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COMING UP | Warrior Nun



Comecemos pelo princípio para explicar que não, Warrior Nun não é uma série teenager. Os cartazes coloridos e a premissa simples até podem ter passado essa mensagem, mas não se comprova. E ainda bem que este foi um degrau acima das produções da CW! Tal como The Boys, da Amazon, a Netflix parece ter aproveitado o universo do streaming para desconstruir fórmulas pré-feitas e mostrar que mesmo em mundos em que reina o sobrenatural há margem de manobra para se criar diversidade. Warrior Nun é um exemplo em matéria de esforço, e segue a linha de The Umbrella Academy, quando falamos em adaptações de Banda Desenhada. Não é Marvel nem DC, mas tem um espaço de evolução alargado, que bem trabalhado pode caminhar por trilhos interessantes. É mais uma agradável surpresa da transposição dos quadrinhos para uma série, com bastante boa qualidade e uma história de origem que apesar de não ser uma pedrada no charco retira algumas infantilidades a que estamos habituados a assistir. Tem pequenos pontos contra, mas à partida estamos perante um novo sucesso da Netflix, e uma carreira internacional para Alba Baptista. É maratonável, interessante e sobretudo tem maturidade suficiente para nos prender. Há uma riqueza interessante no contexto apesar dos problemas de execução. Arestas que se podem limar depois de conquistar a audiência, o que está, aparentemente, a acontecer. Tudo isto é muito mais para ver nesta edição do Coming Up.

O argumento da nova série é feito numa ponte entre Red Sparrow e uma centelha de DaVinci Code. Toda a irmandade de freiras parece ter surgido a partir do conceito de espiões que nos foi apresentado em tramas como a de Red Sparrow, voltando a colocar no papel de maior poder as mulheres e mostrando novamente que também elas são capazes de dar duros golpes ou das habituais coreografias de luta que enchem os olhos de qualquer fã. A protagonista tem até a sua própria versão de Charlotte Rampling como professora, aparentemente, sem escrúpulos que parece ter gelo nas veias e despida de integridade e humanismo. Por outro lado, e apesar de utilizarmos como exemplo Red Sparrow, Ava assemelha-se muito mais a Lorraine de Atomic Blonde, numa versão inexperiente e juvenil, claro. O texto peca por não nos dar a possibilidade de ver mais destes treinos, mas o sneak peek lançado foi um ótimo isco para aquilo que é expectável que vejamos na segunda temporada. Por outro lado, e apesar de se tratar de uma trama de ficção científica há uma base da saga de Dan Brown que eleva o plot e o ajuda a chegar a diferentes níveis. Sabemos que o Vaticano é um poço infinito de mistérios, e isso atribui algum realismo dentro de drama que usa bastante o sobrenatural. A verdade é que há mais de um milhão de teorias sobre os segredos do centro do catolicismo, e isso ajuda a aumentar o nosso interesse porque é um mistério quase “palpável” aos olhos do público, é uma curiosidade sobre os eventos “reais” que desperta muito mais a nossa atenção, apesar do peso que deixa carimbado na série. 


Ter eventos reais como base de um storytelling de heróis não é novo, já o vimos tanto na banda desenhada como no cinema em Captain América: The First Avenger. Aqui até pode ser tudo trabalhado em cima de um subtexto de lendas urbanas, mas mesmo assim é algo relativamente próximo que nos atrai. O misticismo do Vaticano já foi explorado em várias obras, contudo, há uma linguagem que os Mangás têm que consegue fugir do óbvio, e tornar até o assunto mais debatido em algo refrescante. Temos o exemplo disso com a eterna dicotomia entre ciência e religião. Além do próprio Dan Brown, a CW também já nos apresentou umas boas centenas de explicações e alternativas para retratar o tema. Porém, com Warrior Nun, esse arco não aparenta cair nos habituais clichês e promete envolver muito mais os dois temas e até ter a ousadia de criar uma espécie de simbiose entre dois assuntos que são como água e azeite. Esta é uma jornada de fé. Todo o caminho da protagonista é baseado nisso, não numa religião em específico, apesar de ter o catolicismo como background, mas na vontade de acreditar em algo, numa força que a guie. No fundo é uma visão muito mais atual da forma como a maioria dos jovens e adultos vivem a sua religiosidade nos tempos atuais. À semelhança da Marvel, aqui há a vantagem de termos como figura central alguém que encaixe na sociedade, a narração dos pensamentos de Ava são um dos grandes acertos do projeto e aumentam a credibilidade e confiança que lhe damos. No fundo temos uma versão diferente, mas na mesma linha de Steve Rogers.

