COMING UP | La Casa de Papel
Chegou a
série mais aguardada da quarentena, La Casa de Papel volta ao seu ritmo
de novela depois de uma temporada em que fundiu a balança da ação com o drama. Desta
vez há lugar para tudo num assalto que continua a embrenhar-nos cada vez mais
em teorias da conspiração que não nos permitem deixar de assistir ao episódio
seguinte. Há espaço para um estilo muito mais romanceado no início da temporada,
porém nada compromete um final épico com ganchos que justificam a inevitável
continuação de uma das séries com melhor arquitetura do momento. É uma mina de
ouro no marketing, mas também no argumento que não deixa em suspenso
nenhum arco e que torna até as introduções mais longas em algo extremamente
fácil de assistir. A parte quatro de La Casa de Papel não vem com o
fulgor de explosivos que teve na temporada anterior, a primeira inteiramente construída
pela Netflix, mas vem com bombas nas relações entre os personagens que rebentam
em todas as direções e em todos os minutos. O Professor já nos ensinou que este
não é um plano para quem sofre de ansiedade, mas é, sem dúvida, algo que vai
fazer-nos mexer depois de todo este tempo fechados em casa.
A maior das
dúvidas dos fãs é respondida em poucos minutos. Depois de toda a preocupação
com o estado de saúde de Nairóbi, os autores não quiseram estilhaçar ainda mais
os espectadores e entregaram logo a solução do mistério, fazendo-nos respirar
de alívio. Pelo menos por mais alguns episódios. Porque sim, qualquer fã de La
Casa de Papel sabe que temos de ter sempre um pé atrás com qualquer
personagem, mais ou menos como tínhamos com Game of Thrones. Berlín foi a
escola para nos fazer entender que ninguém é poupado numa guerra e que a salvo
só está mesmo quem assiste de fora. A terceira fase já nos tinha dado a
entender que tudo tomou novas dimensões e que mais do que antes agora chegou a
hora do vale tudo em que as vidas pouco contam neste autêntico xadrez de Relações
Públicas entre a polícia e a resistência. São todos postos à prova, e quase
todos parecem condenados à morte enquanto se envolvem no enredo de telenovela
com amores e desamores entre os assaltantes, que voltam a ceder à pressão e
desconfiança. Algo bem lembrado pela equipa que escreve a série e que nos prova
que há um trabalho de construção que não foi deixado de parte depois do
orçamento aumentar. Estão lá aquelas mesmas pessoas que invadiram a Casa da
Moeda espanhola. Estão mais ricos sim, mas continuam a ter alguns problemas de
personalidade e fragilidades por resolver. E este é de longe um dos grandes
destaques desta nova leva de capítulos que volta a relembrar a rebeldia de
Denver, o lado humano que distingue Estocolmo, a impulsividade de Tóquio assim como
o seu sentido de confiança no grupo, tudo o que vimos no primeiro assalto e
sabemos que por mais trocos que tenham continua a existir neles. Nem mesmo as
tentativas de heroísmo de Arturito foram esquecidas.
Uma bola de neve
que ganhou camadas, desta vez dando o devido destaque a terrenos desconhecidos.
Palermo e Sierra continuam a dividir o posto de personagens mais odiados, mas deram-nos
agora o verso da moeda para comprovar que não são inteiramente seres dissimulados.
É o egocentrismo que define os dois, assim como a perda. É o luto que envolve
os dois personagens mesmo que em lados diferentes da barricada. Batemos no
fundo do poço de Palermo para entender que para ele não importam os danos, mas
sim o comando. O plano funciona pela visão dele e é a ele que tem de ser dado
todo o crédito. É a promessa do personagem que tem uma autêntica cruzada de
redenção ao lado de Helsinki enquanto se esforça para provar que aquilo que defendia
nas discussões com Berlín era exequível. É uma aparente capa de vingança que
deixa destapar uma prova de amor, à boa e velha maneira como os dois capitães
se habituaram a viver. Do outro lado da fronteira entre o suposto bem e o mal
conseguimos despir a carapaça de Sierra e entender o que leva uma pessoa a
despedir-se de todos os princípios em prol de uma justiça que não olha a leis
ou direitos humanos. É a vontade de se esconder dos problemas. O abismo de quem
perdeu alguém que ama e direciona a raiva para outros sítios para culpar e
condenar os outros pelo seu sofrimento. Por mais injustificável que seja e que
passe longe de nos conquistar alguma afeição, conseguimos finalmente desmontar
o quebra-cabeças sobre quem é a Inspetora Alicia Sierra. Além de lhe pertencerem
algumas das melhores contracenas e diálogos da season.
