COMING UP | Defending Jacob
Um
assassinato macabro de uma criança e o julgamento de um suposto culpado que nos
é vendido como inocente. Este é o plot de que pode fazer-nos deixar Defending
Jacob no topo da nossa lista de próximas maratonas na hora de escolher o
que ver a seguir. Mas desengane-se quem acha que vai assistir à mesma repetição
de sempre, aqui a linguagem é outra, a qualidade é outra e o argumento é
daqueles que não nos deixa ficar impávidos e serenos. Num ritmo que até pode
ser mais lento para o normal do streaming, nada impede que esta seja uma
série fácil de assistir e torna-se a solução perfeita para quem perdeu How
To Get Away With Murder na sua grelha de séries favoritas. Com uma maior
maturidade e dispensando os habituais romances das tramas do universo
Shondaland, este é mais um acerto da AppleTV+ que mesmo sendo recente no mundo
do streaming não parece que se vá deixar acanhar nesta guerra de
gigantes, deixando bem claro que a cartada que o diferencia é a qualidade! Defending
Jacob vai deixar-te preso à sua narrativa logo nos primeiros minutos e nós
vamos contar-te porquê!
Um miúdo acusado
de matar um colega de escola, uma vítima de bullying que é acusada de
assassinar o seu agressor depois de ser descoberta uma pequena impressão
digital na camisola. Tudo se adensa ainda mais quando o acusado é filho de um
dos gigantes da procuradoria. Estamos perante algo fabricado ou é realmente o
recontar de uma investigação apenas com o twist de ter uma criança como
protagonista? Num discurso pensado para o streaming, Defending Jacob
traz algo com um modernismo que passa longe das habituais inspirações em Poirot
ou Sherlock Holmes. Os episódios são construídos e estudados ao pormenor numa
equipa de argumentistas que realmente sabe qual é o rumo que quer dar à
história, e a própria série dá-nos exemplos disso com Andy que em duas
situações bem distintas diz as mesmas exatas palavras para descrever a mesma
situação. Todos os pormenores são meticulosamente estudados para nos entregar
algo verdadeiramente consistente, com uma única exceção para a ida da família
Barber a um restaurante logo depois de Jacob ser libertado enquanto aguarda
julgamento. É um detalhe, porque tudo o resto é espelhado de uma forma bem
realista em todo o espectro que envolve uma polémica deste género. Da justiça à
imprensa, quem adora um bom policial que analisa o caso em “olhos reais”
encontra aqui a fórmula perfeita para ser agarrado.
Num elenco de
luxo, que sai livre de críticas nesta primeira leva de episódios, Chris Evans
cala as vozes que dizem que é inevitável depois de um personagem de grande
sucesso numa franquia blockbuster fica para sempre colado ao papel. Sem
uniforme e o seu emblemático escudo, não há rasto do Capitão América em Andy.
Há sim, uma invulgar construção de personagem que torna todos os afetos
familiares entre os Barber muito mais profundos e empáticos, por mais que não
tenhamos tempo de conhecer a normalidade da dinâmica entre eles sem a mancha da
acusação de Jacob. Mas o grande destaque vai para Michelle Dockery, a
intérprete de Laurie é o retrato possível do que imaginamos que seja a postura
de uma mãe que vê o filho adolescente acusado de um crime hediondo. Há muito
mérito na qualidade do guião, mas nada falha em cada pormenor que a artista
acrescenta. É algo bastante cru, até nos momentos de break down, é o
mais próximo de ser genuíno que um produto de ficção pode ser.
Ter grandes
nomes de Hollywood, como J.K. Simmons que na pele de um condenado consegue umas
notas extra pela credibilidade da sua interpretação, neste caso é apenas um
acrescento a um texto que já é muito bem trabalhado e um avanço para o tipo de
conteúdos a que estamos habituados. Figura recorrente em tramas com o
sobrenatural como pano de fundo, Jaeden Martell, que foi protagonista em It!
e no recente The Lodge, não se desfez inteiramente dos seus
trabalhos anteriores mantendo sempre um aspeto muito fechado e dark
neste seu Jacob. Contudo, por mais que não aparente ter um super trabalho de
criação por detrás mas sim uma reciclagem de papéis anteriores, a sua
interpretação é algo que deixa brilhantemente desconfortáveis e ansiosos ao
ponto de duvidarmos constantemente do carácter do personagem e isso só
contribui, ainda mais, para um enredo intrigante e que passa longe do óbvio
típico e esquemático a que nós, fãs de mistérios estamos acostumados.
O mistério só se
adensa de capítulo em capítulo, com a devida credibilidade que nos demarca bem
a passagem de tempo, e a lógica que um assunto tão delicado como este implica.
As personagens são realistas, mas Jacob é um alento extra. Não há um único
segundo em que não nos deixe na corda bamba, no limbo de assumirmos ou não o
personagem como culpado. Talvez o último episódio seja aquele com a maior veia
de ficção, mas mesmo esse torna-se necessário para nos dar algum caminho para
sentirmos o real impacto das cenas e oferecer-nos uma espécie de solução para o
puzzle, mesmo que esse pareça ficar para sempre incompleto. Do início ao fim é
um slow burn bem construído com uma linguagem ótima para quem ficou fã da
longa-metragem espanhola Contratiempo. É o mesmo sentido e o mesmo
efeito na hora de conquistar quem é detetive de sofá.
É difícil
encontrar thrillers que sejam realmente um desafio. A maioria acaba por se
perder com reviravoltas a mais e injustificadas ou tornam-se em algo
absurdamente simples que nos faz questionar a inteligência dos polícias
responsáveis. Defending Jacob é o regresso que o púbico merece,
conseguindo entregar-nos apenas o que é necessário ao caso sem se perder com
flashbacks, romances que servem apenas para dar fundamento e funcionalidade a
personagens secundários, ou detalhes que não interessam em nada para o plot principal.
Quem assiste quer saber o que se passou, quer saber como está o caso, essa é a
prioridade aqui. A gestão de tempo em cada episódio é feita a pensar no que
realmente importa e não em fillers que estiquem a duração dos capítulos para
obedecer à habitual lógica dos quarenta minutos. A série tem a duração normal
da maioria das produções, mas num texto que se desdobra em não romancear o
enredo. E vale, ainda, o destaque para o facto de ser uma série limitada.
Independentemente do sucesso, a AppleTV+ já deixou claro que a trama é esta e
que termina onde deve terminar, tinha argumento para uma segunda season? Temos
mais que pano para mangas, mas é melhor ficar onde deve do que estragar todo o
enredo. Este pode ser um luxo dentro de um catálogo que ainda não tem uma marca
de sucesso absurdo, mas é um luxo para quem assiste e que sabe que vai ter a
história a que assiste preservada sem intervenções absurdas que entreguem
soluções mirabolantes. Uma subida de qualidade, e um bom motivo para apostarmos
nesta nova plataforma.
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