécie de Matrix, era, talvez, a resposta mais lógica, mas o caminho parece ser outro e talvez até tenha mais mão do governo do que o que podemos imaginar, será que vão correr o risco de cair numa proposta de experimento humano? Isso seria disruptivo, mas demasiado desafiante. O único momento em que as expectativas saem de acordo com o esperado acontece na última cena, com revelação da vilã, a mente por detrás dos jogos. É aqui dá-se uma verdadeira epifania da nostalgia, porque é uma personagem que parece ter sido retirada de um desenho animado da nossa infância, da roupa até à posição das mãos, quem é que não recuou anos quando viu uma representação de uma figura malévola de Sailor Moon naquela personagem desde o primeiro minuto dela em tela? Esta é uma daquelas histórias que a Netflix não pode mesmo cancelar, até porque quem é que não ficou com vontade de devorar os mangás para descobrir o que é esta fase dois? Certo é que nunca mais vamos olhar para um baralho de cartas da mesma forma.