Entrevista DOP - Gabh Diniz
Gabh Diniz é bailarino, professor e coreógrafo brasileiro radicado em Portugal. Na segunda edição desta iniciativa entre Fantastic - Mais do que Televisão e o projecto Dança Oriental Portugal, o artista falou connosco sobre as razões que o fizeram vir viver e trabalhar para Portugal, sobre o que mais gosta no nosso país, a experiência de participar no Mercado Persa, o maior festival de Dança Oriental do Brasil, sobre a importância e gosto pelo Folclore Árabe, entre outros temas.
1. Em 2018, deixaste a tua vida no Brasil para vires para Portugal. Quais foram as razões que te fizeram vir para cá?
Sabe aquelas coisas tipo… “A HORA É AGORA!”. Se não o faço agora, não faço mais? Não existia uma razão específica, eu tive essa ideia de repente e queria colocá-la em prática, viver uma aventura.
Claro que alguns fatores como idade, ser jovem e sem muita estabilidade, a necessidade de viver novas experiências e arriscar-se, influenciaram minha decisão . Eu sentia que poderia criar raízes de vez se ficasse no Brasil, poderia me estabilizar profissionalmente, por exemplo, mas ao mesmo tempo eu precisava buscar o meu crescimento pessoal, precisava de novos objetivos, criar uma nova meta, um novo sonho e viver esse sonho.
2. Como foi a tua adaptação ao país?
Foi muito tranquila e natural: a sensação era que nasci aqui e me levaram embora, haha! Os primeiros meses foram tantos afazeres e novidades que confesso não deu tempo para pensar no que ficou para trás. Fiz muitas amizades, muitos contactos, conheci pessoas maravilhosas que sempre estiveram dispostas a partilhar.
Para me adaptar eu observei muito os costumes, analisava as pessoas e a forma na qual elas viviam e se portavam, estive muito aberto para mudar e hoje morando fora há quase 3 anos, posso dizer que me sinto completamente em casa.
3. O que mais gostas em Lisboa e em Portugal, no geral?
Lisboa é definitivamente uma cidade visual. Todos os lugares para onde você olha existe algum detalhe, uma cor diferente (é mesmo colorida), algo especial e bonito.
E Portugal no geral traz consigo uma riqueza cultural imensa, uma delas que eu não só gosto, EU AMO! É a música... o fado (até suspiro).
Nós artistas da dança temos uma sensibilidade musical diferenciada, e ao ouvir o fado eu particularmente transcendo! O fado foi um presente e uma descoberta de minha vivência cá.
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4. Tens formação em Técnica de Dança e Ballet Clássico. Como descobriste a Dança Oriental?
Tudo começou em 2004 quando minha tia (em memória) me levou para a escola onde fazia aulas de Dança do Ventre, para apenas acompanhá-la e esperar na receção. Era tudo proposital, pois no mesmo horário havia aulas do grupo masculino de Dabke, e o professor veio me convidar para participar. Eu, sem graça de dizer não, acabei por ir. Resultado? Odiei! Pensava: “- Que dança estranha!” (coisas de adolescente).
Por insistência da minha tia, na outra semana estava lá, e assim fui ficando. Eu digo que eu não descobri a Dança Oriental, ela é que me encontrou e me obrigou (risos), eu aceitei e fomos nos conhecendo aos poucos, até formar uma forte ligação de amor.
A Dança Oriental me fez descobrir a base essencial de um bailarino, que é a paixão por dança e por arte, então a partir daí me despertei para o crescimento artístico e fui à procura de mais estudos e conhecimentos. Em 2015 me formei técnico em dança pela ETEC - Artes no curso Dança e em paralelo com as aulas no curso livre de Ballet Clássico no Teatro Municipal de São Paulo.
5. Em que medida esta tua formação influencia o teu trabalho na Dança Oriental?
Influência total! Ter buscado estudos e conhecimentos fora do mundo oriental foi uma verdadeira transformação. A Dança Oriental foi essencial para me descobrir artisticamente e ter essa vontade de estudar dança e suas diversas vertentes, mas minha formação me fez conhecer o corpo, sua expressividade e a partir disso eu repensei e renovei toda a minha identidade corporal na Dança Oriental. Nessa altura já dava aulas, mas ao decorrer do curso eu me transformava também em sala de aula e reconhecia o verdadeiro sentido e função de ser professor.
