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COMING UP | Birds of Prey


Uma Harley Quinn sem Joker e uma Margot Robbie a superar-se para lá da marca registada da sua personagem. Birds of Prey não tem a profundidade habitual da DC Comics no cinema, mas tem humor na dose certa para fazer da película uma excelente experiência. Não é uma fita grandiosa de super-heróis nem uma sinopse que realmente traga algo de absolutamente novo, mas entrega consigo todo o backgound da Banda Desenhada com personagens que têm salpicos dos tempos atuais. Depois do sucesso de Joker de Joaquin Phoenix, a Warner parece ter voltado a uma direção muito mais próxima de Shazam mas nem por isso falhou. Birds of Prey tem os seus defeitos, mas é sobretudo uma história divertida com Margot Robbie a mostrar que os seus últimos projetos a fizeram repensar na sua própria interpretação da anti heroína de Batman. Vale a pena o bilhete ou é uma viagem subvalorizada? Vamos descobrir!

Este é claramente um pontapé de saída para uma nova franquia, e isso nota-se no próprio guião que nos introduz personagens novas desde o início até ao final sem se preocupar com o tempo de ação que perde. A narrativa por detrás da aventura da agora ex-companheira do palhaço que é príncipe do crime, é até uma coisa bastante episódica como um pilot de uma nova série desenhada da mesma forma que um capítulo de Gotham ou de um novo spin-off do Arrowverse. Apenas com uma pitada a mais de efeitos especiais, um design de produção mais colorido e algumas sacadas já clássicas do novo tom que a Warner Bros quer dar ao selo do DC Universe no grande ecrã. A linguagem é mais crescida, mas não perde o rumo ao ponto de se tornar em algo completamente oco. A longa-metragem tem realmente conteúdo sem se levar demasiado a sério ao ponto de passar algum tipo de mensagem preocupando-se muito mais em trazer-nos para o universo atípico onde as Birds que vão compondo a equipa vivem. Podia ter um storytelling melhor trabalhado? Podia, afinal nas últimas cenas da sessão entendemos que esta é uma sequência que podia ter Harley Quinn ao leme ou uma qualquer outra figura da BD. Existem conexões com as bases da personagem, contudo não há sequer uma citação com os eventos de Suicide Squad. Há um pequeno lembrete sobre o vilão de Jai Courtney da franquia quando Harley visita a prisão, porém o intérprete de Captain Boomerang nem sequer é uma presença confirmada na sequência de James Wan.


Mesmo que tudo seja alicerçado em algo superficial, a trama ganha pela forma como nos é embrulhada, com um humor bem peculiar e feminino sem cair no ridículo de moldar-se ao brejeiro e estereotipado. O tipo de piada é quase infantil, no mesmo jeito com que Harley Quinn vive a sua vida, e com o cuidado extremo de não se tornar sexista. É a transposição fiel do que se lê nas histórias de banda desenhada, mas com Harley a despir-se da sua fórmula sedutora para usar o seu lado mais intelectual ou brincalhão como arma. Isto é uma das grandes diferenças da história: Dar-nos um drama protagonizado por mulheres sem lhes colocar rótulos de “boazonas” ou das diminuir a “burras” como acaba por transparecer noutros títulos como Charlie’s Angels ou no remake de Ghostbusters, fazendo com que esta seja uma obra que faz o público feminino rir em vez de sentir alguma vergonha alheia do retrato apresentado. Da brincadeira com o elástico, até à forma como se aborda o machismo que certas profissões têm quando se trata de atribuir os devidos louros a alguém do sexo feminino tudo está lá na dose certa para que preencha os “padrões da normalidade”. Óbvio que a essência rebelde e ousada de Harley está lá, mas ser sexy não significa ter de ficar duas horas de filme com um decote a servir de pano de fundo.

