Fantastic Entrevista - Anna Eremin
Nasceste na Rússia. Como e porque é que vieste para Portugal?
Por amor, claro. O meu pai (pianista) foi convidado para trabalhar aqui na altura (1993/1994) e a minha mãe veio atrás. Comigo.
Sentes que o facto de teres mudado de país tão nova foi determinante para a mulher e atriz em que te tornaste?
Acredito que sim.
Acho que tudo o que vivemos acaba por ser a nossa bagagem como Seres Humanos e,
por consequência, actores. Tive esta sorte de carregar duas Histórias em vez de
uma.
Em que momento sentiste que o que querias realmente fazer era representar?
Sabia desde sempre que queria estar em bastidores. Já
disse isto algures. É muito difícil crescer em bastidores sem te apaixonares
profundamente. Não sabia a fazer o quê. Era uma criança muito solitária. Lia
muito, pintava, via muitos filmes... mas só quando eu percebi que a arte
teatral se ensinava é que disse para mim “é mesmo isto!”
Apostaste na tua formação enquanto atriz, na Escola Profissional de Teatro de Cascais e na ACT. Que importância achas que a formação tem no teu trabalho?
É complexo. Eu acredito que o papel principal da formação
é ensinar a falhar. A falhar melhor, como dizia Beckett. É ensinar a ter a
sensação de respeito pela profissão, pelos teus colegas e por ti próprio. É o
lugar onde podes experimentar e falhar. Até te encontrares.
Consideras que o palco é o local privilegiado na formação e na carreira de um ator?
Sim, acho. Porque, regra geral, existe um respeito pelo palco. Carrega a energia dos Grandes que o pisaram antes de nós. Contudo, acho que o verdadeiro privilégio são as pessoas que passamos a considerar Mestres e que nos aceitam como seus discípulos, se é que me faço entender. O verdadeiro privilégio é aprendermos com os outros.
Passaste do palco do Teatro dos Alóes para os grandes ecrãs televisivos, na telenovela "Jardins Proibidos", "Santa Bárbara" e outros projetos que integraste. Isso exigiu mudanças em ti enquanto profissional?
Não sei se mudei enquanto profissional. Sei que aprendi
muito. Vinha muito assustada e muito caída de pára-quedas. Não seguia a ficção
nacional nem nunca tinha planeado trabalhar nela. Deram-me uma personagem que
amei (a Carol) e tive que aprender tudo o que pude sobre televisão e como se
fazia. E apaixonei-me por esse mundo também.
Como é o processo de construção de uma personagem? Tens mais dificuldade em criá-la ou a despedires-te dela?
Despedir-me dela, sem dúvida. A construção não acaba
nunca, eu acho. Até ao último dia. Ela vive comigo e eu com ela e, de repente,
fico sozinha. Esta efemeridade dói. Diziam que aliviava com os anos. Acho que
piora.
Em 2017, na telenovela da TVI “Jogo Duplo”, protagonizaste algumas cenas lésbicas com a contracena da Jani Zhao. Achas que a forma como se abordou este núcleo na história foi importante? Sentiste o impacto que esta personagem teve junto do público?
Confesso que nem eu, nem a Jani, nem os nossos realizadores, na altura em que filmámos as primeiras cenas, estávamos a pensar na importância destas. Queríamos muito contar uma história de amor “proibido” entre duas mulheres fortes, que fosse real. Talvez precisamente por isso, tiveram o impacto que tiveram. Eu, na altura, não fazia ideia do quão a homofobia ainda estava presente na nossa sociedade. Não conseguia imaginar sequer a dificuldade que uma pessoa pode ter de assumir as suas escolhas. Foi muito gratificante ter esse papel.
Achas que as telenovelas têm um papel para além do entretenimento? Ou consideras que a educação e a formação em relação a determinados temas deve ser feita noutros formatos?
Não sei se consigo
compreender exactamente a pergunta. Acho que tudo o que fazemos em ficção e na
vida deve refletir uma opinião nossa. Uma opinião ativa sobre a sociedade. Qual
é o interesse de fazer por fazer? Quanto mais real for, quanto mais verdadeiro,
mais compreensão terá por parte do público. Logo, provoca a reflexão sobre.