6. És bicampeão na categoria Solo Masculino no maior festival de Dança Oriental do Brasil, o Mercado Persa. Como foi a experiência de participar e vencer um concurso num festival desta envergadura?
Uma experiência de facto marcante na minha historia de dança. No meu primeiro ano de participação eu obtive a 2º colocação, a repercussão foi muito grande pois eu vivia em outro estado do Brasil e ninguém conhecia meu trabalho. Nesse dia no evento muitas pessoas me abordavam e queriam saber quem eu era, e eu fui sem nenhuma pretensão pois queria mesmo era conhecer o evento. Eu era muito novo e inseguro, longe de mim pensar em classificação, mas foi o ano da minha aparição no meio do mundo Belly Dance. No ano seguinte foi quando obtive a primeira colocação, já fui mais focado em resultado e me preparei melhor, foi um ano em que muitos profissionais diziam que eu era o bailarino revelação e ouvir isso enchia meu coração e me dava certeza que estava no caminho certo. No terceiro e último ano em concurso eu hesitei por um momento quanto à minha participação, pois já havia conseguido a primeira colocação na categoria e para mim já não havia muito sentido, porém eu queria apenas dançar (risos) e não existia outra categoria. Foi um ano em que surgiram muitos meninos na dança e havia muitos candidatos, participei mesmo para mostrar minha dança e foi uma grande surpresa a primeira colocação outra vez! Considero o ano do meu reconhecimento profissional.
Mercado Persa é a vitrine da Dança Oriental no Brasil, ele contribuiu muito na minha história de dança e me fez ser reconhecido no Brasil de forma significativa.
7. Podes falar-nos um pouco sobre o teu método de ensino?
Meu método de ensino resume-se em minha formação no curso em dança, através dele eu obtive diversos embasamentos para a sala de aula pois na Dança Oriental (Dança do Ventre) eu nunca tive uma professora, o que talvez poderia me facilitar no conhecimento de um método de ensino e poder segui-lo.
Como foi dito anteriormente, meu curso me fez perceber a linguagem da dança, eu tive um contacto muito forte com Dança Contemporânea, Dança Noderna, expressões corporais e estudo do movimento, foi de extrema importância para o meu desenvolvimento como professor e na criação de toda minha estrutura de ensino.
Eu acredito no “desconstruir para construir” e daqui parte o princípio de experimento... mexa-se, mova-se... veja o que seu corpo é capaz de fazer. Quem já foi minha aluna sabe das minhas famosas frases (risos): “Faz aí! Não sei como faz! Se Joga!”.
A base do meu método é se desprender de um código de movimentos, e em primeiro momento também da técnica, ir pelo “caminho inverso”. Foi desafiante criar um método dentro da Dança Oriental, pois é uma dança que já possui seu código.
O método Gabh Diniz é liberdade, experimento, presença de corpo/movimento, é essência árabe. Assista uma bailarina dos vídeos em preto e branco e perceba sua linguagem e expressão corporal... é natural, flui, sem pretensões e preocupações.
8. És dos poucos profissionais masculinos de Dança Oriental em Portugal. Como é que as pessoas reagem ao ver um homem a fazer esta dança, nos vários países onde já dançaste?
Eu sempre tive um retorno positivo do público em geral, sempre são olhares de surpresa do tipo: um homem? Nunca vi antes! Olhares de atenção à espera do que irei fazer. Eu sempre tento analisar e sentir a vibe do ambiente e das pessoas para qual irei me apresentar, isso ajuda muito no equilíbrio da energia que devo manter. A minha missão sempre é convencer que sou um artista e arte não tem sexo. Por ser homem é fato que no olhar do outro homem sempre pode haver uma certa “rejeição” ou talvez o preconceito, mas esse se sofri não senti. Em minhas diversas experiências eu sempre tive retornos positivos e abordagens para elogios – aquele elogio às vezes sem querer perder a masculinidade frágil, mas sim um elogio verdadeiro. Com o público feminino não há crises (risos), já sabem! As mulheres são incríveis, trocam energia, são abertas e divertidas.
9. O que achas que se pode fazer para que haja mais homens a praticar esta dança em Portugal?
Ainda vivemos em um mundo que "SIM! Homem NÃO dança”. A verdade é que vai depender muito de qual é o estilo de dança a ser praticado, não só em Portugal mas como dito no mundo. Para um homem dançar é necessário que seja “dança de homem” (dança viril, masculina, forte) para uma maior aceitação. Quando falamos de Dança Oriental vamos associar à Dança do Ventre e logo a dedução é feita - Dança para Mulher, eu digo isso a pensar em um cenário homem hetero, porque a orientação sexual influencia muito nisso - caso não seja essa a situação, a aceitação é complemente diferente.