Já falamos muito de Harley, e o motivo é bem simples: Este não é um filme sobre Birds of Prey, é sim uma aventura singular da antiga psiquiatra de Arkham. Toda a linha temporal do plot se baseia na visão da jovem, é ela que conduz e segura as pontas sem deixar espaço para que as outras personagens sejam realmente um destaque digno e título. Ela é a muleta para prender a audiência e no resumo das contas sabemos um pouco de todas as integrantes, mas apenas o estritamente para entendermos as suas motivações. Apesar de toda a sequência se desencadear a partir da personagem de Cassandra Cain conhecemos zero sobre o passado que a levou a entrar no mundo do crime. Dinah Lance trouxe algo bem familiar de Arrow para o Cinema com uma abordagem diferente e uma origem que ficou ainda por explorar e que poderia até ser confusa para quem assiste a uma sessão sem ter informações prévias sobre o que é o manto de Black Canary. Com uma personalidade e drama bem mais interessante, The Hundress foi descoberta só no último ato e mostrou que ainda é alguém em construção dentro deste universo, é o apalpar de terreno para algo que ainda vai colher os seus frutos. Renee Montoya é a única que pode chegar perto dos calcanhares de Harley Quinn em termos de exploração e construção de personagem, o seu arco foi um destaque positivo e é talvez a única ponta da película que chega a tocar em algo polémico na sua mensagem subliminar. Toda a sequência final deixou como ponto assente que estas perguntas sem resposta não são um acaso e que são argumento para o futuro de Birds of Prey, no entanto ficou o sabor agridoce pela falta de informação que nos foi oferecido neste primeiro lançamento da franquia.


Do elenco já é suficiente referir que Margot Robbie carregou tudo nas costas do talento incrível e pela maneira como conseguiu dar uma identidade a uma personagem tão clássica. Margot trouxe verdade e moralidade q.b. para uma figura que salta de uma era antiga para uma época nova, dando-lhe os ajustes necessários e provando que entre Suicide Squad e Birds of Prey ela evoluiu como atriz, mas mudou também o entendimento que tem desta personagem. É um processo criativo que mostra o quão vinculadas estão a intérprete e personagem, na mesma onda que Joaquin Phoenix e Joker, mas aqui num registo completamente oposto em que o toque é de comédia. É um retratamento público de um ícone sexual pela atuação de uma das grandes estrelas da new wave de Hollywood. Por outro lado, Ella Jay Basco deu uma versão inexperiente de Casandra Cain aos fãs, mostrando que ainda há muitas arestas por limar e que talvez lhe tenha escapado o objetivo dos guionistas. Uma pequena falha colmatada com o talento de Ewan McGregor que, apesar de ter sido em parte desperdiçado por uma direção que se focou demasiado em nos entregar o ponto de vista de Harley Quinn, ainda conseguiu oferecer um vilão divertido, integrado com o contexto que nos é apresentado pela premissa, e uma contracena excelente com Chris Messina e o seu Victor Zsasz. Nesta que é uma verdadeira releitura do clássico, para quem se habituou a crescer com os dramas de Gotham a última coisa que lhe passou pela cabeça era imaginar que um dos maiores mercenários da cidade tinha na verdade uma paixão não correspondida por um dos criminosos a quem jurou lealdade. O argumento nunca nos chega a dizer isso cara a cara, mas fica bem subentendido que Birds of Prey jogou o jogo do Queer Baiting, e aqui conseguiu um fator de inovação e novidade que poderia ter ido ainda mais longe no seu desenvolvimento.

É sobretudo algo alegre, uma carta livre de preconceitos e com a energia e cores suficientemente apelativas para nos prender logo desde os primeiros segundos. É algo demasiado básico em alguns pontos, mas provavelmente um mal necessário para a construção do seu próprio universo e para deixar bem claro o que virá por aí nos próximos anos. Sente-se que existiu algum pudor em entregar a obra com Harley Quinn como única protagonista, quando em termos práticos é o que acontece, e o que chega a ser até um pouco estranho quando falamos do estúdio que apostou em Wonder Woman para uma longa-metragem solo antes da Marvel sequer ter intenções de o fazer com as suas heroínas. Mas é uma solução ganha da Warner, que volta a cortar com o seu passado pesado e mostrar que o caminho não é copiar a concorrência nem oferecer algo complexo, apenas o meio termo para agradar os fãs e o público geral. Há acertos claros na personagem e no humor que se assumem como uma tomada de posição, mas é no seu todo a prova de que não são precisas grandes superproduções ou superpoderes para entregar uma boa história baseada em Banda Desenhada. Vamos para a sequência?