(Estou a complicar muito?)
Integraste o elenco de “Quer o Destino” a meio da produção. Como correu a experiência? O que é que ainda podemos esperar da Madalena em “Quer o Destino”?
A experiência (infelizmente) já terminou e resta-me
agradecer ao meu destino por este presente. Porque foi realmente um presente.
Nunca vi uma equipa tão unida, tão generosa, com tanto amor e entrega como
esta. Nunca vi tanta criatividade na realização e na direção de atores. Foi uma
viagem muito especial. Verdadeiramente especial. Atravessámos uma pandemia,
atravessámos momentos duros juntos e ficámos ainda mais unidos. Quanto à
Madalena... ela tem vindo a amadurecer. E vai confrontar-se com ela própria,
com os seus medos. Veremos como corre.
Integraste o projeto “Chamadas para a Quarentena”, uma série inovadora. O projeto passou do digital para a televisão, sendo emitido pela RTP com o nome “O Mundo não Acaba Assim”. Como foi fazer parte deste produto gravado inteiramente à distância, durante a quarentena?
Foi uma honra, um prazer e um alívio. Foi sentir realmente que, enquanto estivermos unidos, enquanto houver criatividade, enquanto houverem loucos que sonham, o Mundo não vai acabar. Seja como for, onde for.
No cinema, já pudemos ver-te, por exemplo, na curta-metragem “Red Queen”, que já foi exibida em vários festivais e foi distinguida pela sua qualidade.Foste, inclusivamente, nomeada na categoria Revelação dos Prémios Fantastic 2019. Como recordas este projeto?
Com o maior carinho. Demorei quatro anos a ver o resultado final de uma coisa que nem sabia exatamente como ia ficar (o processo foi muito diferente - não tínhamos um guião. Tínhamos pistas, como se estivéssemos a jogar um jogo de improvisação). Para alem disso, partilhei plateau com a Adriana Moniz que conheço desde que tenho 12 anos, que me viu crescer, que eu vi crescer e pudemos, finalmente, brincar juntas.
Ser distinguida em premiações como esta é importante para ti? Em que sentido influencia (ou não) o teu trabalho de atriz?
Não sei como responder a isso. Sinceramente. Eu acredito
no trabalho de equipa, sempre. Gosto de amar as pessoas com quem trabalho.
Gosto de chegar a casa feliz no fim do dia ou no fim do ano. O reconhecimento é
bom… mas não é uma preocupação nem uma importância. Acho eu! Pelo menos, agora.
Usas algumas vezes o teu Instagram para falar sobre alguns temas importantes, como por exemplo a saúde mental. Sentes que os artistas, pela sua visibilidade, devem ter o cuidado de tentar mudar mentalidades e ser uma forma de alerta?
Talvez. Talvez sim, talvez não. Não é assim tão geral.
Quando falei, foi porque senti que o devia fazer. Ou que o queria fazer. Porque
naquele dia era certo para mim. E, espero eu, certo para quem leu. Ajudou-me a
mim e ajudou alguém. Acho que passa por isso. Por termos a consciência do que
estamos a fazer e como o fazemos e porquê. Seja no instagram ou num banco de
jardim. Se temos a possibilidade de ajudar alguém, então, qual é o direito que
temos de não o fazer?
Quais são as tuas maiores inspirações nacionais e internacionais?
Sherlock Holmes. Eu sei que é ficcional, mas admiro mesmo
a forma como ele se dedica ao que faz e quão genial é. (Sim, foi o meu livro de
cabeceira durante anos!). Na verdade, são tantos, tantos. Se disser que todos
os dias vejo alguém que me inspira, vou parecer muito zen e não quero :)
Se te voltássemos a entrevistar daqui a 10 anos, o que gostarias de estar a fazer nessa altura?
Estar sentada ao balcão do meu bar, a estudar uma
personagem incrível realizada por alguém que, mais que admirar, adoro, em
pré-produção do meu filme que irei realizar... mas, acima de tudo, acho que
quero estar tranquila, resolvida e feliz. E espero continuar a rir com gosto e
a chorar lágrimas gordas quando me emociono com alguma coisa.
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