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COMING UP | Diamantino [Globos de Ouro]



O futebol move massas e Diamantino é o tipo de filme que consegue tocar um conjunto de assuntos importantes numa abordagem surreal, sempre com a ambição do desporto como pano de fundo. Levemente inspirado no maior craque português, o personagem-título é uma criança num mundo de crescidos que serve de meio para apresentar uma sociedade problemática onde o foco é o dinheiro. O argumento é extremado, mas peculiar pela premissa de abordar o outro lado da fama. Ambicioso, arriscado e criativo, este é um filme controverso que se ama ou odeia ao fim de poucos minutos.

Diamantino é um talento nacional, aclamado como herói dentro dos relvados, com uma longa legião de fãs que não esperam dele menos que o melhor. Por detrás desta “máquina” está o pai, o homem que inspira o jogador e em quem ele confia mais que tudo. É fácil percebermos que o protagonista é uma releitura da história de Cristiano Ronaldo. Trocaram a ilha, colocaram o pai como exemplo no lugar de Dolores Aveiro, deram-lhe duas irmãs vistosas, e até um aspeto físico parecido. Mas o paralelo termina por aqui. O argumento decola na direção oposta à carreira de sucesso de CR7 para explorar a pressão que há sobre os grandes ídolos e como passamos de bestiais a bestas numa pequena fração de segundo.


Estes são os traços gerais de um projeto que é suportado no talento de Carloto Cotta, mas sobretudo na contracena com Margarida e Anabela Moreira. Habituadas ao cinema nacional, as gémeas são de longe a melhor parte do filme. A comédia e parceria das duas eleva a narrativa. Aquilo que podia ser básico ou obvio, funciona na perfeição na atuação das atrizes. Elas representam um ângulo diferente da sociedade de hoje com as suas personagens. São duas irmãs que vivem de ganhos alheios, despromovidas de qualquer afeto e para quem o dinheiro é a única coisa que importa. Pouco interessam os meios se no final o resultado lhes for favorável.  E isto acontece do início ao fim da história, no estilo exagerado do argumento. As duas ignoram a morte do pai, a lesão do irmão, a saúde, o bem-estar, tudo em troca de uns tostões. Esta dupla é, mais que tudo, a representação do povo com expressões bem colocadas que ajudam a história a fluir.

Não é um filme fácil. Apesar de passar a correr, é difícil entender o raciocínio por detrás de cada núcleo, podendo cair no risco da maioria do público achar que é apenas uma comédia rasa bem alucinada. Mas não é. Há um motivo bem atual para cada segmento e tudo é colocado de forma tão subtil que até parece lógico, apesar de ser algo completamente absurdo. Afinal de contas quem acha que é possível existir um plano para criar clones de um jogador de futebol apenas para manter o país nos títulos internacionais? E mais distópico é, ainda, a teoria de que tudo isto sairia de dentro do próprio governo como uma manobra de diversão! Bem, é o género de conspiração vinda dos EUA das mesmas pessoas que acreditam que Katy Perry é uma mensageira Iluminati. No entanto, a película sabe trabalhar bem o sentido da sua proposta, sem parecer que está apenas a querer ser mainstream e apostar em algo moderno para impressionar. De tão irrealista que é, chega até a fazer-nos pensar que é possível que existam planos do género, afinal de contas todos estamos familiarizados com este tipo de conceitos à lá Black Mirror.


A partir do meio para o final, a história talvez se descontrole um pouco e deixe por explorar de forma mais aprofundada a questão da fusão de géneros, a relação entre Diamantino e o seu “filho” adotado Aisha, e até o estado da sua carreira junto dos fãs. Mas, não deixa de ser interessante o destaque dado à política. Apesar da aparência e retrato arcaico, podemos estar a emergir numa era revolucionária e mais uma vez o distópico do filme poderá ser um espelho do caminho que percorremos para um mundo mais fechado sobre si mesmo. A propaganda serve como artimanha política e apresenta o futebol como a principal arma para desviar as atenções daquilo que realmente acontece nos bastidores dos “mandachuvas”, será que tudo isto é assim tão irrealista ou uma chamada de atenção para a forma como encaramos as notícias? Todo este arco merecia mais tempo de antena, e talvez um pouco mais espaço para as motivações das personagens de Filipe Vargas e Joana Barrios.

Diamantino é um produto criativo e diferente que peca pela curta duração e pela aceleração na conclusão da história não deixando espaço para explorar o universo que o filme criou. Tem alguns pormenores que podem incomodar, mas no fundo é algo fundamentado. Como desconstrução absurda, a história ganha pela liberdade de poder apresentar o que quiser, e daí que as expectativas talvez fossem maiores do que deviam.

Sair da bolha CR7 ajudou, mas poderia ter-se afastado ainda mais, deixando de lado o sotaque dos personagens que não parecia ser tão homogéneo em algumas cenas. Mas é o exagero, e esse é o tom do filme, por isso no final das contas até acaba por se justificar. Para pontapé de partida do género em solo nacional, o resultado é, até, bem satisfatório.

Ricardo Neto