Fantastic Entrevista - Nuno Botelho | "Caixa Solidária - Uma ideia com Amor"
Foto: Facebook "Caixa Solidária" |
Sob o lema “Leve o que precisar deixe o que quiser!” a 1ª Caixa Solidária do País nasceu num bairro da Parede a 4 de abril. O coração irrequieto que lhe deu alma e asas, pertence a Nuno Botelho, um fotojornalista que, a meio da pandemia Covid-19, não descansou enquanto não descobriu uma forma de se tornar útil em tempos de crise.
No momento em que falamos com o Nuno, já foram criadas em Portugal mais de 500 caixas solidárias. Sim, leu bem. Mais de 500! E é por isso que dizemos que o Nuno Botelho não deu apenas alma ao projeto, deu-lhe também asas, ou, se quisermos, soltou um novo vírus que está a contagiar Portugal inteiro, e este é um vírus bom. É o vírus da Solidariedade.
Entrevista | Caixa Solidária - Uma ideia com Amor
A Caixa Solidária, projeto que visa a partilha de bens essenciais pelas famílias mais carenciadas, nasceu na mente de Nuno Botelho, um homem da comunicação, fotojornalista com um olho tenaz e um coração irrequieto. Podemos fazer esta descrição da sua pessoa, Nuno?
Pode ser uma boa descrição apesar de não me considerar um homem da comunicação porque até sou bastante envergonhado e talvez dessa descrição aquilo que melhor identifico em mim é o coração irrequieto. Sou obstinado como diz a minha esposa e alguns que me conhecem. A caixa solidária surge desse coração irrequieto e da obstinação de fazer mais e melhor pelo próximo.
Desde que a pandemia atingiu os portugueses que todos nós pensamos em formas de nos tornarmos úteis fazendo parte da solução e não do problema. Como é que nasceu este projeto da Caixa Solidária?
O projeto nasceu da vontade de querer ajudar, ser útil e depois de muitas conversas em casa percebemos que a atual logística de trabalharmos os dois e termos um filho pequeno tornava inviável a possibilidade de ir fazer voluntariado. Mas queria mesmo ajudar e ao longo dos dias iam surgindo cada vez mais notícias da situação laboral -o layoff-, os trabalhadores independentes dos quais a minha esposa faz parte, o desemprego a crescer e tudo fechado. Pensei e que tal ajudar com bens alimentares aqui no meu bairro? E depois foi passar à acção. Tinha uma caixa em desuso, o nome caixa solidária era óbvio para que se percebesse do que se tratava. Depois pensámos cá em casa numa frase simples e que dissesse o objetivo - leve o que precisar, deixe o que quiser. E assim, coloquei a primeira caixa aqui em frente da minha casa.
Entretanto, as redes sociais ajudaram a que a Caixa Solidária saísse da sua área de residência e se espalhasse por todo o país. Imaginou alguma vez que isto pudesse acontecer?
Teve impacto junto dos vizinhos, partilhei na minha página pessoal de Facebook para desafiar outros a fazerem o mesmo. Depois uma vizinha fez o mesmo na sua página de Facebook e a partir daí a iniciativa cresceu imenso e criámos o grupo no Facebook para divulgar e incentivar a replicar a ideia pelo país fora. Confesso que não pensei que crescesse desta forma, mas fico muito contente que assim seja. Significa que somos um povo solidário pronto a ajudar o próximo.
O que é que sente quando, vê agora na página do Facebook @Caixa Solidária, mais de 40 mil pessoas a interagir entusiasticamente, criando também elas várias caixas solidárias pelo país?
Sinto uma enorme satisfação por ver que a solidariedade se espalha pelo país, fico de coração quente quando recebo mensagens a agradecer a caixa em algum sítio porque são pessoas que têm necessidades e entusiasmo por saber que há muitos como eu a querer ajudar.
Quando a pandemia acabar, acredita que será possível dar continuidade ao projeto ou, pelo contrário, voltaremos a estar mais centrados nas nossas necessidades individuais?
Espero que quando a pandemia passar a iniciativa continue porque vamos continuar a viver momentos de crise. As questões do trabalho não se vão dissipar quando a pandemia terminar, as famílias vão continuar a ter necessidades e uma vez que se conseguiu implementar a caixa solidária nesta altura faz-me todo o sentido que continue. A pandemia não trouxe só coisas más, acho que nos deu tempo a todos para parar e pensar e chegar a conclusões menos individualistas e mais centradas no bem comum. Assim espero.
Acredita que deve ser o Estado a providenciar este apoio às famílias e que se não o faz falha ou, pelo contrário, deve a sociedade civil mover-se nesse sentido?
Penso que o Estado deverá continuar a assegurar e se calhar até fortalecer os apoios sociais, mas também penso que a sociedade civil não se deve demitir daquilo que são os princípios e valores de uma sociedade e para mim a solidariedade faz parte desses princípios de valores. Acho que as duas coisas não se sobrepõem, estado e sociedade civil devem cooperar.
Prevê que, no futuro, e supondo que a Caixa Solidária não morre, poderá este conceito de interajuda sofrer alguma mutação aperfeiçoando, talvez o que já existe?
Claro que sim, podemos fazer mais e melhor por isso o aperfeiçoamento estará na linha do horizonte. Aliás a iniciativa demonstra isso, nasceu num bairro, em páginas pessoais e depois foi crescendo para fora do bairro e “juntando-se” num grupo de Facebook.
O conceito da Caixa Solidária só pode ter sido criado por alguém que quer muito mudar o mundo. Em que o mudaria, se lhe fosse possível fazê-lo?
Mudar o mundo é difícil, mas podemos tentar dar alguns passos para mudar algumas coisas. Olharmos mais para quem está à nossa volta, termos mais a noção de que o mundo é de todos, ter a noção que dentro do mundo há mundos muito distintos, há muita desigualdade. Às vezes basta um pequeno gesto para conseguir mudar pequenas coisas que todas somadas, se calhar, mudam o mundo.
Qual é a mensagem que gostaria de nos deixar, Nuno?
A mensagem que deixo é a de que atravessamos um momento difícil para todos, mas que isso nos motive a fazer mais e melhor. A encontrar soluções, a sermos mais crentes relativamente ao próximo, a sermos mais solidários e cooperantes, menos individualistas. Se todos dermos o nosso melhor, se calhar, tudo fica melhor!
Fantastic Entrevista | Nuno Botelho (Caixa Solidária)
por Ana Cristina Pinto
Abril de 2020
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