COMING UP | ÉLITE
Entre o thriller,
o adolescente e as mensagens morais, Élite regressa em boa hora para falar
de cedências, aparências, mas sobretudo família. A terceira season pode
até não ser tão bem conseguida como a última, mas oferece-nos a sensação de
encerramento que qualquer fã merece. É eletrizante, mesmo com alguns arcos
desnecessários, com uma mensagem clara que vai aos poucos chegando a cada um
dos núcleos. Tal como já nos habituou antes, Élite vem trazer uma aula
sobre o desenvolvimento de personagem num guião muito mais estruturado que as
habituais tramas viradas para o público mais jovem. É o fim de um ciclo, consistente
e coerente sem perguntas sem resposta e ainda com espaço para imaginarmos à
nossa maneira o que pode acontecer com cada um daqueles protagonistas. A
premissa inicial até pode parecer chata, e dar-nos a sensação de que estamos a
assistir outra vez à mesma coisa, mas de facto não estamos. É apenas o círculo vicioso
de um grupo de estudantes adictos ao dinheiro, aos vícios, status social, mas
sobretudo aos problemas. Está à procura do que ver nestes dias? A Netflix
promete entretê-lo!
Chegou Élite,
e mais uma morte macabra para se juntar a Marina. Las Ensinas tem um gostinho
especial pelo drama, e por fazer justiça de uma maneira bem peculiar. Depois da
libertação de Polo e do gancho épico da última season, o início desta
nova leva de episódios começou morna dentro deste mistério. Sim, demos logo de
caras com uma nova investigação, com uma nova morte, mas mais do que o simples “quem
matou?”, desta vez os argumentistas esforçaram-se para cimentar as suas
personagens. Mesmo que isso afete o ritmo de cada capítulo, saber dar conteúdo
a Carla, Samuel, Nádia, Rebeca, Guzman, e todos os outros, foi talvez uma das
formas mais originais de nos recontar uma história que já vimos sem correr o risco
de ser apenas mais uma ou de nos cansar. A verdade é que conhecemos novas
versões da ideia que tínhamos sobre cada um, e até onde estão dispostos a ir
para conseguir o seu sucesso. O assassinato foi mais um fio condutor do que
tema central, é o elo de ligação, usado de forma muito mais discreta que o desaparecimento
de Samuel, mas nem por isso menos denso.
Apesar de todos
os pontos positivos no desenvolvimento de personagem e construção de
personalidade, Élite continua com a mesma falha que apontamos no ano
passado: A incapacidade de introduzir novos membros no seu elenco. Rebeca e Valério
estiveram completamente condicionados e moldados às vidas de Lucrecia e Samuel na
sua season de estreia, mas apesar do pouco desenvolvimento que tiveram
inicialmente conseguiram conquistar o seu espaço, ao contrário de Yeray e
Malick que parecem ter surgido apenas para que possamos concentrar toda a nossa
raiva neles. Chamem-me romântico ou pouco criativo, mas sejamos sinceros:
Ninguém gosta de ver um par destruído, muito menos quando a química que nos
transmite é nula dentro e fora do ecrã. Malick é a personificação de um
empecilho, cuja importância é zero e serve apenas para dar um nome às dúvidas
de Omar, enquanto falamos de um tema tão sério como o cancro. Por outro lado,
Yeray até tem um bom ponto de partida, com a mensagem de que temos de ser
empreendedores, mas sejamos sinceros: O discurso sobre bodyshaming não
estará um pouco mal retratado? Merecia uma outra abordagem e uma exploração sem
se focar num corpo tonificado. Queremos evitar o gozo, mas não podemos continuar
a vender os corpos “bombados” como a imagem da perfeição.
