Viajar porque Sim #4 | Dois dias no Porto
A nossa cidade invicta está cada
vez mais bonita e surpreendente. Sempre que a visito descubro algo que ainda
não tinha visto, e mesmo assim ainda fica muito por ver. É por isso que neste
primeiro artigo de 2020 vos proponho um roteiro para conhecerem (ou
revisitarem, porque não?) o essencial da acolhedora e multifacetada cidade do
Porto.
Dia 1
Vamos começar o primeiro dia bem
cedo no coração da cidade, onde muitos portuenses festejam a passagem de ano e
outros acontecimentos: a Avenida dos Aliados. No topo desta avenida erguem-se
os lindíssimos Paços do Concelho. Sabiam que este icónico edifício começou a
ser construído em 1920 mas só foi terminado em 1955? A soberba torre central
tem 70 metros de altura e um relógio de carrilhão, e à frente do edifício há
uma imponente estátua de bronze de Almeida Garrett, ali colocada em 1954 para
comemorar o centenário da morte deste escritor portuense. Todo o conjunto
arquitectónico da avenida é magnífico e continua bem preservado, apesar de grande
parte dos seus edifícios mais emblemáticos estarem agora ocupados por negócios
triviais.
Ao fundo da avenida, já na Praça
da Liberdade, não há como resistir a parar na Arcádia para comprar os famosos
chocolates (fabricados artesanalmente desde 1933), ou beber um café acompanhado
de um dos seus variados e deliciosos quindins ou outra gulodice no género.
Afinal de contas, há que providenciar energia para os vários quilómetros que
vão ser percorridos – a pé! – durante este dia.
Viramos à direita e subimos até à
Igreja dos Clérigos, a obra de Nicolau Nasoni que é o ex-libris do Porto. Visita imprescindível, embora
seja necessário “trepar” 225 degraus em espiral para chegar ao topo, pois é do
alto dos 75 metros da sua torre de granito escuro que temos uma vista ímpar de
360 graus sobre o Porto em toda a sua extensão. A torre abriga o Museu da Irmandade
dos Clérigos (a visita está incluída no bilhete), cujo diversificado património
de arte religiosa remonta ao século XIII, e dá-nos também a possibilidade de
ver a partir de um plano mais elevado o interior da harmoniosa igreja barroca,
onde predominam o mármore rosa e a talha dourada.
Torre dos Clérigos
http://www.torredosclerigos.pt/pt/
R. de São Filipe de Nery, 4050-546 Porto
Horário: 9h-19h (o horário difere nos dias 24, 25 e
31 Dezembro e no dia 1 Janeiro)
Informações: telefone 220
145 489 email: info@torredosclerigos.pt
Do outro lado da Praça de Lisboa
há mais uma visita obrigatória: a Livraria Lello. Aqui temos de nos munir de
muita paciência para enfrentarmos não uma, mas duas filas. A primeira é para
comprar os bilhetes, numa loja ao lado, onde também estão os cacifos para
guardar mochilas e sacos grandes (trancam com moeda, que é depois devolvida),
que não são permitidos no interior da livraria. Bilhete na mão, há que esperar
noutra fila até sermos autorizados a entrar, e a duração desta espera vai
obviamente depender da afluência. Que é sempre muita, note-se. Longe vai o
tempo em que a Lello era “simplesmente” uma maravilhosa livraria conhecida pela
sua fachada neogótica e interiores revoluteantes em estilo Arte Nova, onde se
inclui a famosa escadaria de madeira com os degraus revestidos a vermelho.
Ainda assim, apesar de sempre a abarrotar de visitantes, continua a ter uma
atmosfera especial, com as suas paredes totalmente forradas de livros e a luz
filtrada pelo singular tecto em vitral.
