Miúdos que Já São Graúdos - Pedro Moldão
Começas a tua carreira como ator em “Os
Batanetes”, uma das séries de humor mais populares de sempre na televisão
portuguesa. Como recordas esta primeira experiência? Ainda hoje és abordado por
este projeto?
Quando me
recordo desses tempos lembro-me principalmente de estar entre família,
figurativamente e também literalmente, visto que o meu irmão também participava.
Quinta-feira de tarde e sábado, para não perder nenhuma aula, ia passar um dia
de diversão e aprendizagem, sempre. Como primeira experiência não podia estar
num melhor sitio. Era muito bem acompanhado tanto pelos atores, como pela equipa
e até família. Foi um choque todo aquele sucesso e principalmente o aprender a
lidar com o reconhecimento na rua, na escola principalmente. Mas penso que fui
sempre bem encaminhado e que soube gerir bem.
Hoje em dia
existe principalmente um “eu conheço-te de algum lado, és de Sintra?”. Mas é
engraçado que me reconhecem mais vezes por um projeto que fiz quando tinha 10
anos do que por um projeto que tenha feito nos últimos anos.
Na altura, contracenaste com grandes nomes da ficção nacional: Rita Ribeiro, Vitor de Sousa, Inês Castel-Branco, Anita Guerreira ou Leonor Alcácer são apenas alguns dos exemplos. Que importância tiveram estes colegas de elenco, quer a nível pessoal, quer profissional?
Estar rodeado de pessoas com tanta experiência e vivências só poderia ser algo incrível. Eu era o “puto” da família e era apadrinhado por cada um deles de maneira diferente. Havia mesmo uma sensação de “família” e uma preocupação que ia para além do profissional. Foi bastante tempo de gravações, e numa fase de crescimento que é a pré-adolescência foi muito importante ter pessoas ao meu lado que se preocupavam. A nível profissional, fui obrigado a adaptar-me. Eu vinha do zero e eles estavam no topo. Tanto a nível de representação como o saber estar num decor, foram eles que me ensinaram muito do que sei agora com 26 anos.
Depois desta série, participaste em alguns
formatos infanto-juvenis, como é o caso de “Chiquititas”, “Floribella” e
“Detective Maravilha”, este último protagonizado por ti. Todos eles tiveram
impacto junto do público mais novo. Achas que fazem faltam formatos do género
atualmente, em Portugal?
Penso que
existe uma altura para tudo e que talvez esses formatos hoje em dia teriam que
ser adaptados. Não estão a ser feitos e as pessoas que escolhem os projetos
devem saber o que estão a fazer. As crianças de 13 anos já não são iguais aos
meus 13 anos. Já não estão tão ligados à televisão, mas sim à internet, ao
youtube, aos jogos. O público-alvo das estações já não é essa faixa etária. Mas
certamente que com as devidas adaptações, seria algo interessante a fazer, até
porque a ideia de “escola de televisão” que eram os “Morangos”, por exemplo, já
não existe. Oportunidades para malta jovem e não conhecida do público é muito
reduzida em comparação ao que era há 10 anos atrás.
Integraste também o elenco de “Windeck”,
gravado parcialmente em Angola. Como encaraste este desafio, que fez também
bastante sucesso em Portugal?
“Windeck”
foi um dos projetos televisivos que mais gosto me deu a fazer. A oportunidade
de viajar, ainda por cima para um novo continente, enquanto trabalho é uma
ideia que me fascina. O melhor foi sem dúvida conhecer uma cultura muito
diferente, mesmo que de base lusófona. Não sabia bem o que esperar como ator. A
equipa técnica era principalmente portuguesa, mas não sabia como seria a
receção dos atores português por parte do povo angolano. Felizmente foi um
enorme sucesso em Angola, Portugal e também outros países para onde foi vendida
a novela como Brasil, Jamaica, etc.
Em televisão, os teus últimos grandes
papéis foram em “I Love It”, “Massa Fresca” e “Água de Mar”. Numa altura em que
as séries têm vindo a ganhar destaque em Portugal, em que tipo de projeto
gostarias de participar com um grande papel? Achas que o formato série vai
conseguir destacar-se em relação às telenovelas?