Para os dois casos eu acredito que uma maior divulgação e apresentação das diversas vertentes que a Dança Oriental possui, melhoraria a visão e o conhecimento das pessoas. Para os homens que são abertos artisticamente apresento o Dabke (viril “masculino” e forte). Conhecer o Dabke seria um ótimo início.
10. Um dos teus focos de trabalho é o Folclore Árabe. Podes falar-nos um pouco sobre como surgiu este interesse e qual a importância que o Folclore tem para um bailarino de Dança Oriental?
O folclore veio em primeiro lugar nessa história toda, sem nenhum interesse da minha parte, e cheio de pré-conceitos que no meu caso, surgiram por não conhecer nada sobre dança árabe. O que acontece muito no mundo Belly Dance hoje, é que algumas das novas formações vêm com uma base muito rasa de folclore, não se vê muito interesse e bastante pré-conceito aos estudos. Hoje vejo o quão importante foi ter conhecido o folk primeiro e não o caminho inverso. Quando se trata de folclore eu crio uma linha de raciocínio (Historia ---» Tradição ----» Essência) que no meu ver, independentemente do quão moderna seja a dança e sua rápida evolução, essa essência oriental árabe que se adquire ao estudar folclore é importantíssima para um bailarino (a) de Dança Oriental. Estudem o básico de cada folclore árabe.
11. Já trabalhaste no Brasil, Suíça e Portugal. Podes falar-nos sobre as maiores diferenças entre o mercado de Dança Oriental em cada um destes países?
Tudo se inicia pelo tamanho do mercado, estamos a falar de um país com extensão territorial gigante que é o Brasil e países menores como Portugal, Suíça e restantes países na Europa no geral. Com esse fator, a quantidade de oferta de escolas, aulas, shows e bailarinas no geral já é uma grande diferença e uma coisa liga a outra, logo temos a quantidade de pessoas que praticam a Dança Oriental e fazem “o consumo” de tudo que ela oferece, como exemplo festivais, que é bem menor.
Ao meu ver, isso não é um fator negativo ou de muita diferença pois também temos que considerar a proporção. O que sinto mesmo como diferença é a questão de consumo cultural: o Brasil é um pais de um povo dançante e isso já influencia significativamente em aceitação. Já na Europa por exemplo, ao meu ver, a Espanha foge um pouco desse cenário: é um pais dançante e logo se tem maior procura na Dança Oriental.
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12. Como bailarino que já concorreu e professor que já teve alunos em competições, qual é a tua opinião sobre os concursos nos festivais de Dança Oriental?
Eu Gabh sempre tive a mesma opinião sendo um bailarino a competir e sendo o professor que orienta a aluna a estar em uma competição. A primeira coisa que devemos nos perguntar é “Vou competir com quem e para quê?". O concurso deve ser algo a ser usado a favor do seu aumento de produtividade, desenvolvimento de processo criativo, fortalecimento de autoconfiança em cena, e não como uma guerra para saber quem é o melhor. É muito complicado dar uma opinião sobre um festival que possui concursos, pois sempre teremos júris com pensamentos e gostos distintos, uma ideia fixe é que os festivais sempre tentem organizar uma forma de avaliação geral para que o júri entre em harmonia, e para que essa harmonia seja completa, precisamos de participantes que não vão somente em busca de premiação e sim de se desafiar. Se vier a premiação maravilha! Caso seja contrário também está tudo bem.
13. Qual a tua visão sobre a Dança Oriental portuguesa? E o que achas que se pode fazer para a Dança Oriental se desenvolver mais em Portugal?
Desde que cheguei cá e iniciei meu trabalho em sala de aula, e também conheci o mundo Belly Dance português de alunas e profissionais, formei uma opinião que mantenho até hoje. Ao meu ver, a Dança Oriental cá em Portugal é um progresso e ele precisa se manter constante. Vejo muitas alunas talentosas e profissionais com grande potencial artístico. Eu sinto que é necessário um empenho maior para elevar o nível técnico e o nível artístico e para isso mais estudos, muita sala de aula e paciência. Buscar outras vertentes de dança para complementar a construção artística também é essencial.