Livraria Lello
https://www.livrarialello.pt/pt-pt/
Rua das Carmelitas 144, 4050-161 Porto
Horário: 9h30-19h (o horário difere nos dias 24 e
31 Dezembro; encerrada: 1 Janeiro, Domingo de Páscoa, 1 Maio, 24 Junho e 25
Dezembro)
Informações: telefone 222
002 037 email: info@livrarialello.pt
Virando a esquina estamos na
Praça de Gomes Teixeira, com a Fonte dos Leões ao centro, o edifício Art Deco
dos Armazéns Cunhas, e as interessantes igrejas gémeas dos Carmelitas Descalços
e do Carmo, com a lateral desta segunda igreja revestida com um painel de
azulejos em azul e branco.
Voltamos aos Clérigos e
continuamos a descer até à Rua das Flores, uma das ruas mais representativas do
Porto, em tempos habitada pela aristocracia urbana da cidade, à qual se devem
belos edifícios como a Casa dos Cunha Pimentel (números 2 a 12), a Casa dos
Maias (números 21 a 39), a Casa dos Sousa e Silva (números 79 a 83), ou a Casa
dos Constantinos (número 139). É também nesta rua que encontramos a Igreja e
Museu da Misericórdia, a nossa próxima paragem. Apesar da fachada barroca
(também da autoria de Nasoni), o interior da igreja é mais “leve” do que o
esperado, com as suas paredes revestidas a azulejo, as madeiras pintadas de
branco com apontamentos em talha dourada, e os seus dois lustres compactos e
luminosos. O Museu tem um acervo formidável que, ao contrário do que se poderia
esperar, não é só de arte sacra. As várias colecções estão bem organizadas no
espaço expositivo, o que faz com que a visita não se torne maçuda.
Museu e Igreja da Misericórdia do
Porto
http://www.mmipo.pt/pt-pt/
Rua das Flores 15, 4050-265 Porto
Horário: Verão (1 Abril a 30 Setembro) 10h-18h30
/
Inverno (1 Outubro a 31 Março) 10h-17h30 (encerrado: 1 Janeiro, 24 e 25
Dezembro)
Informações: telefone 220
906 960 email: geral@mmipo.scmp.pt
A Rua das Flores desemboca no
Largo de São Domingos, em frente ao Palácio das Artes. Descendo pela Rua
Ferreira Borges encontramos do lado esquerdo o Mercado com o mesmo nome,
construção inconfundível em ferro fundido pintado de vermelho, que data de
finais do século XIX e funciona actualmente como local de espectáculos. Do lado
direito, já na Praça do Infante, o Palácio da Bolsa. Neste também emblemático
edifício do Porto (não tanto pelo seu exterior mas sobretudo pelos interiores),
as visitas são guiadas e há que ir à bilheteira marcar previamente a hora de
entrada. O tempo de espera será certamente suficiente para visitar a famosa
Igreja de São Francisco, que fica mesmo ao lado e é mais um exemplar sui generis da arquitectura religiosa da
cidade. A fachada é gótica com alguns acrescentos barrocos, mas é o interior da
igreja do convento que verdadeiramente nos impressiona: paredes, tectos,
colunas, retábulos, tudo está completamente revestido de talha dourada – segundo
consta, terão sido usados 400 quilos de ouro na decoração deste monumento
nacional.
Igrejas e Museu São Francisco do
Porto
http://ordemsaofrancisco.pt/igrejamuseu/
Rua do Infante Dom Henrique,
4050-297 Porto
Horário: Novembro a Fevereiro 9h-17h30 / Março
a Junho e Outubro 9h-19h / Julho a Setembro 9h-20h
Informações: telefone 222
062 125 email: museu@ordemsaofrancisco.pt
Voltamos ao Palácio da Bolsa. É
um edifício de estilo neoclássico, que pertence à Associação Comercial do Porto
e cuja construção se iniciou em 1842 mas só ficou totalmente concluída em 1909.
A decoração das várias salas e espaços de circulação no seu interior decorreu
ao longo de cinquenta anos, e tudo foi concebido para impressionar quem visita
a instituição – começando pela entrada, o Pátio das Nações, com a sua
magnificente cúpula em ferro e vidro, e terminando no Salão Árabe, a sala mais
fabulosa do Palácio (inspirada no Alhambra), uma maravilha onde foram
utilizados quase vinte quilos de ouro e que demorou 18 anos a concretizar. A
visita guiada demora cerca de 45 minutos.
