Viajar Porque Sim #8 | Jardins japoneses neste lado do mundo
Nesta
Primavera tão atípica, num mês de Maio em que a normalidade possível ainda vai
ter muito pouco de normal, continuamos a precisar de um pouco de evasão, mesmo
que apenas em espírito e em forma de fotografia.
Um jardim
japonês é, por conceito, um lugar de paz, onde a mente se acalma e as
preocupações desaparecem, e onde a convivência entre o ser humano e a natureza
flui fácil e intuitivamente. A qualidade intrínseca dos princípios que regem os
jardins japoneses tornou-os imensamente populares, e hoje em dia existem em
todo o mundo. Alguns seguem fielmente os princípios espirituais e estéticos que
estiveram na sua origem, outros adaptam-nos livremente, e qualquer que seja a
opção o resultado é sempre feliz.
Admiradora que
sou destes jardins (e cada vez mais!), não perco a oportunidade de visitar
todos aqueles que vão “surgindo” nas minhas viagens. Alguns são espaços
completos, verdadeiros jardins criados de raiz para um determinado local,
outros apenas recantos, pequenas áreas dentro de outros maiores ou de parques. Estes
de que vos vou falar agora ficam suficientemente perto de nós para serem
facilmente visitáveis… quando pudermos.
Jardim Tropical Monte Palace (Funchal,
Madeira)
Situado na
encosta a sul da igreja do Monte, sobranceira ao Funchal, o Jardim Tropical
Monte Palace estende-se por uma área de 70.000 m2 e está estruturado
em vários ambientes diferentes, sendo uma grande parte desta área ocupada por
dois jardins orientais cuja inspiração de base é o Japão (embora com elementos
chineses à mistura).
Dois grandes
cães de Fó guardam a entrada do Jardim Oriental Norte. A partir daqui, o
vermelho das portas japonesas e dos corrimões trabalhados contrastam com o
verde intenso, declinado em todos os seus tons, da vegetação exuberante. A
espaços encontramos esculturas, bancos e lanternas orientais em pedra, além de
pagodes em várias versões. E água, muita água por todo o lado, em pequenos
apontamentos ou extensões mais alargadas. Bambus, cicas, fetos arbóreos
camélias e orquídeas são apenas algumas das milhares de espécies diferentes de
plantas que povoam o jardim, em pacífica coexistência com as muitas outras que
são típicas da floresta Laurissilva da Madeira.
Grandes
atracções do jardim são as lagoas com os peixes Koi situadas no Jardim Oriental
Sul. Em número e variedade impressionante, os peixes estão tão habituados aos
visitantes que se aproximam em cardume mal notam a sombra de alguém, e é vê-los
a competirem pelo mais pequeno vislumbre de possível comida. Descendentes da
carpa negra com o nome de Magoi, os Koi existem no Japão desde o séc. II a.C.,
e os deste jardim têm uma enorme variedade de cores e tamanhos. Como não
sobrevivem em água estagnada, as lagoas tiveram de ser dotadas de um sistema de
filtragem tecnologicamente avançado e sem recurso ao uso de produtos químicos.
O painel “A
Aventura dos Portugueses no Japão” é uma obra de fôlego constituída por 166
azulejos que contam a história do intercâmbio cultural e comercial entre o
nosso país e o Japão que teve início no séc. XVI. Rodeado de bambus e
“protegido” por um buda em pedra, é um dos lugares mais harmoniosos deste
jardim.
Jardim Japonês Pierre-Baudis (Toulouse,
França)
Ocupa uma área
bastante generosa do Parque de Compans-Caffarelli, em Toulouse, e surpreende logo desde
que entramos – não é sem razão que está classificado como Jardim Notável
pelo Ministério da Cultura francês. Com quase 7000 m2, é uma síntese
dos jardins japoneses criados entre os séculos XIV e XVI e composto por todos
os elementos característicos desses jardins: composições que evocam os mundos
mineral, vegetal e aquático, pontuados por elementos decorativos típicos. Estes
cenários desenvolvem-se em torno de um lago onde se debruça um pavilhão de chá
aberto, e nem sequer falta uma ponte – bem vermelha, como é tradicional nestes
ambientes. O jardim foi criado em 1982 e Pierre Baudis, que era na altura o
Presidente da Câmara de Toulouse, foi o seu promotor, razão pela qual lhe deram
o seu nome.
