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Contos Bastardos #3 • Reunião de condóminos


Contos Bastardos #3
REUNIÃO DE CONDÓMINOS

O papel tinha sido deixado pela Mística, a bruxa do rés-do-chão. O cheiro a incenso barato misturado com tabaco fumado sem filtro não deixava dúvidas ao pior detetive. Rabiscado nas traseiras de uma conta antiga da luz, já com manchas de café (do ordinário): 

REUNIÃO CONDÓMINOS TERÇA 22  

(Nem o melhor telégrafo batia o poder de sumarizar desta mulher.)

Os do terceiro levaram o dominó. A mulher recusava-se a ler os “bilhetes amaldiçoados da carcaça do rés-do-chão” e a reforma não chegava para substituir as lentes do marido, que tinha deixado as dioptrias lá atrás no tempo, algures onde deixou também a fé no Sporting. 

Não percebeu o motivo da jogatana, mas era uma boa desculpa para mandar uns bitaites sobre a maldita infiltração na entrada que tinha cozinhado papas de correio.

Os do segundo levaram a prole e o ar moribundo de quem não dorme há quatro anos (a idade do mais velho). “Despachem isto, tenho três filhos a dever horas à cama.”

(Só se era à cama elástica, que toda a gente sabia do circo que era o segundo andar. Quando não é o bebé é o cão, quando não é o aspirador é a do meio, quando não é nenhum são um por todos e todos por um contra o sono da população terráquea e a natalidade nacional).

As do primeiro levaram pão de queijo. Chegaram cedo, não fosse precisa ajuda na preparação. Não foi: a Mística era chefe de condomínio (chefa, dizia) e crente praticante do self-service-puxa-cadeira-senta. Revirou os olhos face às tentativas de impressionar, mas quando todos focavam no ia-ia-oh da cachopa do segundo - que cantava a Quinta do Tio Manel na tentativa infrutífera de calar os berros da peste mais nova - roubou dois pãezinhos do tabuleiro. Queimaram-lhe a língua. 
Sacanas das brasucas, Carmens-Mirandas-da-loja-dos-trezentos.
Texto: Sónia Costa
Ilustração: Filipa Contente