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COMING UP | HOLLYWOOD


À segunda é ainda melhor! O arranque da parceria entre Ryan Murphy e a Netflix com The Politician vai ter de ser lembrada apenas pela bonita versão da música River na voz de Ben Platt, porque Hollywood chega para roubar todas as atenções. Carregada com traços de glamour, um guarda-roupa incrível, e um guião que se desvincula do padrão do autor de Glee e American Horror Story este é o triunfo de Ryan nesta aventura pelo streaming e na sua já longa carreira. Hollywood pode ser facilmente considerada como a melhor série do showrunner, tarefa nada fácil quando falamos do responsável por Asylum ou pela adaptação da biografia de O.J Simpson, e eleva a fasquia para as próximas produções e temporadas dos seus sucessos de cabeceira. Mais do que explorar o que se passa na cidade dos sonhos, esta é a trama que fala sobre o poder que o cinema tem dentro da História, sobre a voz da ficção e como poderíamos viver num mundo bem diferente se alguém tivesse perdido o medo de dizer “sim” antes do seu tempo. Curioso? Há razões para isso e nós vamos contar-lhe tudo!

Tão sóbrio e contido quanto Murphy consegue ser, pelo menos se considerarmos para amostra os primeiros dois capítulos e o epílogo, desta vez foi Feud que serviu de base para mais um retrato sobre o quão desinspirada pode ser a cidade dos artistas e das grandes estrelas. Quem espera saber mais sobre a História da indústria pode contar com isso, por mais que a base do argumento seja algo que não aconteceu realmente. Como já é hábito Ryan Murphy tem sempre a sua forma muito própria de abordar os temas pela perspetiva menos óbvia e com as minorias a assumirem o comando da ação, esta que é uma das marcas registadas do autor e que aqui se apresenta como a grande justificação para o argumento de Hollywood surgir. De romance a série tem pouco, mas realismo tem de sobra numa indústria onde vigorou a lei da selva. Excluindo pormenores mais polémicos, que falaremos depois, há uma fidelidade acima da média na representação do que é a produção de uma longa-metragem dentro desta máquina que comanda o showbiz. Da tomada de decisões até aos castings e leituras de guião, é irrepreensível e coloca o espectador mais curioso com um pé dentro do que acontece nos grandes estúdios.


O argumento corre várias vezes o risco de ir longe demais e de acabar por chocar com um excesso de estereótipos queer que sabemos que são reais nas sombras dos primórdios do espetáculo, mas que aqui tomam proporções um pouco preocupantes. A leitura sobre ambição feita pela série é levada ao limite, e não há qualquer problema nisso exceto quando Jim Parsons surge no ecrã. Na pele de Henry Wilson, produtor e manager de elencos, este é relato do lado negro da indústria e mais uma viagem do criador na sua cruzada por criar personagens homossexuais que ofereçam mais camadas que aquelas a que estamos acostumados. É cru e até pode ter a sua cota parte verídica, contudo é a figura que deixa a linguagem da série mais suja e chega a incomodar ver a forma como desconstruído o personagem parece viver única e exclusivamente para o sexo. Apesar da redenção nos dois últimos episódios quer enquanto pessoa quer na reformulação de conteúdo que o guião lhe deu, fica como a grande mancha da trama apesar do excelente trabalho do intérprete que nos oferece um vilão asqueroso numa adaptação livre sobre o que imaginamos de personalidades tão reais quanto Harvey Weinstein. É até incomodativo quando paramos para pensar nas possibilidades que Wilson enquanto personagem poderia oferecer para enriquecer ainda mais o show oferecendo uma visão masculino sobre o assédio e mostrar uma outra perspetiva na tendência de produções que casam a ficção com o movimento Me Too. Por outro lado, e num salto muito mais contido, Ryan Murphy volta a colocar o dedo na ferida sobre a rejeição xenófoba a diferentes etnias sem medo de mergulhar na crítica e utilizando Laura Harrier como mensageira da luta contra o whitewashing.