Numa trama que coloca a protagonista como o maior spotlight, Alba Baptista foi uma escolha acertada e muito próxima de excelente. Além de carismática, a atriz consegue dar alguma inocência que torna Ava muito mais credível. É a inocência e jovialidade que a fazem aguentar nas costas o peso desta primeira season. Não é um ponto negativo, aliás é até corajoso da parte dos autores saber ceder o espaço necessário para tornar a personagem principal em algo que realmente seja relacionável para com quem vê, que traga reações. É um trabalho que exige um bom casting, o que é o caso, pois todo o argumento acaba por depender da escolha da atriz que dará a cara. São poucas as cenas da série em que Ava não está presente, mas no futuro, em novas temporadas, este será um ponto chave para o percurso da história. Já temos o elemento central instituído e isso liberta espaço para que não haja a necessidade de justificar escolhas ou ações. Além de que é uma ajuda para que a segunda season consiga implementar outros núcleos de forma muito mais livre e desimpedida. Aqui vamos tendo várias figuras que orbitam em torno de Ava sem nunca sentirmos a falta de explicações adicionais. Não é o importante no momento, até porque a partir do episódio sete entendemos que daqui para a frente vai ser dado um contexto a Lilith, Camila, Mary e Beatrice. Desta vez, toda a narrativa gira em torno da escolha que o Halo fez e da aceitação que Ava tem de fazer a essa decisão. Por isso para quê desperdiçarmos frames com outros personagens, quando o importante é que nos conheçamos o que leva a protagonista a agir de uma determinada forma? Não é propriamente uma surpresa que Alba Baptista tenha roubado a contracena. Para quem acompanhou o trabalho da atriz em Filha da Lei já sabia o quão alto ela conseguia voar. Contudo, há que destacar que o trabalho no desenvolvimento de personagem na série da RTP aparenta ser muito mais exigente, por todos os arcos que representa enquanto Ava parece ter algumas inquietações, mas é uma adolescente sem grandes alterações emocionais. Há toda a questão de ter vivido a vida inteira dependente e presa a uma cama, mas não há um real impacto disso nesta ressurreição, pelo menos em termos de personalidade. Não estamos a simplificar o desenvolvimento de Warrior Nun, não. Simplesmente e apesar de ter uma grande responsabilidade enquanto centro da trama, Ava não é tão desafiante como foi Sara. Mas tudo pode mudar numa nova season.


Há defeitos? Apenas pontos para corrigir. Não há falhas flagrantes em Warrior Nun, mas esta é uma daquelas produções que leva a acreditar que estamos a fazer uma corrida numa montanha. Os highlights são muito bons, mas também tem momentos que bate no fundo. Toda a imagem da série é feita em tons frios, o que pode ser pouco apelativo para o tipo de público que consome este tipo de produções. Sim, concede-lhe algum dramatismo interessante e casa bem com o ambiente de uma história que se passa entre templos e igrejas, onde, como sabemos, há sempre uma estrutura mais fechada e fria, pela própria arquitetura. Em Warrior Nun a arquitetura da cenografia parece saída da experiência de um jovem com a igreja, é algo bastante literal e até parece o enlace perfeito com as temáticas, mas pode ser um fator que atrapalhe quem vê. A juntar a isto há um outro pormenor importante. A série é bastante maratonável, mas apenas a partir da metade do terceiro episódio. Os dois primeiros capítulos são propositadamente arrastados para nos dar enquadramento, mas talvez tenham caído no exagero de nos dar um prólogo demasiado grande. Sobretudo quando o envolvimento deste universo já é, à partida, algo com uma carga dramática bastante forte. Safam-se os (poucos) alívios cómicos dos pensamentos de Ava. O último ponto menos bom não é culpa da série em si, mas sim do budget. A Netflix e a sua produção industrial criaram uma clara divisão entre os produtos estrela e os restantes. Warrior Nun fica no limbo das duas categorias, perdendo orçamento que poderia ser útil na hora de criar efeitos visuais. À semelhança do que acontece em The Order, Raising Dion e Wu Assassians, há momentos em que as falhas nas recriações de elementos sobrenaturais ficam demasiado gritantes para serem levadas a sério. Dentro dos exemplos, a nova série é claramente aquela que teve maiores cuidados, todavia fica no ar a dúvida de onde podia chegar Warrior Nun com um budget da escala de The Witcher?

Inicialmente a mudança da estrutura a que estamos habituados causa alguma confusão. Parece que todos os personagens são dúbios, mas que não existe uma figura que seja realmente o contraditório, não se sente que exista um vilão, são jogadas várias pistas, mas não há nada de predefinido. Contudo, isto torna-se na bandeja perfeita para os últimos três capítulos nos entregarem várias reviravoltas e twists surpreendentes. Quando achamos que desfizemos o quebra-cabeças Vicent surge para nos provar que não podemos ter certezas de nada. Apesar de não ser uma jogada inteiramente original é surpreende e serve como prova de que o argumento tem empenho em surpreender os fãs que conquistou. O final é um típico caso que primeiro se estranha e depois entranha. Acaba no auge da batalha, no momento em suspendemos a respiração e ficamos ansiosos para ver a cena seguinte, e isto, apesar de não ser habitual foi uma carta muito bem lançada para garantir que o público vê a próxima season, mais que não seja para terem alguma sensação de encerramento. É o design protótipo de um penúltimo episódio, e é por isso que no final ficamos a questionar-nos: Foi isto? Mas depois paramos um segundo para pensarmos no que vimos e entendemos que o episódio final é sempre o mais aguardado e que, por esse motivo, foi uma escolha carregada de sentido. A inspiração do Mangá nota-se também no momento de formação da equipa. É quase nostálgico ver o grupo de freiras formar-se à nossa frente. Apesar do que dissemos no início desta edição e que voltamos a reforçar que esta não é uma série juvenil, ou pelo menos não o juvenil a que consumimos habitualmente, há esse gostinho da infância em que vimos nascer formações de guerreiros em Sailor Moon, Saint Saya ou Dragon Ball, e isso aquece o coração de quem nasceu e cresceu com este género de influências. Warrior Nun tem um caminho desimpedido para a sequência, e talvez venha a ser uma daquelas produções que vai ganhando fãs ao longo dos tempos. Vale a pena nos dedicarmos à série, porque há sérias possibilidades da temporada dois ser ainda melhor.