Já que falamos
em contracena, falemos sobre um dos principais pontos fracos da história. La
Casa de Papel já nos habituou a que o tempo fosse constantemente acelerado,
que acontecem um milhão de coisas num curto número de segundos. Mas desta vez
colocaram um travão para deixar Raquel Murillo encravada no mesmo sítio durante
uma sequência inteira de episódios. Falta de criatividade? Poderia ser o caso,
não fosse o facto de a personagem já nos ter provado que tem um espaço dentro
da quadrilha. Fez sentido para que fosse mantido o suspense sobre a sua
falsa morte, provando que nem tudo está sob controlo e para nos fazer duvidar
pela primeira vez se existia ou não um plano de contingência, contudo
alargou-se por demasiado tempo fazendo com que Raquel se tornasse num dos arcos
menos interessantes. Tóquio deu-nos toda a gama de efeitos explosivos, mas
depois de três temporadas no centro dos holofotes retirou-se para segundo plano.
Por mais que nos tenha entregado um golpe de estado, temos de ser justos quando
dizemos que esta foi a temporada em que Tóquio perdeu a garra. A força que a caracterizou
que levou episódios às costas foi espremida para cenas de luta que não renderam
quase nada em termos de desenvolvimento pessoal e ainda deixa totalmente em
aberto a sua relação com Rio, que não avançou um único milímetro desta vez.
Dentro dos casais, Estocolmo e Denver tiveram espaço para serem protagonistas
da trama pela primeira vez com as fragilidades de um qualquer casal levadas,
desta vez, ao expoente máximo pela tensão do casal. Rio no meio destes dramas
saltou como bola de pingue-pongue sem se expressar e servindo como veículo para
mostrar o pânico e ansiedade dentro da equipa. Será que estão a fazer com que
aos poucos o nosso interesse se volte para os novos elementos enquanto deixamos
de lidar diretamente com quem iniciou toda a trama?
Dentro do excelente
e daquilo que não foi tão perfeito nasce o final de uma season que dá
uma aula de como construir um argumento que nos vicie. A morte de Nairóbi foi o
ponto de viragem para entender que podemos esperar tudo, que há surpresas em
todo o lado e que não há medo de matar até quem tem as maiores legiões de fãs. É
a prova da independência de um plot que vem calar as vozes que continuam
a dizer que as novas temporadas são o aproveitamento do sucesso das duas
primeiras. É a coragem de um storytelling que sabe o que quer dizer e
onde nos quer levar doa a quem doer, mas sem se esquecer de nos dar uma
despedida digna. O “funeral” de Nairóbi é um dos melhores momentos de toda a
franquia, e um destaque dentro do mundo das séries que vai ser replicado por
vários anos. The show must go on e o último episódio é construído sem mácula
e oferece tudo o que podemos desejar: Reviravoltas, ação, explosões, momentos
de tirar o fôlego. Tudo o que a resistência de Salvador Dalí nos apresentou antes,
mas aqui com cenas tão impactantes quanto o discurso de Alícia Sierra que quebra
de vez a divisão entre polícia e bandidos para multiplicar os ramos. Ela é a terceira
margem, o plot twist que poucos esperavam, mas que nos vem sendo anunciado
em cada discurso louco. É o fim da polícia, o despoletar de uma verdadeira
guerra, e uma vitória para a missão da resistência de revelar que quem de facto
se esconde das ações erradas é quem tem altos cargos.
Um epílogo que surpreende,
ainda, ao cortar este assalto para mais uma sequência. Enquanto todos teorizávamos
sobre o final deste que parecia ser um plano com uma escala muito maior que o
primeiro, a quarta temporada termina sem nos dar uma resposta. A guerra está
acesa, mais que nunca, com a Netflix a fazer-nos acreditar que este será um puzzle
dividido em quatro partes e não em duas, como no assalto à Casa da Moeda. Há
muitas questões no ar que precisam de uma resposta urgente: O que vão fazer com Gandía? Qual será o papel
de Manila daqui para a frente? Quem é Tatiana no meio desta encruzilhada? O
amor de Helsinki e Palermo é para durar ou será mais uma promessa falhada?
Lisboa toma parte ativa dentro do gangue com que objetivo? Quando achávamos que
íamos colocar um ponto final entendemos que afinal de contas só temos ainda
mais dúvidas. E isso só pode querer dizer uma coisa: O hino Bella Ciao
está mais vivo que nunca!
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