Fantastic Entrevista - Yolanda Rebelo
1 Yolanda Rebelo é bailarina e professora de Dança Oriental nacional com cerca de 20 anos de carreira. Nesta entrevista, falou-nos do surgimento da sua paixão pela Dança, das recentes mudanças na sua carreira, novidades sobre o evento "O Ventre em Nós" e "Authentika", da participação do videoclip 'Seja Agora' dos Deolinda, a sua opinião sobre a Dança Oriental nacional, entre outros temas.
1. Como surgiu a tua paixão pela Dança e em particular pela Dança Oriental?
1. Como surgiu a tua paixão pela Dança e em particular pela Dança Oriental?
Pela Dança não me lembro, foi desde criança, mas para mim
nunca foi só a Dança, era também a música, o acting, o canto…lembro-me de ter 5
anos e chorar para os meus pais, zangada, porque não tinha nascido na América.
Eu queria ir para a Broadway!...
Pela Oriental foi em 1998, num workshop que fiz com a Myriam
Szabo. Soube desde essa altura que iria ser uma dinamizadora de grupos de mulheres
através da Dança Oriental. Estava com uma anorexia e a Dança Oriental salvou-me
porque me deu o amor por mim que eu não sentia na altura.
2. Quais
são as tuas maiores influências artísticas?
- As outras Danças todas que não são a Dança
Oriental, pois é através disso que torno a minha Dança Oriental original;
- A História da Dança Oriental, que tem uma
riqueza enorme de conteúdo para o meu trabalho;
- Os meus mestres das várias danças que
aprendi, pois se os escolhi é porque já me inspiravam antes;
- Os meus colegas de trabalho: bailarinos,
músicos, actores, performers;
- Os meus alunos que me dão imensas ideias;
- A minha experiência de vida, os meus desgostos
e as minhas alegrias.
3. És uma
bailarina multifacetada que dança Tango Argentino e Dança Oriental e que também
se dedica à Fusão das duas. Podes contar-nos quais as principais semelhanças e
diferenças entre estas expressões artísticas?
Eu não me dedico à fusão das duas
danças. Em 20 anos, dancei Dança Oriental ao som de Tangos contemporâneos cerca
de 2 vezes e uma vez ao som de uma Milonga, mas também o fiz com música latina,
cabo verdiana, grega, etc, o que está longe de ser uma fusão. Ao nível
constante faço é fusão da Dança Oriental com o Flamenco desde 2003. A única
fusão de Tango que faço é dançar Dança Oriental em eventos de Tango, mas isso
não é uma fusão das duas danças.
4. Recentemente
deixaste de dar aulas de grupo para te dedicares às aulas privadas e também à
produção de eventos. Porque é que tiveste a necessidade de fazer esta mudança
na tua carreira?
Nunca tive dinheiro para ter o meu
próprio estúdio de dança e por isso para desenvolver o meu Projecto Escola
YolandaDance tive de fazer parcerias com vários espaços, ceder a regras com que não
concordava e pagar rendas que às vezes custavam lágrimas de sangue. Também
não tinha tempo para produzir espectáculos e dançar tanto quanto queria, por
causa da gestão da escola. Tive excelentes anos em que me diverti imenso e
pensava “Nem acredito que me pagam para fazer isto! Sou mesmo feliz!”, mas as
coisas mudaram e a minha paixão passou a ser um emprego só para pagar as contas
e eu uma escrava do trabalho! Cansei-me porque estava a perder o prazer de
dançar, ou seja, a razão da minha existência.
Assim sendo, mudei a minha vida. Agora
só faço o que me apetece e como me apetece e me faz sentido. Adoro dançar,
ensinar e coreografar. Estas 3 actividades têm de estar equilibradas com os
meus valores artísticos. Como artista tenho de comer, mas não posso vender a
alma ao diabo pelo dinheiro, senão morro.
Quero produzir os meus espectáculos
e vejo isso como o meu futuro quando me reformar como bailarina, pois tenho uma
criatividade enorme e sei que é um recurso de ideias inesgotável. Nesse sentido
vejo-me no futuro não só como coreógrafa, mas como formadora de bailarinas.
