COMING UP | Once Upon a Time in... Hollywood
Quentin Tarantino
está de regresso pela nona vez com uma longa-metragem que transpira Oscar mas
que deixa de lado o estilo do realizador. Once Upon a Time in… Hollywood
é pesado e traz a violência a que já estamos habituados, no entanto com menos litros
de sangue. É o abrir de um novo caminho enquanto teorizamos sobre o fim. É
Tarantino fora da sua caixa clássica, será a melhor opção?
Desta vez foram
dispensados riscos altos em dark horses com o criador a apostar todas as
suas fichas num elenco luxoso. E este é o principal sinal de diferença neste
projeto. O mesmo homem que colocou Christoph Waltz entre as estrelas da academia
em Django Unchained, e que deu um novo boost à carreira de Jennifer
Jason Leigh em The Hateful Eight chega agora com os monstros
Leonardo DiCaprio e Brad Pitt como cabeças de cartaz numa película onde o
elenco salta por cima do argumento. A parceria entre os dois astros é tão feliz
que o filme vive através deles. A história é relegada para segundo plano e o
brilho fica na atuação de DiCaprio e Pitt. Sem eles a produção talvez passasse
completamente despercebida, e atenção que não falamos de fama, mas sim de um
talento absurdo.
Leonardo
DiCaprio deixa quem assiste de queixo caído e parte com grande favoritismo para
a época de premiações. Rick Dalton, papel do ator, foi a personagem central de
uma série de TV na época em que a televisão ganhou força no braço de ferro com o cinema.
E é nos olhos dele que somos conduzidos por uma época estereotipada de
Hollywood, numa busca intensa para aceitação, pelo medo de não falhar e até
pela perfeição. Depois de um grande sucesso trava-se uma luta para fugir de um
tipo específico de papeis, e é essa a batalha que o homem trava com toda a emoção
e drama agregado. Para quem já viu The Wolf of Wall Street prepare-se
para encontrar alguns paralelismos entre as duas personagens, mesmo com todas as
suas diferenças. Contudo este é sem dúvida um trabalho criativo credível e
seguro, com cenas que prometem tornar-se emblemáticas dentro da indústria e que
deixa a sensação de que Rick Dalton talvez tenha sida a melhor interpretação do
ator até agora. E isto já diz muito tendo em conta o currículo épico do protagonista.
Mas ele ofusca
as outras estrelas? A resposta a esta questão é bem polémica. Com Brad Pitt o equilíbrio
foi feito de forma justa. Ele não é um personagem-tipo, é um conjunto de
situações que o tornam numa pessoa rica e densa, algo que intérprete soube aproveitar
da melhor maneira. Possivelmente este é aquele que está mais próximo do estilo
Tarantino. Para lá da casca complexa, Pitt serve de recurso para mostrar o lado
menos glamoroso do sonho de Hollywood. Faltou mergulhar um pouco mais fundo,
mas aí a culpa poderá ser de uma má gestão do tempo do filme. Por outro lado,
temos Margot Robbie que nos deixa a sensação mais agridoce da narrativa. A
garra da atriz foi transposta por inteiro para uma única cena. Porém esta não é
uma cena qualquer. Mesmo sem falas, Robbie consegue entregar um autêntico show
de representação transmitindo só através de gestos a busca pela aprovação
do público. É incrível, mas não deixa de ser uma desilusão que alguém com tanto
potencial fique presa a um papel menor, destruindo as expectativas sobretudo
quando a personagem Sharon Tate teve uma vida tão trágica. Faltou esse pedaço
da realidade no corte final.
Tudo é um
paradoxo em Once Upon a Time in… Hollywood. Num filme que foge ao lugar
comum dos outros trabalhos do autor, é quase contraditório o quão
autobiográfico se torna. Há muito medo da mudança dos tempos imposto na trama. Viajamos
por alterações de formas de produzir ficção, de como o público altera os seus
gostos, de como quem está hoje no topo amanhã caiu no esquecimento. É uma aventura
bem trabalhada na metalinguagem do cinema, sem deixar de parecer que estamos a
assistir ao ângulo de Tarantino sobre a sua própria carreira. Não estamos a
falar de um típico western, mas mais de um drama com violência numa
autodescoberta catártica carregada de referências e críticas subtis às grandes
máquinas da indústria. Temos menções a finais de séries que não conquistam os
fãs, um Bruce Lee com os seus habituais gritos e até à vida de grandes nomes reconhecidos
pela academia.
Não é um projeto
memorável pelo conteúdo, mas consegue conquistar a nossa atenção pelas suas figuras.
Para quem espera o género Tarantino, é possível que seja uma deceção. Mas calma
que nem tudo foge das regras e a montagem louca das cenas continua a mesma,
assim como os quebra-cabeças e easter eggs conhecidos de outros sucessos.
É um desvio da violência que exige algum conhecimento prévio sobre a história
que inspirou o plot, para garantir que não nos perdemos no embrenhado de
alusões que a longa-metragem tem para oferecer.
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