American Crime Story e The Normal Heart foram o pontapé de saída para o showrunner nas grandes cerimónias de prémios. The Politician confirmou a tendência de ter um galardão como objetivo no ano passado e agora Hollywood segue-lhe o rasto com um desenho de guião que conquista com ganchos interessantes e figurinos que saltam à vista, mas sobretudo porque volta a despir os bastidores da indústria. Ter o backstage como palco tornou-se nos últimos anos um sinónimo de prémios ou pelo menos de uma indicação, Trumbo e Once Upon a Time in… Hollywood estão aí para o comprovar. Aqui os “bombons” foram distribuídos pelo elenco. Um deles caiu no colo de Dylan McDermott que rouba os holofotes em cada contracena numa interpretação ímpar com o seu Enrie. A caracterização até pode fazer grande parte do trabalho, mas nada funcionaria tão bem se não estivéssemos perante um talento incrível a dar corpo a um personagem que exige muito mais do que aparenta inicialmente. São personagens traçadas com um contexto e profundidade fora do vulgar com Ryan a apostar novamente em dar uma segunda vida a carreiras de veteranos que foram deixados no segundo plano. Não é propriamente uma novidade para quem acompanhou outras criações do produtor, porém aqui há mais um exemplo vivo com Joe Mantello, um regresso seis anos depois de ter integrado o elenco de The Normal Heart e que vai dar bons frutos na altura em que saírem as próximas indicações. O arco de Dick é um dos destaques, provavelmente um dos que melhor desenvolvimento tem, conseguindo fazer-nos chegar facilmente até às lágrimas. É um espetáculo de atuação notável e razão mais que suficiente para assistir à season completa.


Temos, também, sinais de uma substituta para Jessica Lange. Patti LuPone volta a repetir a parelha de Pose, mas desta vez ascende ao papel de diva com a sua Avis que nos deixa antecipar que o papel tenha sido criado para a antiga musa das histórias de Murphy. Sem ficar a dever nada em protagonismo ou presença, Patti consegue um tom cómico para esta personagem que provavelmente não teria uma abordagem tão boa caso tivesse ficado aos cuidados de Lange. A qualidade do casting é inegável, e até Darren Criss regressa às mãos de Ryan Murphy, consegue o melhor papel da sua carreira. Não tem a carga dramática de Andrew Cunanan de American Crime Story mas retira o jovem ator de um certo nicho de interpretação que pode muito bem ser a lufada de ar fresco necessária para que a carreira descole para além que vimos até agora. É um equilíbrio perfeito entre veteranos e jovens em ascensão que juntos nos dão uma experiência acima da média.

Ryan volta a provar que não tem um texto que chegue a toda a gente, mas é impossível negar que há uma identidade impressa a martelo em cada um dos seus shows. É polémico, mas acaba por se tornar necessário, apesar de recorrer a estereótipos, exageros e até abusar na maneira como nos apresenta os temas, continua a ser uma voz que grita pela diferença dentro do que é o hábito do streaming ou da maioria das séries que acompanhamos. Fá-lo de uma forma única e por isso já sabemos o que podemos esperar de um projeto que conte com a sua assinatura. É este extremo total que pode fazer-nos amar ou odiar as suas obras, mas vale aplaudir a inovação de correr riscos e se atirar para terrenos menos estáveis. Desta vez não se cumpriu uma das principais queixas dos fãs do criador, e todas as personagens tiveram o destaque e encerramento que mereciam. No final das contas a mensagem de superação é a veia mais forte desta primeira season, onde não há nenhuma figura que não tenha encontrado uma razão para sorrir dentro daquilo com que só podiam sonhar e isso já é suficiente para louvar o argumento. Para além de nos transmitir uma palavra de esperança, Hollywood é entre todas as antologias de Ryan Murphy, aquela que nos dá mais sumo e com uma temporada tão forte e controversa espera-se uma continuação nos mesmos moldes criativos, sem ter de se agarrar às costas de factos reais mas mantendo o conceito histórico dos bastidores para nos apresentar o que há, de facto, para lá das cortinas.