Palácio da Bolsa
https://palaciodabolsa.com/
Rua Ferreira Borges, 4050-253 Porto
Horário: Novembro a Março 9h-13h e 14h-17h30 / Abril
a Outubro 9h-18h30
Informações: telefone 223
399 013 email: turismo@cciporto.pt
O que sobrar do dia vamos
passá-lo nas margens do Douro. Descemos à Ribeira, com as suas casas
recuperadas e pintadas de cores garridas e sempre fervilhante de gente.
Atravessamos o rio pelo tabuleiro inferior da Ponte Luiz I e continuamos pelo
Cais de Gaia, observando as gaivotas e o movimento dos barcos rabelo, hoje em
dia atarefados a passear turistas ou ancorados para fins decorativos,
espreitamos na Rua Dom Afonso III o “Coelho” de Bordalo II, e finalmente
instalamo-nos numa esplanada para descansar, enquanto tomamos um aperitivo e
vemos o sol a pôr-se para os lados da Foz.
Uma última nota: é possível comprar, em qualquer das instituições, um
bilhete único para visitar os Clérigos, o Museu da Misericórdia e o Palácio da
Bolsa. Fica bem mais barato do que comprar os ingressos em separado, e não é
obrigatório que as visitas sejam todas no mesmo dia.
Dia 2
Passear pelo Porto implica uma
boa dose de subidas e descidas. Se no primeiro dia o percurso foi sobretudo a
descer, hoje começamos em sentido inverso. Partindo da Ribeira, vamos subir até
à Batalha. Mas não fiquem já preocupados, que não vamos pela escadaria íngreme
que liga estes dois pontos: o Funicular dos Guindais está à nossa disposição. Projectado
em 1891 por Raul Mesnier, foi encerrado ao fim de apenas dois anos após um
acidente e não voltou a funcionar durante mais de um século. Recomeçou a operar
em 2004 sob gestão do Metro do Porto, depois de totalmente reformulado, e
apesar de a viagem só durar uns curtos minutos, vale muito a pena. A subida lenta
da carruagem acompanha um troço da Muralha Fernandina, com vista directa para a
Ponte Luiz I, e entra depois num túnel para nos deixar junto à Rua Saraiva de
Carvalho. Seguimos até à Avenida Vimara Peres, que dá acesso ao tabuleiro
superior da ponte – onde apenas podem transitar peões, bicicletas e as
composições do Metro. Daqui temos novas perspectivas sobre a cidade, os
telhados a formarem uma manta de retalhos declinada em tons alaranjados, alguns
barcos de cores vivas destacando-se no cinza pardo das águas do Douro.
No final da ponte já estamos em
território de Gaia. Passamos o terminal do teleférico e o Jardim do Morro e subimos
pelo acesso ao Mosteiro do Pilar, outro miradouro com vistas privilegiadas para
o Porto. O complexo do Mosteiro foi construído no século XVI e é mais um
monumento religioso único no género, com a sua igreja e claustro circulares,
concebido no estilo maneirista.
Mosteiro da Serra do Pilar
https://www.culturanorte.pt/pt/patrimonio/mosteiro-da-serra-do-pilar/
Largo de Aviz, 4430-329 Vila Nova de Gaia, Porto
Horário: de terça-feira a domingo
Verão (1 Abril a 30 Setembro) 10h-18h30
/
Inverno (1 Outubro a 31 Março) 10h-17h30 (encerrado: feriados e 2
fim-de-semana de cada mês)
Informações: telefone 220
142 425 email: patrimonioanorte@culturanorte.gov.pt
Voltamos pelo mesmo caminho para
depois continuar até à Sé Catedral, um dos monumentos com origens mais remotas
do nosso país. A construção original data do século XII e apesar das sucessivas
alterações de que foi alvo ao longo dos séculos ainda hoje se notam os traços
do seu estilo românico primário e o seu carácter robusto, quase bélico. No
interior, a abóbada da nave é suportada por arcobotantes imponentes, que
contrastam com a profusão de elementos em talha dourada do altar-mor e das
capelas, e as galerias do claustro gótico estão cobertas de painéis de azulejos
pintados em azul e branco, alguns com cenas religiosas.
