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COMING UP | The Politician



Finalmente Ryan Murphy parece ter encontrado a tela certa para expor toda a sua loucura. Com todos os enredos novelescos e a sua capacidade de tirar humor até do lugar mais mórbido, estão reunidos os ingredientes perfeitos para aquele que se pode tornar num dos maiores sucessos do criador nesta sua primeira parceria com a gigante Netflix. Feita para o público que se encontra num meio termo entre o juvenil e o adulto, a política pode ser o único senão que possa afastar o público mais despreocupado com a temática, mas Payton consegue cativar por si só. É uma viagem só de ida num ritmo aliciante, e esta é só a primeira temporada. Demasiadas expectativas? Vamos entender.

The Politician é o ponto de encontro de tudo o que Murphy tenta transmitir nas suas obras, deitando fora alguns dos exageros e atando as pontas soltas para evitar as já habituais incoerências. Mas é sobretudo no trabalho que faz com as minorias, marca registada em Glee ou em American Horror Story, que realmente se destaca. Não é apenas a comunidade LGBTQ+ que está representada, é a sociedade com todas as suas clivagens, feitios, modos de falar e formas. A abordagem é feita pelo ponto de vista da política, servindo de critica à exploração que se faz das “desgraças” alheias ou das tentativas de parecer eclético quando na realidade se defende uma visão mais castradora. Este é um drama sobre ambição, mas sobretudo sobre como a perfeição é algo superficial e inatingível, além de se focar nas inverdades da cena política, bem ao género de Scandal, House of Cards ou Designated Survivor, mas numa linha bem menos pesada.


A representação está lá e é colocada da forma mais correta: integrada. Não são estrelas por serem diferentes, nem tão pouco o centro das atenções, são pessoas como outras e personagens como as outras. É uma jogada inteligente para evitar que se levantem bandeiras desnecessárias e que possam influenciar o decorrer da trama. McAfee, um dos elementos da equipa que pretende eleger Payton como o novo presidente da Associação de Estudantes, é lésbica, mas isso não é citado em nenhum sítio até que ela se apaixone por Skye. Assim como a forma diferente de falar da diretora da escola, que não chega sequer a ser alvo de gozo. Uma orquestração perfeita, que vem colher os frutos da normalização do que é ser diferente.

O primeiro episódio serve de mote a tudo o que vamos poder explorar neste universo, Payton é um rapaz que tudo faz para alcançar os seus sonhos, deixando que isso o leve a desligar toda a sua humanidade, os seus desejos e emoções são feitos de acordo com aquilo que a campanha necessita. Porém, apesar disso, consegue fazer-nos torcer por ele. Há muito de errado na sua postura, mas nos momentos de paixão que vive ao lado de River é amor à primeira vista para o espectador. As armas e ferramentas são bem compostas e realistas com os movimentos políticos que assistimos hoje em dia. E é interessante pensarmos como os deputados e as diversas figuras de maior influência são fabricados desde jovens, balançando entre a liberdade, o fingimento e a obrigação.


Com Jessica Lange e Gwyneth Paltrow no elenco, o casting segue sem grandes destaques e isso já diz o suficiente sobre o talento dos intérpretes. Todos conseguem ter algum momento alto dentro da narrativa. Na mesma linha do que fez com outras das suas “coqueluches”, Ryan Murphy volta a explorar os atores multifacetados que tem, como é o caso do protagonista Ben Platt que logo no primeiro capítulo consegue marcar com a sua interpretação de River, um clássico natalício, que ganha um tom completamente diferente e uma carga emotiva ainda maior pelo contexto da história. Payton é explorado à boa moda dos protagonistas de Glee, e em certos aspetos ainda conseguimos cruzar pontos em comum entre a sua ambição e a de Rachel, e até mesmo na beleza comercial de River em paralelo com a de Finn. Além deles, existiu preocupação em manter coerência e evitar alguém fosse colocado como um simples coadjuvante sem profundidade, um dos upgrades em relação às mais recentes temporadas de American Horror Story. Mesmo no salto temporal, os personagens parecem ter seguido um destino bem lógico, apesar de trazerem consigo o seu jeito obstinado e o cinismo de olharem pelo lado que tem maior poder, enquanto transmitem uma mensagem sobre lealdade e amizade.

Na última metade, parecia que o percurso do plot se estava a desviar, contudo o enlace foi o pontapé de saída correto para o que aí vem, mostrando que o objetivo era mesmo transmitir que tudo estava acabado quando na realidade há muito para dizer sobre a corrida à presidência do jovem da Califórnia. A comédia é o ângulo que merece mais trabalho na segunda season, apesar de mais consistente no comparativo com outros personagens de Ryan Murphy que passam para o limite do ridículo. Em The Politician isso foi corrido de certa forma, mas há espaço para que seja mais maneirada e afinada para que os momentos dramáticos não pareçam ter “vergonha” de o ser. À parte deste deslize, o novo confronto de Payton e da sua equipa promete ser melhor ainda que o primeiro. Esta é a prova de como o streaming casa muito melhor com o autor do que qualquer outra plataforma.

Ricardo Neto