14. Que dicas dás às bailarinas que estão a surgir e que querem seguir a Dança Oriental de forma profissional?
Tenham sede de conhecimento, não se contentem com o que sabem dançar agora, pois a dança evolui e é um estudo constante. E mesmo quando for a melhor profissional ESTUDE OUTRA VEZ, frequente as aulas da sua professora (o), mas se puder faça o estudo paralelo com outros profissionais, aproveite os festivais para realizar diversos workshops, dance não só em sala de aula, dance no seu quarto, escute musica oriental no metro (risos). E seja humilde!
15. Se te pedisse para nomeares um livro, uma peça de dança e uma música que aches que toda a gente precise de ler, ver e ouvir, quais seriam? E porque é que os escolherias?
Eu nomeio o livro Domínio do Movimento, de Rudolf Laban. Eu o escolho pois neste livro o autor desenvolveu um método de explicação e análise do movimento utilizável a todas as atividades humanas. Um dos temas centrais de Laban é o entendimento da relação recíproca entre mente e corpo, e existe um direcionamento para que o praticante aprenda a "pensar em termos de movimento". Estudar Laban de inicio pode ser um bocado complexo, porém neste livro ele usa apenas alguns conceitos chaves que podem ajudar o leitor (dançarino) desde o nível iniciante. Laban é uma das minhas fontes referenciais como bailarino e professor.
Como filme quero nomear Whatever Lola Wants.
Lola vive em Nova Iorque, onde trabalha no correio. Ela sonha em se tornar dançarina. Seu amigo Youssouf lhe fará descobrir a história de Ismahan, uma lendária dançarina egípcia. A partir de então o projeto de vida de Lola é tornar-se uma bailaria tão fascinante quanto Ismahan.
Ao meu ver esse filme se destaca na forma de como se dá o aprendizado da dança oriental e ele vai de encontro com minha forma de pensar dança. A sua mestra em uma cena incrível lhe diz :
“Eu não posso te ensinar a ser você mesma… Use tudo o que está vivendo… Não fuja dos seus sentimentos… Mostre-me seu interior…”
O filme mostra uma dança que deve ecoar no nosso corpo e no princípio sem muitas pretensões, com naturalidade e pureza, é mesmo lindo de ver a dança e toda sua evolução durante o filme.
O filme também traz um aspecto positivo à dança do ventre, mostrando que ela é praticada com profissionalismo e amor , sem o característico olhar cheio de pudores e mal dizeres dos filmes em geral, sem contar que se trata de um filme empolgante, com uma ótima trilha sonora e um toque de humor incrível.
Ao falar de música, acho que todos nós que fazemos parte do meio Dança Oriental Árabe devemos ter na playlist as composições do musico Setrak Sarkissian, que tem músicas tradicionais árabes com uma rica composição instrumental. Elas fazem-nos aflorar os ouvidos e enriquecer nossa dança com leitura musical. Bailarina boa é aquela que domina musicas antigas (risos).
A verdade é que sempre pensamos que por não ser um musica super atual, julgamos que seja "chata", mas suas musicas nunca perdem aquela grande energia de uma entrada triunfal ou uma forte percussão. Ouçam!!! é necessário tomar esse gosto para nossos estudos.
Setrak é um musico libanês que já ganhou inúmeros prêmios no Oriente Médio e na Europa por suas contribuições para a música tradicional e moderna árabe. Suas composições e arranjos têm sido destaque em mais de 30 gravações e trilhas sonoras de filmes. Setrak já tocou para bailarinas como Nadia Gamal, Tahiya Carioka, Samia Gamal, Fifi Abdou, Nagwa Fouad, Souher Zaki e Amani.
17. Quais são os teus próximos projetos e objetivos profissionais?
A resposta para essa pergunta seria mais objetiva e assertiva há alguns meses atrás (risos).
Na atualidade e realidade que estamos a viver com o COVID-19, tudo fica meio que incerto, mas claro que isso não impede de planejar algo. Digo isso porque estamos em uma fase que dependemos muito da vida económica do pais e do mundo, logo muitos trabalhos de shows, participação em festivais, viagens que é o que sempre pretendo estar em atividadem fica sem efeito e objetivos como planejar novos cursos, e o trabalho com aulas presenciais fica mais instável. Mas sejamos otimistas todos nós artistas para superar esse momento, pois isso não nos impede de seguir. Portanto sigo cá em Portugal com minhas aulas regulares no momento a sentir como tudo será nos próximos meses.
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