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Contos Bastardos #1 • Warning: Controlo Parental


Contos Bastardos #1
WARNING: CONTROLO PARENTAL - GARANTIR SUPERVISÃO CONSTANTE

Percorria as janelas abertas no ecrã num movimento automático, desinteressado. Rotineiro.

Vamos lá ver o que andam estes malucos a tramar.

Parou numa. A mulher contemplava as flores e chorava.

Outro charlatão, daqueles inferiores não-omnipresentes nem telepatas (eram, no máximo, homeopatas) apostaria que ela lamentava o amor perdido, que aqueles olhos negros refletiam uma vida madrasta de sofrimento e traição.

Ah-ah! Na verdade, tinha as hormonas descontroladas e soluçava porque as orquídeas eram “mesmo lindas e comoventes”.

Próximo! Tanto sono e ainda faltava meia hora para o turno ser rendido.

Esta tinha potencial. Dois homens sexagenários, lado a lado na berma da estrada, desobedeciam às normas da segurança rodoviária e àquelas que a sociedade lhes impôs. As mãos unidas pelos mindinhos, o centro de gravidade naqueles calos tisnados pelo trabalho - dez dedos duros de algodão.

Próximo. Este ia acabar por deixá-lo emocional, como a outra tolinha das orquídeas.

Um batizado. Next.
Uma missa. Fast forward até às oferendas, todos saem a ganhar. De nada! Próximo.

Marmelada no sofá. Ena pá, picante!

Vinte minutos mais. Que tarefa bíblica. Os dois milénios que devia à cama tornavam a espera insuportável.

E se carregasse nuns botões vermelhos e tornasse aquilo mais interessante, para ele e para os soldadinhos que duvidavam da existência do seu mestre?
Afastou-se do computador.
O patrão não lhe deixava mudar as regras. Ia esquecer a mania das grandezas e comportar-se, se queria renovar o contrato. Era melhor deixar-se de ideias malucas - da última vez que lhes dera ouvidos fora responsável pela desgraça de 3 pastorinhos e milhões de joelhos.

2 minutos para o próximo vigilante chegar. Não devia ser grave deixar este rebanho curioso por uns instantes sem atenção.

Assinou a folha de ponto. Fechou o turno: 11 de setembro de 2001, 8h46.
Levantou-se e foi até à casa-de-banho.
Texto: Sónia Costa
Ilustração: Filipa Contente