COMING UP | Ford v Ferrari [OSCARS]
O desporto
move nações inteiras! E mesmo que neste caso estejamos a falar de corridas de
carros e não de futebol, a emoção é igual, com países a defenderem de forma
aguerrida as suas cores. Apesar disso, a sétima arte parece, ainda, encontrar algum receio e distanciamento em explorar a vida de alguém que veste a camisola pelo
grupo. Estamos numa fase em que se produzem vários biopics, é uma
tendência que não vem de agora, contudo tem-se cimentado nas premiações dos últimos
anos. No entanto esta é a película que se esforçou realmente para fugir do
lugar comum e que, mesmo salvaguarda por um contexto histórico, nos levou a um
sítio diferente. A ter interesse, a investigar. Porque por mais interessante
que seja a vida de Freddy Mercury, Marilyn Monroe, Winston Churchill ou Elton
John, todos nós já temos uma noção das várias fases das suas vidas que vão ser
espelhadas nas grandes telas. A imprensa já nos mostrou os segredos escondidos
por detrás da maioria dos grandes astros das artes ou da política, mas em Ford v Ferrari
arrancamos à velocidade máxima para um território novo. É uma história de
backstage que consegue empolgar-nos para assistir a uma corrida de Fórmula 1,
sem sermos fãs deste género de prática. É o revitalizar de um desporto que
tende a cair no esquecimento com um argumento que sabe fazer cedências nos vários
géneros que aborda. É aparentemente pouco apelativo? Até poderia ser, não fosse
o filme contar com duas gigantes do automobilismo no título e levantar a promessa
de uma boa porção de ação que pode agarrar targets tão comerciais como
os seguidores das franquias de Fast&Furious ou Deth Race.
Há espaço para
tudo dentro de um argumento que não se compromete a ser apenas uma coisa e que
ganha por conseguir entregar-nos pequenas doses, ao sabor da viagem que a
narrativa exige, sem se tornar numa verdadeira salada russa. Tem a quantidade
necessária de drama para se tornar no filme mais típico desta edição do Oscar,
num clássico apelo à memória do público e na premissa que entrega a odisseia de
uma tragédia. Mesmo assim, existe um equilíbrio da balança no que toca à ação.
O realizador não fugiu à proposta e a partir de metade até ao final, a longa-metragem mergulha numa reprodução perfeita de uma corrida despertando a mesma adrenalina
e reduzindo o tão controverso CGI para dar lugar aos efeitos práticos, bem ao
estilo que encantou Christian Bale na trilogia de Batman assinada por Christopher
Nolan. Aliás, há muito na edição que pode parecer ter o cunho do realizador de Dunkirk,
mesmo sem que este tenha qualquer envolvimento com o projeto.
Mas além do lado
técnico, há espaço para uma contextualização que eleva todo o storytelling e o torna
ainda mais interessante do que parece inicialmente. Tudo por batermos de frente
com o lobby da indústria, as influências de bastidores e uma guerra de
egos. Há abertura para falarmos sobre a eterna discussão de quem é melhor: O
que tem maior volume de produção, mas acumula processos em tribunal pela falta
eficácia dos produtos, ou o que dá preferência a um trabalho minucioso na busca
pela perfeição, mesmo que isso lhe custe a falência iminente. É no meio do
contraponto das duas empresas que somos introduzidos à verdadeira origem desta
epopeia: Uma guerrilha entre homens que usam as suas marcas como bandeiras para
levar as ofensas a serem julgadas em praça pública. É o encaixe histórico
necessário que levanta várias questões. Temos uma birra de um lado e a soberba
italiana do outro, contudo somos conduzidos a torcer pelo lado americano, será que
se a nacionalidade da longa-metragem fosse outra teríamos a mesma versão dos
factos?
Este é um ano de
boas equipas! E encontramos em Ford v Ferrari uma cumplicidade
coordenada na mesma linha que assistimos em Once Upon a Time in… Hollywood.
Duas grandes produções e dois presentes gigantes. A contracena faz os dois
projetos sobressaírem no cinema e à sua maneira funcionam, mesmo que aparentemente
sejam parcerias inusitadas. Neste caso, Matt Damon e Christian Bale conseguiram
convencer quem vê que há entre eles uma irmandade, mesmo sem serem precisas
grandes explicações ou cenas emocionais. Consegue fazer-nos acreditar apesar
dos dois discutirem durante a maioria dos seus diálogos e contracenas. Este é
um filme muito masculino no lado estereotipado da palavra, em que amor,
companheirismo e até o choro é deixado em segundo plano, deixado quase nas
entrelinhas com um subtexto bem trabalhado, para apenas soltar toda a densidade
dramática no último ato.
O elenco foi
deixado de lado na lista de nomeações, o que não é tão descabido assim. Apesar de entregarem bons personagens, e de oferecerem cópias quase exatas das figuras
reais que representam. A verdade é que Christian Bale não consegue superar
Christian Bale. Depois de Vice, The Fighter ou American Psycho,
excelente tornou-se um adjetivo demasiado pequeno para o ator. Ele aumentou a
fasquia e as nossas espectativas, por isso não é de estranhar a ausência de uma
indicação. Por outro lado, Matt Damon poderia perfeitamente ocupar uma das
vagas de Best Supporting Actor. Mesmo que esta seja uma persona à lá Matt
Damon, consegue entregar ainda algo de novo, sobretudo pela forma como se
envolveu com o personagem. Sem exageros, soube manter a calma num universo
dominado por pessoas que se deixam levar pela vibração dos jogos. É uma
interpretação paradoxal tendo em conta a visão que nós como público temos de um
treinador. É diferente, aqui consegue manter a compostura que casa com o mesmo
tom clássico que o drama nos desenha do início ao fim. Mérito do guião? Talvez,
mas nem por isso deixa de ser um dos destaques.
À sua maneira,
há muito de épico no plot de Ford v Ferrari. Temos o empenho por
manter o legado, o passar da pasta, num momento em que tudo parece ter terminado.
Mas na realidade, na vida de alguém que sai antes do auge, o sentimento de que faltou
algo leva a que Shelby transfira todos os seus sonhos e objetivos para a figura
de Ken, com o sentido de que a sua tarefa só estaria realmente concluída quando
conseguisse entregar um sucessor à sua altura. Tudo isto desprovido de
egocentrismos, que contrasta com o motivo que levou a todo este imbróglio, e
com um certo paternalismo que é pouco usual neste género. Por mais filosófico e romantizado que
seja a jornada do “herói”, no contexto geral James Mangold entrega tudo o que a proposta exige,
amarrando tudo com a complexidade necessária para nos parecer simples e agradável.
Dentro dos nomeados, este é um dos mais coesos, e sobretudo nos quesitos
técnicos, algumas das suas nomeações vão merecidamente colher bons frutos. Faz-nos
pesquisar e saber mais, e volta a vincar que a função do cinema é, sobretudo, fazer-nos
pensar e educar.
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