SETE FILMES POR SEMANA - COMING UP | Arrival
Arrival, de Denis
Villeneuve, poderia ser apenas “mais um filme sobre extraterrestres”, mas desde
os primeiros minutos percebemos que há mais qualquer coisa para além do
óbvio. Se conhecermos os trabalhos anteriores do realizador, poderemos
esperar à partida uma história que nos fará refletir acerca da nossa condição
enquanto humanos e na relação com os outros.
Em Arrival – traduzido para português como O Primeiro Encontro – a Terra é invadida por uma espécie
extraterrestre. As criaturas chegam ao nosso planeta através de doze enormes
naves espaciais que se fixam em diferentes pontos do globo. Sem saber o que
esperar, vários cientistas, governantes e pessoas comuns em todo o mundo
unem-se para tentar encontrar respostas. Uma equipa de especialistas quer,
antes de qualquer tomada de posição, compreender as verdadeiras motivações dos
alienígenas.
É aqui que Louise Banks (Amy Adams),
uma das mais conceituadas linguistas do mundo, entra em ação, ao ser chamada
para tentar uma abordagem amistosa com os invasores. Ao seu lado, terá o
matemático Ian Donnelly (Jeremy Renner) e o Coronel GT Weber (Forest Whitaker),
formando uma equipa que terão como objetivo encontrar uma linguagem que possa
ser descodificada por ambas as espécies, para criar uma ponte de compreensão
mútua.
Denis Villeneuve tem-nos habituado
a filmes impactantes, não só a nível visual, mas também na forma como a
história se desenvolve. Surpreendente e misterioso, o realizador já nos tinha
mostrado, em filmes como Raptadas (2013),
O Homem Duplicado (2013) ou Sicário – Infilitrado (2015) esta sua
capacidade de nos envolver em histórias que nos fazem pensar e vibrar a cada
minuto - também em Blade Runner 2049, a
espetacularidade visual é o grande destaque. Arrival não é exceção e, neste filme de 2016, o Villeneuve consegue
explorar as duas vertentes de forma exímia.
Baseado num conto de Ted Chiang, este
filme de ficção científica é escrito por Eric Heisserer – argumentista de Bird Box, um dos filmes da Netflix que mais
sucesso fez nos últimos anos. Sem revelar o desfecho impressionante desta
película, a história é absolutamente surpreendente e, acima de tudo, envolvente, na parte final de Arrival. Quando as peças do puzzle
começam a unir-se e tudo ganha sentido, percebemos finalmente o quão genial consegue
ser esta história. O espetador vê-se obrigado a sair de um espetro passivo e
deixa de ser apenas um mero observador, envolvendo-se completamente na
narrativa. A grande reflexão que este filme nos traz é importantíssima: será
que a linguagem influencia, de facto, a nossa perceção do mundo e a forma como
agimos perante os outros? A hipótese Sapir-Whorf, também conhecida como
relativismo linguístico, mencionada a determinada altura por Louis no filme,
espelha isso mesmo. Esta teoria foi proposta nos anos 30 por dois linguistas - Edward
Sapir e Benjamin Lee Whorf – e diz-nos que as pessoas vivem segundo a suas
culturas em universos mentais muito distintos, exprimidos (e talvez determinados) pelas
diferentes línguas que falam.
A questão do tempo - a mistura
entre o que é passado, presente e futuro, até à fusão de uma linha narrativa
que se envolve completamente - é o elemento-chave desta obra de Villeneuve. O
realizador já nos tinha mostrado o quão bem consegue explorar o misterioso funcionamento do
cérebro humano e as consequências que isso tem na relação das personagens com
os outros. Mas em Arrival este facto
ganha outra perspetiva.
Visualmente, o filme não apresenta
grandes efeitos especiais – uma técnica recorrente em filmes de ficção científica –
e os que surgem são credíveis e bem executados. Este facto é uma mais valia,
pois concentramo-nos na ação da narrativa e não na espetacularidade técnica do
filme. O som é também um dos elementos mais fortes desta película, ao assumir
uma importância enorme na construção de um ambiente muito específico na relação
entre humanos e extraterrestres e até entre as próprias personagens humanas da
história. Este é, por isso, um filme humanizado, que se concentra nos efeitos das ações
daqueles seres e não na ação visualmente explícita. Ainda assim, a realização e
a direção de fotografia de Arrival não
deixam de merecer aplausos. Aliás, o filme arrecadou, inclusivamente, um Óscar
da Academia para Melhor Edição de Som, tendo ainda sido nomeado em mais sete
categorias, entre elas a de Melhor Filme, Melhor Realização, Melhor Argumento
Adaptado e Melhor Direção de Fotografia.
No mesmo ano em que protagonizou Nocturnal Animals, de Tom Ford – outro filme
impactante lançado em 2016 – Amy Adams justifica a lista de seis nomeações para os Óscares, como Melhor Atriz, que já conta no seu currículo. Embora o seu talento seja inegável, em Arrival a personagem exige uma carga
dramática particularmente diferente do habitual, o que leva a que a partir de
determinada altura todo o filme seja levado pela sua brilhante interpretação. A
atriz lidera um elenco muito competente e, em grande parte, responsável pelo sucesso deste
filme.
Em suma, o que fica deste Arrival são as paisagens incríveis
filmadas pelo diretor de fotografia Bradford Young, as interpretações dos seus
protagonistas e a intensidade de uma história surpreendente até ao fim, que nos
é contada da forma mais adequada - não é absolutamente linear. Começamos por estar tão confusos
como a própria Louise e é como se fossemos constantemente enganados e
esclarecidos pela narrativa, um facto que é fundamental para nos ligar àquela
personagem desde a primeira cena. Depois de vermos Arrival, dificilmente ficaremos indiferentes à reflexão que a obra
nos sugere. A importância da linguagem numa civilização e a perceção que temos
do tempo e do espaço passam a ganhar outra importância na nossa vida real.
André Pereira
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