Actualmente já faço várias mentorias personalizadas para bailarinas e
professoras de Dança Oriental e paralelamente também desenvolvo o ensino da
Dança Oriental para mulheres que se querem trabalhar a si mesmas como pessoas e
trabalhar a sua auto-estima, dando os primeiros passos nesta dança sem a
pressão de terem que subir ao palco em poucos meses. Faço um ensino
personalizado com objectivos diferentes de acordo com as pessoas.
Como bailarina, tenho cada vez mais
requisitos. Se não me faz feliz determinado trabalho, não volto a repeti-lo! Há
uma grande dose de loucura na artista que sou e uma grande necessidade de me
sentir livre. Se eu estiver feliz, consigo transmitir essa felicidade aos outros
através do meu trabalho e ser um catalisador da sua evolução. Se eu estiver
infeliz, não sirvo para nada. Há que mudar, sempre em busca do um melhor
bem-estar!
5. Quais são
os teus objectivos e projectos enquanto produtora?
Os objectivos são os mesmos do Projecto
Escola YolandaDance e dos meus Espectáculos: o Desenvolvimento Pessoal através
da Dança Oriental e do Tango Argentino. Por enquanto há dois já divulgados que
é “O Ventre em Nós” e o “Authentika” e o resto irei revelando aos poucos no
momento certo.
6. Para além
de professora, há 20 anos que trabalhas como bailarina em diversos eventos por
todo o país. Que tipo de clientes te contactam e em que tipo de eventos a Dança
Oriental costuma marcar presença?
Bom, em 20 anos já passei por muita
coisas e muitas fases. Há os eventos de dança em que vou gratuitamente, que dão
prestígio e não dão dinheiro (não faço muitos porque não pago para dançar), depois
danço em casamentos, batizados, festas de empresas, aniversários, etc, já quase
não danço em bares (só alguns em especial de pessoas que quem gosto), trabalho
há mais de 10 anos nas Feiras Históricas, e em todos os eventos que buscam uma
bailarina versátil e cheia de pormenores como eu, que apresenta coisas
originais. Os clientes que me procuram sabem que vou apresentar algo
diferenciado, ou seja, se querem barato e fácil, não é comigo que falam. Os
espectáculos que me dão mais gozo são os musicais e já tive a oportunidade de
dançar e de coreografar para alguns e os espectáculos de palco que produzi como
o “FlamencOriental” em parceria com a Marta Chasqueira, que correu os palcos de
Norte a Sul de Portugal e que conseguimos vender a alguns Casinos e Autarquias.
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7. Danças em
muitas feiras medievais por todo o país. Como é recebida a Dança Oriental
nestes contextos?
Depende da
qualidade da bailarina e da quantidade de carne que tem à mostra. Se apresentas
um trabalho sério, de qualidade, respeitam-te. Se as entidades que nos
contratam optam pelo barato em quantidade e pouca técnica, a Dança Oriental é
mal vista, mas não é tão mau como uma bailarina demasiado descascada.
Os
trabalhos nas Feiras Medievais estão cada vez mais banalizados, colocam as
bailarinas a dançar com grupos de música folk, sem ensaios prévios. As
entidades querem pagar menos e a qualidade das bailarinas desce. Também estou a
retirar-me aos poucos de certos formatos em que já trabalhei para cada vez mais
apresentar os meus espectáculos previamente armados. Até agora têm tido uma
recepção muito boa porque eu distingo entre um neo-tradicional à época e a fantasia.
Dá trabalho, mas marca a diferença pela qualidade.
8. Quais as
diferenças e os maiores desafios entre dançar em bares árabes e feiras
medievais de dançar nestes contextos?
São coisas completamente
diferentes. Nos bares não sei que não conheço muitos. Nos poucos que já dancei
foi sempre ter de improvisar algo interessante num micro espaço em cima das
pessoas.
Nas Feiras o desafio é outro. O
trabalho nas Feiras assemelha-se a uma maratona (dançar num Festival seria um
“sprint”, por exemplo). Tens de ter endurance para dançar muitas vezes ao longo
de um dia inteiro, durante vários dias, sempre de improviso, em chão de rua, em
andamento, para um público que não controlas e não sabes como se vai comportar
e, às vezes, com música que não conheces! E durante todo esse tempo estás a ser
fotografada e filmada e vais parar ao Instagram de uma data de gente ao mesmo
tempo! E podes ter uma colega ao teu lado que pouco ou nada sabe, copia tudo o
que tu fazes e ganha o mesmo que tu! É dose!