Neste
momento, em televisão, gostaria de trabalhar numa série ou minissérie. Isto
porque existe mais tempo para fazer algo mais reduzido. Isso dá espaço para
explorar mais a personagem e tentar procurar algo que as novelas às vezes, por
ser um ritmo alucinante, não nos deixam encontrar, ou tornam mais complicado
encontrar. Sonhamos sempre em participar num projeto inovador a nível de
escrita, realização, formato, representação e que seja um sucesso. Não consigo
pensar num tipo de projeto especifico, ou temática especifica. Todo o tipo de
projeto pode ser muito gratificante. Principalmente nestes tempos, qualquer
projeto é uma bênção.
Como tem sido provado, cada vez mais, as gerações mais novas consomem mais series do que novelas. Mas o formato de novela ainda tem muito para dar. Acho sinceramente que as series poderão vir a destacar-se, até porque já se anda a chamar série a novelas, mas isso só acontecerá daqui a alguns anos. Acho que antes disso as novelas vão adaptar-se, como já está a acontecer.
O sreaming está também a ser uma aposta cada vez mais forte – para além de estarem a ser preparadas as primeiras produções de ficção para a Netflix em Portugal, a RTP Play tem investido também em conteúdos inéditos e a SIC estreia em novembro a plataforma OPTO SIC. Achas que a forma de consumir televisão vai mudar? Como vês este tipo de apostas?
Estamos na
fase de mudança, a tecnologia está a ganhar cada vez mais terreno e o streaming
teve um crescimento brutal em relação à televisão. O que não tem mal nenhum,
pelo contrário. Existe mais mercado e mais oportunidade para fazer coisas que a
televisão não permite. O facto de Portugal estar, finalmente, a seguir esta
tendência faz com que cheguemos a mais tipos de público, que surjam mais
projetos e que cheguemos a um mercado fora de Portugal. Acho que, nessa área,
estão a chegar anos de mudança positiva a Portugal.
Apostaste na tua formação enquanto ator,
não só na Escola Superior de Teatro e Cinema mas também noutros países, como os
EUA e o Reino Unido. Que importância atribuis à formação de um ator? E sentes
que a formação fora do nosso país foi crucial para a tua aprendizagem?
Existe
sempre este dilema em relação à importância da formação artística. A minha
opinião é que é sem duvida essencial, e foi a melhor coisa que eu poderia ter
feito. Acredito, obviamente, que é possível ser ator sem formação, e temos
ótimos casos disso em Portugal. Mas se têm o talento, estudar, conhecer coisas
novas apenas trará novas aprendizagem e irá potenciar esse talento. É muito
importante enquanto artistas, estarmos em constante desafio, estudo e sede de
saber mais. Senão ficamos no mesmo sitio. E foi isso que senti antes de ir para
a ESTC, que precisava de saber mais. Este tipo de aprendizagem dificilmente
conseguimos sozinhos, precisamos sempre de alguém que nos guie por um caminho.
E podemos, por vezes, não nos identificar com esse caminho, procuramos outro. E
no final temos uma noção melhor por onde queremos ir, algo que dificilmente
temos sem formação. Em relação a ter feito workshops pontuais lá fora penso que
valeu principalmente pela parte cultural e pessoal. Existe uma ideia de que
“estudar lá fora” é algo incrível e que a formação lá fora é sempre melhor que
cá. É um mito que gostaria que um dia deixasse de existir. É claro que as
melhores escolas do mundo se encontram nos EUA, Inglaterra, Alemanha, mas
grande parte das escolas destes países não têm qualidade pedagógica ou
artística. Essas escolas são as escolas de mais fácil acesso. Mas estas escolas
não conseguem rivalizar com as de difícil acesso que muitos poucos conseguem
entrar, principalmente estrangeiros. O estudo lá fora conta muito pela
experiência de sair da zona de conforto, mas a nível pedagógico tem que ser
muito bem escolhido.
No cinema, pudemos ver-te em algumas
curtas-metragens e na longa-metragem “Soldado Milhões”. Em 2020, estreia “Bem
Bom”, onde terás uma participação especial. Gostavas de fazer mais cinema? Se
te pedíssemos para indicar um género e um realizador preferidos, em Portugal,
com quem pudesses trabalhar, quais seriam?
Ainda não
tive muita oportunidade de trabalhar em cinema e é sem dúvida alguma um dos
meus objetivos. É difícil dizer com quem gostava de trabalhar neste momento
porque existem tantos géneros, mas talvez, se tivesse que dizer um nome, Marco
Martins.