Kyoto Garden (Londres, Reino Unido)
O Kyoto Garden é uma bolha de paz e tranquilidade na
agitação de Londres, um pedacinho do Japão recriado numa das mais vibrantes e
populosas cidades da Europa. Oferecido pela Câmara de Comércio e Indústria de
Quioto como parte do Festival do Japão realizado na cidade em 1991, foi
concebido pelo designer de jardins
japonês Shoji Nakahara no estilo chisen
kaiyushiki-en, que significa “jardim para passear com lago”. Nele estão
presentes inúmeros elementos que remetem para a cultura japonesa e os seus
valores espirituais, em que o espaço entre os vários “objectos” que constituem
os pontos fulcrais do jardim, cada um deles com significado próprio, é tão ou
mais importante do que esses mesmos componentes. O resultado é um lugar cheio
de beleza e harmonia. Todo o jardim está pensado para ser percorrido no sentido
dos ponteiros do relógio, para que as suas várias facetas se vão desenrolando
aos nossos olhos como se fosse um pergaminho.
Embora vocacionado para proporcionar calma e uma
atmosfera indutora da contemplação e meditação, não se pense que é um jardim
estático ou monótono. A cascata abundante, com as pedras a contrastarem com o
branco da água a cair (representando o contraste entre o yin e o yang), os
coloridos peixes koi do lago e as galinhas d’água dão movimento ao ambiente,
que os típicos esquilos londrinos e os pavões acentuam.
Fukushima Garden (Londres, Reino Unido)
Adjacente ao Kyoto Garden foi mais recentemente, em
2012 (na véspera da abertura dos Jogos Olímpicos), criado um outro espaço a que
deram o nome de Fukushima Memorial Garden. Este jardim é um agradecimento dos
japoneses aos britânicos pelo apoio que prestaram após o tsunami e subsequente
desastre nuclear de Fukushima. Idealizado por Yasuo Kitayama, que desde 2011 é
responsável pelos jardins japoneses do Holland Park, tem um caminho em cascalho
ladeado por rododendros e hortênsias, bancos para descansar e meditar, e um
elemento simbólico composto por três pedras que “crescem” do solo – estão ali
para evocar uma das divindades mais amadas pelos japoneses, Jizo, que protege
as crianças, as mulheres e (nem de propósito…) os viajantes, e para lembrar que
a vida nunca pára.
Kew Gardens (Londres, Reino Unido)
Os
maravilhosos Jardins Botânicos Reais de Kew, na periferia de Londres, são uma
das maiores atracções turísticas da capital inglesa, e o seu valor como
paisagem histórica é tão grande que estão desde 2003 classificados como
Património Mundial pela Unesco.
Também nestes
jardins existem algumas “paisagens” de inspiração japonesa. O Jardim de Bambu,
que foi criado em 1891, continha na altura 40 espécies de bambu originárias
essencialmente do Japão. Hoje tem cerca de 1200, vindas também da China, dos
Himalaias e das Américas. Como algumas destas espécies crescem rapidamente e
são muito invasivas, estão contidas entre pesadas barreiras de material
plástico.
No Jardim de
Bambu encontramos a Casa Minka, uma casa tradicional das quintas japonesas.
Originária da região de Okazaki, no sul do Japão, está colocada sobre uma base
de grandes lajes – as minkas não tinham fundações de cimento, para permitir a
sua flexibilidade na ocorrência de um terramoto. Com uma estrutura feita de
troncos de pinheiro atados com cordas, foi construída sem pregos e os seus
diversos elementos estão unidos por um sistema de juntas. Até meados do séc.
XX, nos ambientes rurais, a maioria das pessoas vivia em casas deste tipo
(minka significa literalmente “casa de pessoas”).
Em 1996 foi
concebido um jardim adaptando os estilos de jardim do período Momayama:
caminhos desenhados entre lanternas japonesas, bacias de água gotejante,
gravilha e grandes pedras, rododendros e anémonas japonesas. Este pequeno
jardim desenvolve-se em torno de um portão – Chokushi-Mon, traduzido como “Portão
do Mensageiro Imperial” – que é uma réplica à escala de quatro quintos do
Portão de Nishi Hongan-ji em Quioto, no Japão. Foi criado para a exposição
nipo-britânica que teve lugar em Londres em 1910 e depois reconstruído nos
jardins de Kew. Construído no estilo rococó japonês (Momayama), a madeira foi
primorosamente trabalhada em relevo com flores e animais estilizados.
***
É talvez algo
estranho que um jardim japonês, cuja concepção implica domar e manipular a
natureza e os elementos de forma algo rígida, consiga a proeza de harmonizar
perfeitamente aquilo que mais nos caracteriza como humanos – o nosso espírito –
com o que existe de mais original e menos adulterado na Terra – os mundos
vegetal e mineral. Mais do que o gosto pela encenação e pelo rigor que está
subjacente à criação de qualquer jardim japonês, talvez a sua essência seja
precisamente essa: despertar no ser humano o que lhe é mais natural,
humanizando a natureza para que ela ressoe em nós.
Ana CB / Maio
2020
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