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Contos Bastardos #4 • Parar é Viver


Contos Bastardos #4
PARA É VIVER

15h17
Aqui, agora. Na repartição das finanças. No bloco operatório. Em Moria. Na favela da Rocinha. Vou andando, ao mesmo ritmo. Sou as mesmas horas. Não em todos os relógios, mas em todos o lados. Embalado pelo meu pêndulo, alheio ao resto. Queria ser surdo. O meu nome a ser invocado, em vão ou não - é discutível. Como o Tempo passa rápido! (obra da Ilusão, caríssimos) Estou aqui a desperdiçar o meu Tempo (teu, ponto e vírgula!) O Tempo cura tudo. (ena pá, querem ver que também sou médico) Dá Tempo ao Tempo. (Agora fiquei confuso) Tempo é Dinheiro (Esta é para rir. Como se alguma vez eu me comparasse com esse sacana apressado) Há que tempos que não te via! (Ousados, a julgarem que sou em plural. One Man Show) Sem Tempo nada se faz. (Ufa, haja mérito) Sou um Homem, sim. Mas não sou solitário nem cheio de teias de aranha, como me imaginam. Dedico-me muito ao meu trabalho, mas como hobbie (ainda me é estranho chamar-lhe passaTempo) jogo xadrez. Para manter a boa forma mental, que há por aí muitos que me querem parar. Logo a mim, que nunca paro. Cheguei a jogar contra a Morte, mas não me quero recordar dessa partida. Mudam-se os Tempos, mudam-se as Vontades. Mentira. Somos casados, aliança no anelar esquerdo. Posso ser brincalhão - quando me encontro com o Karma - mas sou fiel. Antes da minha eterna Vontade aparecer, os meus dias eram passados com o Tédio. Agora, 15h18, tudo mudou quando ela passou. Encurtei os passos para reparar bem na sua cara sem ter de parar. Abrandei. Olhei nos olhos marejados da Compaixão. No fundo desse olhar, vi a mulher que lá em baixo pedia em gritos mudos, (uma mão do Ódio no pescoço, uma faca afiada pelo Ciúme apontada). Pedia para que parasse. E eu parei.
 
Texto: Sónia Costa
Ilustração: Filipa Contente