Estás neste momento em cena com a peça
“Última Hora”, no Teatro Nacional D. Maria II. Como encaraste este desafio?
O convite para fazer o “Última Hora”, surge logo depois de estagiar como ator durante um ano neste mesmo teatro. Após um estágio ficamos sempre desamparados sem saber bem o que vamos fazer depois, mas, felizmente, surgiu este convite por parte do Gonçalo Amorim e do Tiago Rodrigues. Esta peça, uma comédia, vem contrastar com tudo o que tinha feito no último ano, o que se traduziu numa ótima experiencia. Trabalhar com Miguel Guilherme, Maria Ruef, o elenco residente do teatro, e o novo elenco estagiário, sob a direção da equipa do Teatro Experimental do Porto, é sem dúvida uma honra. Muitas experiencias e pessoas diferentes. E conseguir estar um mês e meio durante uma pandemia foi uma bênção.
O teatro assume uma importância muito
grande na tua carreira, uma vez que já interpretaste mais de uma dezena de
personagens nos palcos, ao longo dos últimos anos. Como vês o atual estado do
teatro – e da cultura, no seu todo – no nosso país, sobretudo com as
consequências desta pandemia?
Penso que em
tempos de crise um dos setores mais afetados é o da cultura, claro que a
restauração e o turismo também. A cultura é vista como um luxo e não como uma
necessidade. Neste momento entre televisão, teatro e cinema, o teatro é o mais
frágil. Por não haver apoios, por não haver estabilidade, por não haver
oportunidades. Um jovem sai da escola de teatro sem rumo e possibilidades. Agora
em pandemia os espetáculos são cancelados, adiados, reduzidos. Jovens e
veteranos artistas são obrigados a procurar trabalhos fora da área para pagar
contas, enquanto fazem criações à noite sem qualquer apoio. Trabalhamos a
recibos verdes para o resto da vida. De 3 em 3 meses não sabemos o que vamos
fazer depois. Passamos temporadas sem conseguir trabalhar na área. Artistas com
boa formação e muito talento passam vidas sem conseguir trabalhar. Muitas vezes
recebemos “à bilheteira”. E como é que o estado nos vê? Como um luxo. Um luxo
descartável que não é uma prioridade. Estamos muito atrasados em relação ao
resto da Europa. Os artistas de teatro em Portugal sobrevivem, não vivem.
Para além de ator, és ainda músico e integras
a banda “HERA”. De que forma descreves este projeto? E como é que ele surgiu na
tua vida?
Este grupo
de pessoas foi das maiores surpresas nos últimos anos. Eram meus colegas na
ESTC, também atores. Sinto que houve uma conexão natural que nos juntou para
formar esta banda. E isso mostra-se na maneira como fazemos musica, é tudo
muito natural e, esperamos, sincero. Fazemos músicas originais, em português,
não sabemos ainda definir o género. Temos 2 músicas já gravadas e no Spotify, Youtube, etc. Mas neste momento estamos a gravar o nosso primeiro EP que
esperamos que saia o mais rapidamente possível.
Se tivesses de referir as tuas maiores
influências a nível artístico e pessoal, quais seriam?
A nível pessoal sem dúvida a minha família e a Sofia Espirito Santo, a pessoa que me apresentou ao mundo da representação. A nível artístico começaram por ser artistas de cinema que admirava como Marlon Brando, Daniel Day-Lewis. Agora influenciam-me também professores, colegas, como João Grosso.
Quais são os teus objetivos para o teu
futuro profissional? E o que te imaginas
a fazer daqui a 10 anos?
Quero
principalmente encontrar uma espécie de estabilidade e progressão. Gostaria
muito de conseguir continuar a trabalhar em todas as áreas da representação,
principalmente teatro. Em relação à banda consigo imaginar-nos a conseguir
gravar mais álbuns e a termos espaço no mundo da música portuguesa para
mostrarmos o nosso trabalho.
Para ti, quais são as grandes diferenças
entre o Pedro que conhecemos em “miúdo” e o adulto de hoje?
Claro que
sim. Tirando a altura, os 4 cabelos brancos, a carta de condução e mais
quilometragem nos sapatos, acho que principalmente existe uma certeza do
caminho que quero seguir. Continua a vontade e a curiosidade.
Miúdos que já São Graúdos
com Pedro Moldão
Novembro de 2020
Comente esta notícia