9. Em 2013 foste uma das bailarinas que participou no videoclip “Seja
Agora” da famosa banda nacional Deolinda. Como surgiu este convite e como foi
esta experiência?
Foi um convite da Piny e estou-lhe
imensamente grata pela oportunidade! Nessa altura eu trabalhava na Jazzy e
estava conhecer o mundo das danças urbanas. Era tudo novo! Adorei a experiência
da gravação do videoclip e de conhecer a Ana Bacalhau e os Deolinda. O
resultado do trabalho foi brilhante. Ainda hoje a música “Seja Agora” mexe
comigo. Tenho muito orgulho de ter feito parte desse projecto, mas não dancei
Dança Oriental, dancei Flamenco.
10. A terceira edição do evento ‘O Ventre em Nós’, que organizas com a tua
companheira e amiga Sara Naadirah, irá decorrer no dia 15 de Fevereiro de 2020.
Podes desvendar um pouco sobre o que vai acontecer no mesmo?
O Ventre em Nós é a partilha da
nossa Dança Oriental, de como nós chegámos ao sítio onde estamos hoje enquanto
bailarinas e artistas. Em todas as edições isso mantém-se e vai variando o tema
do Workshop. No espectáculo fazemos algo meio louco, dançamos e falamos com o
público, respondemos a perguntas, contamos a nossa história, é um espectáculo-aula-tertúlia.
Não é uma imitação de um modelo, foi algo que me surgiu depois de um evento que
organizei com a Iris em 2015, em que trouxemos a Paula Lena a Portugal e no
qual a Sara era convidada. No final do espectáculo, a Paula Lena decidiu falar
com o público e abrir perguntas. O elenco sentou no chão e saiu dali uma
tertúlia. Meses depois saiu do meu cérebro “O Ventre em Nós”. Falei com a Sara
e ela identificou-se imediatamente com o projecto. A Sara e eu funcionamos
lindamente, somos completamente diferentes na Dança, mas pensamos da mesma
maneira. Ao nível artístico sinto-me muito completa com a presença dela porque
nos complementamos. Fica um Todo que é mais que a soma das partes. Adoro
trabalhar com ela!
“O Ventre em Nós” é a passagem do nosso
testemunho sem poses de diva. Ensinamos tudo o que pudermos ao público que nos
vem ver. É a nossa dádiva. Ficam a conhecer os porquês do nosso trabalho e não
só o produto final. É uma coisa espectacular! Tentamos envolver sempre novas
pessoas no evento, mas é algo bastante intimista, quer no espectáculo, quer nas
aulas.
11. Em 2019, fundaste um novo projecto, o Authentika. Podes falar-nos um
pouco sobre este novo evento nacional de Dança Oriental?
É o degrau acima de “O Ventre em
Nós”. Neste caso, o objectivo é trabalhar o sentido de comunidade de Dança
Oriental em Portugal. Neste evento é tão importante o folclore, como o
clássico, como a fusão. São importantes as bailarinas de Norte a Sul de
Portugal, todos os estilos e todos os níveis. O objectivo é a união, por isso
escolho convidar a minha professora Paula Lena que tem um trabalho transversal
a vários estilos e pode ajudar ao desenvolvimento de vários tipos de
bailarinas. Na próxima edição, em 2021 já terei mais professoras nacionais e
umas alterações no formato. E o Authentika também tem como objectivo o trabalho
artístico na Dança Oriental com narrativa, por oposição a um espectáculo de
Festival. Nada contra os espectáculos nos Festivais porque eu também participo
neles, mas o Authentika oferece uma alternativa diferente que complementa o que
já existe no panorama nacional.
12. Qual a tua visão sobre a Dança Oriental portuguesa actualmente?
Há coisas boas e más. A
padronização, o vedetismo das rainhas sem trono, a obsessão pelos concursos é
uma coisa má. A evolução da técnica proporcionada pela organização dos mesmos
eventos que promovem as coisas más, é uma coisa boa! Não é só em Portugal, é
algo geral em todo o mundo. Há cada vez mais pessoas a dar aulas, mas a comunidade
dançante não está a crescer em Portugal. Porque será?