Yeray é um peão,
nas mãos do argumento e nas mãos da família de Carla. E aqui começamos o nosso diálogo
sobre cedências e família que define toda esta temporada final. Carla cedeu a
sua felicidade pelo dinheiro, Valerio dá o corpo pela droga, Samuel abdica da
amizade por justiça, Guzmán enterra o machado de guerra em prol do bem-estar de
Ander, e a lista podia continuar. A verdade é que todos vão aprendendo lições à
medida que deixam de parte alguns dos seus princípios, para perceberem que
estão a entrar numa outra fase das suas vidas e começarem realmente a
questionar a relação que têm entre si. União é palavra de ordem quando se tenta
definir o que foi este último ano no colégio. Enquanto se pararmos para pensar
percebemos que estamos a mergulhar num total desconstruir do psicológico de
todos os núcleos e uma certa jornada de redenção. Guzmán é, talvez, um dos
elementos que foi mais fundo nesta autodescoberta, na sua mudança de atitude
onde se deixa de lado a violência, a revolta e raiva para entender que tudo o
que precisa é de seguir em frente. O abraço entre Guzmán e Samuel depois do
rapto de Polo é uma das cenas mais marcantes de toda a história, ao lado de um
Samuel que parece ter absorvido toda a frustração para si, até entender que vai
longe demais para conseguir aquilo que, para ele, é o mais certo. Mesmo com
tudo isto, Carla e Lucrecia conseguem roubar os holofotes para elas. Carla foi
a menina que sempre teve tudo, que sempre conseguiu o que queria usando a sua
sensualidade e o título. Até ao dia em que o “feitiço se vira contra o
feiticeiro” e ela sente na pele tudo o que fez os outros passaram com uma manipulação
constante em que o apelido é sinónimo de pacto com o Diabo, numa guerra onde
vale tudo. O mesmo com Lu, que tinha o destino escrito ainda antes de nascer e
se vê sem nada, sozinha, e entende que mais do que dinheiro, a sua grande força
é a sua personalidade. Sozinha, sem o apoio de uma família da qual só tinha o
nome e os euros na conta, consegue entender o que custa a vida e do que
realmente precisa e que há energia suficiente nela para erguer do nada aquilo
que sempre teve, aquilo pelo qual competiu a vida toda. E é aqui que acontece
uma das cenas mais importantes da temporada, e uma lição para os mais
ambiciosos: Guzmán e Lu quase tiveram a sua milésima tentativa de resultarem,
até pararem e entenderem que chega, mais vale estarem sozinhos, mas felizes do
que juntos pelas aparências.
Numa série onde
as aparências são o foco, Nádia e o seu aparente conto de fadas provou que o
amor vem sempre de onde menos esperamos. É impossível ignorar a força do
diálogo entre Guzmán e o pai de Nádia e Omar que só vem provar que por muito
que a idade nos ensine, nem sempre somos capazes de parar para pensar no que é
realmente necessário. A idade não é um posto, e temos de saber ouvir até mesmo aqueles
que parecem não ter nada para acrescentar. Falando em Omar, este é o tema mais
delicado já explorado em Élite. O cancro de Ander vem dar um outro tom
ao argumento para nos fazer questionar se estaríamos dispostos a abdicar da
nossa liberdade numa relação. A abordagem da série, apesar de romantizada, não
deixa de ter um peso de verdade e de contar uma realidade com ela. Omar ficou
perdido e rendeu-nos momentos em que nos apeteceu parar de ver a série, com
cenas de sufoco para os fãs do casal e alguma controvérsia sobre se mereceu ou
não o final que teve. Valeu a compreensão de Ander, que finalmente teve um
destaque e foco merecido, e um lugar dentro da lógica central da temporada. Cancro
é um tema sério, a quimioterapia tem muito mais consequências do que a queda de
cabelo, e apesar de existir espaço para um desenvolvimento maior, já merece os parabéns
por introduzir o tema e dizer ao seu público que a doença pode chegar a todos,
seja em que idade ou classe social for. Ander foi, sem dúvida, o portador
perfeito para carregar a carga emocional que tudo isto exige.
Nota ainda para
falarmos sobre Cayetana que teve uma resolução lógica, poética e catártica com
menção à sua estreia em Las Ensinas. Tudo isto num conjunto de episódios bem
doseados e um arcaboiço de argumento para não deixar nenhum personagem longe da
“matilha”, de modo a nos apresentar que família não se escolhe. Por vezes até
mesmo os amigos podem vir do sítio menos óbvio para nos fazer crescer. A
justiça parece não rimar com Élite, mas tal como a vizinha La Casa de
Papel, não nos podem condenar por torcermos por quem não tem as ações mais
corretas, e por isso todo o momento em que os personagens metem as divergências
de lado para que todos consigam terminar de viver com medo é quase de levar às
lágrimas. Num mundo em que todos são tão diferentes, o encerramento mostra-nos
que no final todos sofreram, juntos. Nem tudo ficou definido, não sabemos ainda
se por opção do argumento para deixar o futuro dos personagens nas nossas mãos
ou se a Netflix se está a preparar para criar a sua versão de Morangos com
Açúcar ou New Wave, com Omar, Ander, Guzmán e Samuel a servirem de
guias aos novos alunos de Las Ensinas. Antologia ou spin-off? Tempo de criar
teorias!
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