Ana Mafalda premiada em 'Canção de Embalar': "Há alguns anos que não experienciava uma personagem tão desafiante"
Foto: Divulgação / Direitos Reservados |
Canção de Embalar marca a estreia de João Pedro Frazão como realizador e
tem acumulado, ao longo do último ano, vários prémios em festivais nacionais e internacionais.
Depois da estreia no Motelx 2019, o filme já passou por mais de uma dezena de
festivais, tendo vencido, até agora, 13 prémios e obtido 11 nomeações. Beatriz Frazão, José
Neto, Ana Mafalda, João Vicente, Alex Frazão e Cecília Hudec compõem o elenco
da curta-metragem. O Fantastic esteve à conversa com a atriz Ana Mafalda, que
recentemente viu o seu trabalho distinguido em Los Angeles (Califórnia).
A curta-metragem venceu cinco prémios na edição de setembro do festival IndieX
Film Fest, nomeadamente nas categorias de Melhor Cinematografia (Nuno Martini),
Melhor Design de Produção e Melhor Design de Guarda-Roupa (ambos atribuídos a
João Pedro Frazão), Melhor Criança ou Jovem Atriz (entregue a Beatriz Frazão) e
ainda Melhor Atriz Secundária, prémio que distinguiu Ana Mafalda. "Acho que estamos todos de parabéns, porque o percurso que o filme está a conseguir fazer pelo mundo em ciclos de festivais tem sido uma agradável surpresa, e o número de seleções neste âmbito tem sido uma constante. Há que ter em que conta que este é o primeiro filme que o Frazão escreve e realiza, o que ainda torna tudo mais genuíno e surpreendentemente maravilhoso", salienta a atriz, em declarações ao Fantastic.
"Todo este percurso que o Canção de Embalar tem feito nos festivais
é incrível, uma vez que se trata de cinema independente, feito com baixo
orçamento e porque as selecções nestes Festivais Internacionais são bastante exigentes, selectivas e renhidas, visto que acolhem produções originárias de toda a parte e não obedecem a quaisquer círculos viciados ou de interesse. É muito bom perceber e constatar que um filme feito em Portugal, onde se calhar não se abre tanto o espectro a sangue novo, tem a oportunidade de ser exibido nestes circuitos ao lado de grandes produções vindas de todo o mundo", considera Ana Mafalda.
Em relação à sua distinção no IndieX Film Fest, a intérprete confessa que
ficou "absolutamente surpreendida", uma vez que "estamos a falar
de festivais com atrizes de todo o mundo", o que aumenta ainda mais a
fasquia. "Só o facto de ser nomeada e de saber que, no meio de tantas atrizes, houve algo no meu trabalho que se destacou, já é uma conquista. Se depois disso, ainda fui premiada e ainda conseguimos vencer uma série de prémios em várias categorias, é absolutamente incrível e indescritível",",
explicou-nos.
O filme de suspense e terror conta a história de Madalena (Beatriz Frazão), uma criança silenciada pelas condições familiares em que vive com Piedade (Ana Mafalda), a madrasta que segue à risca a religião ditada pelo padre da paróquia enquanto um demónio anda à solta em busca de vingança. Fruto de uma relação extraconjugal, a menina cuida da madrasta que a culpa por toda a tragédia que ditou a morte do pai de Madalena.
"Há alguns anos que não tinha a oportunidade
de experienciar uma personagem cuja construção fosse tão desafiante, tanto a nível físico como psicológico. A Piedade é uma personagem que sofre uma transformação num hiato de doze anos, ou seja, passa por um processo físico e psicológico absolutamente traumático, devido à traição do António, interpretado pelo João Vicente, que é o meu marido e que se envolve com a nossa criada. Para além de ter sido traída, a Piedade passa ainda pelo nascimento de Madalena, uma bastarda que é fruto deste relacionamento extra-conjugal do António", contou a atriz ao Fantastic.
"A partir do momento em que a Piedade perde o marido num incêndio, a personagem transforma-se completamente e tudo acaba por se refletir e traduzir numa mulher profundamente amargurada e louca, que tem de aguentar todo este fardo de ter perdido o amor da sua vida e ainda ter de criar sozinha a criança bastarda", continua.