Sé Catedral do Porto
https://www.culturanorte.pt/pt/patrimonio/se-do-porto/
Terreiro da Sé, 4050-573 Porto
Horário: de terça-feira a domingo
Verão (Abril a Outubro) 9h-12h30
e 14h30-19h (claustro: 9h-18h30) / Inverno (Novembro a Março) 9h-12h30 e
14h30-18h30 (claustro: 9h-12h15 e 14h30-17h30) (encerrado: domingos e
festividades religiosas, incluindo Natal e Páscoa)
Informações: telefones 226
197 080 e 222 059 028 email: geral@culturanorte.gov.pt
Um pouco acima da Sé encontra-se Estação
Ferroviária de São Bento, cujo átrio é ponto de visita obrigatória. Está
inteiramente forrado com azulejos (são “só” 20 mil…), uns em azul e branco
representado cenas históricas e etnográficas, outros mais coloridos e dispostos
num friso onde se conta a história dos meios de transporte.
Seguimos para a direita pela Rua
Sá da Bandeira, passando pelo teatro e pelo Mercado do Bolhão, que continua em
obras. O mercado temporário está a funcionar mais acima, nas instalações do
centro comercial La Vie, ao pé da pequena (e também revestida com azulejos)
Capela das Almas. Ao lado da capela passa a famosa Rua de Santa Catarina, que
vamos descer. Ao chegar à Rua Formosa fazemos um pequeno desvio para ver (no
número 279) a Pérola do Bolhão, uma mercearia que tem estado em actividade
contínua desde 1917 e mantém a lindíssima fachada Arte Nova original feita pela
Fábrica do Carvalhinho, de Gaia. Continuamos a descer Santa Catarina, entre
lojas e edifícios incaracterísticos intercalados com outros mais interessantes,
e chegamos ao nosso destino final: o café Majestic, mais uma jóia Arte Nova no
Porto – e também mais uma “vítima” do crescimento do turismo nesta cidade.
Aquele que foi em tempos um café apenas algo mais sofisticado do que os outros
é agora um lugar da moda, dispendioso, com segurança à porta e por vezes com
filas para entrar. Ainda assim, é de perder o amor ao dinheiro e visitar, nem
que seja para tomar qualquer coisa simples. Aberto desde 1921 e renovado entre
1992 e 1994, o Majestic é sem sombra de dúvida o café mais bonito do nosso país
e um dos mais belos do mundo. A fachada chama a atenção, mas o interior é ainda
mais exuberante, com espelhos nas paredes e madeiras trabalhadas em formatos
intrincados. Beber um café ou chá, lanchar, ou mesmo comer uma refeição maior
(também funciona como restaurante) no ambiente sofisticado e único do Majestic
é uma experiência de que vale a pena usufruir nem que seja uma vez na vida. A
juntar a todas as outras experiências que o Porto nos proporciona.
Majestic Café
https://www.cafemajestic.com/pt/Utilidades/Homepage.aspx
Rua Santa Catarina 112, 4000-442 Porto
Horário: de segunda a sábado 9h-23h
Informações: telefone 222 003 887 email: info@cafemajestic.com
Reservas: reservas@cafemajestic.com
Conhecer uma cidade tão rica como
o Porto não se esgota, como é óbvio, em dois dias. Há muito mais para ver e
fazer, mas deixo aqui apenas mais uma sugestão. Se tiverem um dia extra disponível,
dediquem-no a Serralves. O museu, a casa e sobretudo o parque são fascinantes e
merecem uma visita bem demorada. Serralves é mais um dos muitos encantos do
Porto.
Viajar porque Sim #4
por Ana CB / Janeiro de 2020
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