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COMING UP | Joker



Joaquin Phoenix é um monstro! Joker é desconcertante, violento e perigoso, mas é sobretudo o descer à terra. Numa altura em que as histórias das longas-metragens sobre super-heróis se começam a tornar repetitivas, Todd Phillips vem romper com tudo e na sua abordagem prova que é possível adaptar personagens de Banda Desenhada sem que os retiremos da realidade, sem lhes darmos super poderes ou toques de mágica. É cru, cruel e feito para nos fazer reavaliar o que estamos a fazer uns com os outros. Quem está realmente doente? Arthur Fleck ou o mundo?

Toda a criação de Joker faz-nos parar para entendermos que facilmente rir da desgraça alheia é mais confortável do que estender a mão. É mais fácil, nos tempos que correm, gozar com o ridículo e fraco do que entendê-lo como gente. E sem querer podemos estar a criar um monstro pela falta de civismo. Fleck é o alvo fácil, o palhaço com uma doença, fraco e condicionado, mas não é nada disto que o leva a criar o seu alter-ego. O bullying, a rejeição e as consequências das "porradas" de pessoas ditas saudáveis ou instruídas são a matéria-prima que moldam a mete de Arthur à figura de Joker. O plot esforça-se em mostrar que muitas das vezes a violência não é a única forma de ferir. A atitude da mãe que não deixa o filho “brincar” com o estranho apenas por ser diferente é uma pedra tão grande no caminho quanto a violência dos adolescentes que agridem o personagem-título com o seu próprio instrumento de trabalho. A sociedade tem regras, mas no “guarda-chuva” da igualdade nem todos têm lugar, Joker é a travessia pelo preconceito, pelo desprezo e pela falta de sensibilidade que temos com a doença. “Viver em sociedade com uma doença mental é viver como se não tivesses uma”, este é o soco no estômago que Joaquin Phoenix entrega no início e que orienta o espectador na montanha-russa em que nos preparamos para entrar.


A classificação etária do projeto foi polémica em quase todo o mundo, e há que dar razão a quem defende que apenas adultos o possam ver. A mensagem, a violência explícita, a loucura, tudo isso já é suficiente, mas acrescenta-se um fator importante: Maturidade. Este não é um produto para massas, é algo que exige avaliação e interpretação. Não é um simples vilão, aliás, esta foi película que apresentou Joker de forma mais aprofundada, mas sobrevivia se esta história não tivesse o nome do palhaço associada. O universo da DC Comics fica-se pelas citações e para ajudar a elaborar algum contexto, tal como ajuda a que o público geek se empolgue e vá ao cinema ver algo bem diferente daquilo a que está habituado. Mas, está longe de ser uma narrativa que se limita a dar uma interpretação a Joker, o storytelling respira sozinho, focando-se muito mais no desenvolvimento da raiva e loucura do que propriamente em criar conexões entre universos.

Contudo, serve como pretexto para uma nova visão sobre Gotham, muito mais adequada do que qualquer outra adaptação e que pode abrir novos trilhos para a próxima trilogia de Batman. Esta é a Gotham que qualquer fã quis ver retratada. A cidade que elogia o vilão, depois de desistir de quem a governa, e que se despiu de justiça para passar a viver sob a batuta da anarquia. A apresentação de Thomas Wayne foi exímia, e sobretudo despida de floreados indo ao encontro da versão mais dark da DC Comics e que permite dar muito mais camadas aos seus personagens. O universo DC é complexo, e isso traz consigo heróis e vilões cheios de conteúdo, e com uma profundidade que até à estreia de Joker nunca tinha encontrado espaço nos grandes ecrãs. Numa fase em que a Warner Bros aponta em várias direções, pode finalmente ter encontrado o ponto certo da irreverência.


No critério elenco há espaço para dizer muito, porém tudo se podia resumir a uma palavra: Brilhante, não sobrou espaço para mais ninguém, a espiral de Arthur Fleck é um monólogo de talento. Este é o Joker que aperta a mão de Heath Ledger mas que nem olha duas vezes para Jared Leto. Joaquin Phoenix entregou tudo com verdade, usando os maneirismos clássicos da personagem, mas sem fazer dele um boneco. É um exemplo de como um personagem quando bem construído consegue agarrar mesmo que tenha ações pouco corretas. Mesmo que o argumento não fosse uma boa almofada, a interpretação de Phoenix é tão absorvente que quase autojustifica as decisões deste homem, estão lá em cada detalhe do trabalho do ator. O riso consegue ser tão icónico e agoniante quanto o que está no imaginário dos fãs do personagem. O texto soube usá-lo de forma perfeita, afinal toda a cruzada do anti-herói se baseou nisso mesmo, no riso.

Ser diferente por vezes tem destas coisas, num género que pode começar a ficar gasto, arriscar provou ser uma opção certa e no final das contas trouxe um dos melhores filmes do ano que deixa poucos indiferentes. É controverso, e pode despertar rebeliões, mas é necessário. É o balde de água fria que obriga o mundo a olhar sobre si, e perceber que a cena final do filme já esteve mais longe de ser real. Joker merece tudo o que dizem, porque nos próximos tempos dificilmente teremos uma fita a gerar tanta conversa, apesar de não ser criado para o mainstream. Aplausos, e um Oscar para Joaquin Phoenix!