"Um dos grandes motivos que me levou a aceitar este desafio, prende-se com o facto do argumento e da minha personagem abordar temáticas sociais, como a infidelidade e a omissão da mesma (por estatuto e vergonha, perante uma sociedade profundamente conservadora) a influência do catolicismo nestes tempos, o lado devoto da igreja para o bem e para o mal (o fanatismo) ou a barreira entre o sagrado e o profano. O que me interessou no guião, acima de tudo, foi o facto de ele conter uma série de críticas sociais impressas por todo o filme, assim como a presença do elemento “fogo”, que persegue todo o filme e que se torna um fio condutor, uma espécie de "chama da vida" e de como esta pode perdurar no amor e no bem, ou na crueldade e na maldade. Tudo isto fez-me sair totalmente da minha zona de conforto, que é aquilo que eu gosto e pretendo enquanto atriz", explicou Ana Mafalda.
A caracterização da sua personagem, da responsabilidade de Cidália Espadinha, é também elogiada pela atriz. "A Piedade, em particular, foi bastante envelhecida, devido à tal passagem de tempo. Tive, inclusivamente, alguns amigos que viram a estreia do filme no MOTELX e não me reconheceram de imediato", conta-nos ainda a atriz. “Isto prova o quão maravilhoso foi o resultado do trabalho da Cidália e talvez também que a Piedade não contém nada de mim enquanto Ana Mafalda”, garante.
Apesar de confessar que o cinema de terror não é o seu estilo preferido, Ana Mafalda defende que o Motelx é o grande impulsionador do género em Portugal. "Eu sou uma cinéfila assumida, mas o terror não é, de todo, o meu género de preferência. Ainda assim, procuro não ser resistente e ver, sempre que posso, o que se está a fazer neste género. Isto acontece mais no âmbito de festivais, porque não costumo ir ao cinema para ir ver um filme de terror, uma vez que opto sempre por filmes mais reais e sociais, mais dramáticos e documentais", explica a artista ao Fantastic.
Para além dos prémios no IndieX Film Fest e das nomeações em festivais que aconteceram em Portugal, nos EUA, em Itália, Inglaterra e na Eslováquia, Canção de Embalar já venceu outros troféus em festivais como o New York Cinematography Awards (EUA), Berlin Flash Film Festival (Alemanha), European Cinematography Awards, Madeira Fantastic Film Fest (Portugal) e o Prague Internacional Montly Film Festival. Para Ana Mafalda, o circuito de festivais é "muito importante tanto para realizadores emergentes como para estabelecidos, assim como para todos os envolvidos, refiro-me às variadíssimas vertentes que abragem as equipas técnicas e claro está, para os atores. É uma visibilidade mais ampla!", considerando ainda que em Portugal "temos técnicos maravilhosos" que merecem cada vez mais estas distinções.
"Tendencialmente parece que os filmes nacionais acabam por ser mais valorizados lá fora do que no nosso próprio país, por vezes só depois é que Portugal lhe atribuí a devida atenção e importância e é uma pena que nesta área se continue a centrar o foco em lobbies. Recentemente temos o brilhante exemplo da Ana Rocha de Sousa, que ganhou vários prémios com o Listen, um feito que me deixou super feliz por ela, porque foi a sua primeira longa-metragem e se calhar se não tivesse tido esta distinção no estrangeiro, não seria tão bem acolhida e valorizada em Portugal (ainda que com apoio do ICA), porque continuamos com este olhar provinciano para o exterior, onde a maioria das vezes o estrangeiro é que dita o verdadeiro valor ou não de um artista em Portugal", conclui a atriz.
Ana Mafalda conta no seu currículo com mais de três dezenas de projetos em cinema, televisão e teatro. O seu primeiro trabalho no pequeno ecrã aconteceu na telenovela Grande Aposta, da RTP1, em 1997, mas a sua carreira começou alguns anos antes. A atriz estreou-se aos 14 anos a fazer teatro e, prestes a completar 44 anos de vida, celebra 30 anos de carreira em 2020. O regresso ao cinema acontecerá em breve, num projeto cujos pormenores ainda estão no segredo dos deuses. Garantida está ainda uma participação na telenovela Amar Demais, que poderá ser vista nos próximos dias, na TVI.
Comente esta notícia