O estudo das raízes da Dança
Oriental não está na moda, mas estão na moda os concursos de Dança Oriental e a
colecção de troféus. Paremos um pouco para analisar isto: a energia feminina
não tem nada a ver com a competição! Porque precisa, uma jovem bonita e que
gosta de dançar, de ganhar um troféu e se provar melhor que as outras? Porque o
faz constantemente? Porque precisa da fama e de ser conhecida, se não vive
economicamente da dança? Que buraco tem dentro dela que tenta preencher com
algo externo como um troféu? Vários? Porquê tanta necessidade de validação
exterior?
A Dança Oriental acompanha o
narcisismo que as redes sociais promovem, é fruto e consequência desta evolução
tecnológica que vivemos e para a qual não fomos preparados. Temos de aprender a
viver com isto e perceber que haverá sempre a hipótese de escolha e de procura do
equilíbrio.
Não sou contra os concursos, sou
contra a obsessão por eles e à falta de alternativas para que a dança se
desenvolva.
13. O que achas que se pode fazer para a Dança Oriental
se desenvolver mais em Portugal?
Criar alternativas à competição,
mais partilha, mais amor, criar novos públicos, criar mais consciência do poder
terapêutico desta dança na auto estima de quem a pratica, seja mulheres, seja
homens com uma energia feminina muito forte. Mais comunidade e mais dança
improvisada a solo e não só coreografias de grupo em palco em modo sarau. Mais
oportunidades sociais para as pessoas dançarem sem terem de competir e obedecer
a padrões da moda que servem apenas os interesses económicos de alguns.
14. Que dicas dás às bailarinas que estão a surgir e
que querem seguir a Dança Oriental de forma profissional?
Primeiro há que definir o conceito
de bailarina profissional e qual o objectivo de cada pessoa. Uma bailarina
profissional como eu a tempo inteiro? Uma bailarina que tem um emprego durante
o dia e depois dá aulas e faz espectáculos? Uma bailarina que faz vários tipos
de danças sem ser especialista de nenhum? Uma bailarina que se dedica a 100% à
Dança Oriental, mas não tem independência financeira com o seu trabalho? São
todos casos diferentes e todos podem ter um nível de grande qualidade, mas os
objectivos de cada caso serão sempre diferentes e para cada um deles há uma
fórmula diferente. Por isso, primeiro de tudo, a bailarina tem de saber o que
quer! A partir daí, traça-se o plano.
15. Se te pedisse para nomeares um livro, uma peça de
dança e uma música que aches que toda a gente precise de ler, ver e ouvir,
quais seriam? E porque é que os escolherias?* **
Não escolheria nada porque não
tenho a pretensão de achar que todos têm de ler, ver e ouvir o que eu gosto,
mas posso referir obras que me tocaram.
O livro pode ser “Fernão Capelo
Gaivota” de Richard Bach, porque nele me revi como uma gaivota que está sempre
a querer aperfeiçoar o seu voo enquanto as outras só se preocupavam em comer
peixe.
A peça de dança pode ser aquele
“Enta Omri” que a Paula Lena dançou na abertura da primeira edição do
Authentika, na Casa do Alentejo em Lisboa, a 22 de Fevereiro de 2019.
Infelizmente, não temos nenhum registo em vídeo dessa dança. Quem viu, viu,
quem não viu, já não vai ver!
Recentemente vi um filme que me
tocou muito “A vida secreta das abelhas” que nos mostra que o Amor é o único e
verdadeiro alimento da alma. Concordo em absoluto.
16. O que é que ainda gostavas de alcançar na tua
carreira?
Apenas a
capacidade de fazer a manutenção da lucidez e da saúde, num entusiasmo
constante, na criatividade que já me é própria, materializada em projectos com
dignidade, até ao fim dos meus dias.
E a
espargata à Van Damme! Estou perto, mas ainda não estou lá!
Fantastic Entrevista - Yolanda Rebelo
Por Rita Pereira
Janeiro 2020
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