Duplo Clique | "Março de 2019: Jornalismo, Cristina, Conan, dates e humor"
A rubrica Duplo Clique está de regresso e inaugura esta quarta-feira, 3 de abril, uma nova fase, em que passa a ter publicação mensal, na primeira quarta-feira de cada mês. Mantendo a lógica da rubrica semanal - que esteve no ar entre abril de 2014 e fevereiro de 2018 com quase 100 edições -, propõe-se comentar programas da televisão generalista portuguesa, mas de uma forma mais abrangente.
Em vez de um programa por edição, serão abordados vários assuntos (e não só programas) que tenham dado que falar na televisão durante o mês anterior ao da publicação. Esta primeira edição aborda, portanto, os assuntos mediáticos do mês de março. Fica para ler! Contamos contigo desse lado na nova fase do Duplo Clique!
Foto: TVI |
Investigações jornalísticas da TVI
A TVI voltou a apostar forte no jornalismo de investigação e lançou, no final de 2018, o novo espaço de investigação Ana Leal e, já em janeiro deste ano, o Alexandra Borges. Se a escolha dos nomes das jornalistas para o nome das rubricas foi deveras inteligente, merece sobretudo aplauso o jornalismo destemido e de serviço público que têm feito (ainda que algumas formas de abordagem aos envolvidos sejam discutíveis). Por um lado, Ana Leal, que não tem dado tréguas no caso do alegado desvio dos bens doados às vítimas dos fogos de Pedrógão Grande, coadjuvada por André Carvalho Ramos; e por outro Alexandra Borges, que conjuga uma reportagem de investigação e denúncia com um segmento em que dá voz às queixas dos cidadãos, como se de um verdadeiro livro de reclamações se tratasse. A exibição de reportagens novas todas as semanas prova a capacidade de trabalho da redação da TVI, alerta consciências na sociedade civil e acrescenta valor ao Jornal das 8. A democracia sai fortalecida.
Foto: SIC |
António Costa n'O Programa da Cristina
Depois de o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa ter telefonado para o programa em direto e de Assunção Cristas lá ter ido cozinhar um arroz com atum, foi o primeiro-ministro António Costa que aceitou o convite de Cristina Ferreira para ir com a família à “casa” televisiva em Carnaxide. A presença dos políticos nos programas de entretenimento já tem barbas, mas talvez tenha ganhado novo fôlego com esta nova vaga de aparições – que, note-se, não são inocentes. É óbvio que interessa aos políticos gozar deste tempo de antena mais “informal” para se darem a conhecer aos telespectadores/eleitores, e é claro que as audiências do programa ganham com isso. No entanto, não deixa de ser em parte assinalável o interesse de tantas figuras públicas em participar n'O Programa da Cristina. É a prova de que em pouco tempo já ganhou um estatuto mediático do qual todos querem tirar proveito e que serve tanto aos altos cargos da nação como a um artista em início de carreira. Cristina Ferreira é uma das mulheres mais influentes do país e tanto ganha como dá a ganhar.
Conan Osiris e o Festival da Canção
A vitória de Conan
Orisis no Festival da Canção da RTP foi um dos temas mais badalados em março, e
não sem razão. O artista está longe de ser consensual pela sua prestação musical
e conceção de espetáculo, mas o que é certo é que mereceu uma votação histórica
no festival e vai mesmo representar Portugal na Eurovisão em Israel. Entretanto,
a RTP tem-lhe “feito a caminha” convenientemente, e nisso o 5 Para a Meia-Noite foi exímio,
dando-lhe espaço para se dar a conhecer um pouco mais como jovem e artista. Independentemente
das polémicas, está de parabéns pela vitória nacional e quer se queira quer
não, será ele a representar-nos. Também ninguém acreditava na musicalidade
demasiado frouxa de Salvador Sobral e foi o que se viu…
Programas amorosos da SIC e TVI
A
programação televisiva de domingo à noite da SIC e da TVI bateu no fundo com a
estreia dos programas Quem Quer Namorar
com o Agricultor? e Quem Quer Casar
com o Meu Filho?. Ao pé deles, O
Carro do Amor e First Dates foram só engraçados e inócuos. Estes
bateram no fundo ao colocar mulheres em avaliação, como se de automóveis se tratassem,
em frente a homens e as respectivas mães; uma lógica em tudo
idêntica na SIC, que coloca pretendentes em guerrilha por um lugar ao lado de um agricultor. O da SIC, porém, é o menos grave quando
comparado com o da TVI, que de uma forma ou de outra contribuiu para a manutenção
de mentalidades tacanhas, desigualdade de género e, enfim, uma objetificação da
mulher.
A surpresa, ainda no meio disto tudo, foi ver Leonor Poeiras – assumida
feminista e membro da Capazes –
defender o programa da TVI, perante as críticas de uma colunista que arrasou
ambos os formatos no jornal Observador. Moral da história: perante tantas críticas nas
redes sociais e fracas audiências, a produção de Quem Quer Casar com o Meu Filho? alegou que a produção e os resultados
“não corresponderam às expectativas” e anunciou o fim antecipado do programa. O
poder de veto das audiências a funcionar. Não vai deixar saudades.
Os nus de Começar do Zero da TVI
Começar do Zero estreou-se na TVI
a um domingo (estratégia habitual para garantir boas audiências) e era para ser
emitido ao sábado, mas rapidamente se fixou no horário-nobre de domingo em
substituição do malogrado Quem Quer Casar
com o Meu Filho?, empurrado para mais tarde. O formato é uma adaptação do
original dinamarquês Stripped e
também é de gosto questionável (como tudo na vida), mas não desce tão baixo
quanto os congéneres. Tanto homens como mulheres participam em pé de igualdade –
logo, parece não alimentar diferenças de género –, e como o conceito moral é algo
como “menos materialismo e mais humanidade”, o programa não é tão mau como
andar a ver romances descartáveis. Se é discutível que para passar a mensagem os
concorrentes têm de andar nus em frente às câmaras? É. Mas Começar do Zero tem concorrentes “normais”,
é competente a entreter o espetador e pode mesmo suscitar reflexão sobre o que
é realmente importante quando não se tem nada. A nudez vende e pode ser ridicularizada,
mas torna-se um pormenor.
O regresso da comédia à televisão
Parece
que a comédia acordou do seu marasmo televisivo com o regresso de Levanta-te e Ri na SIC e Roast – Toy na TVI. Nota para este
último: houve, ou não, promoção a este programa na antena da TVI? Terá sido
um programa fantasma, uma experiência, ou haverá mais? O roast – um género de comédia em que convidados gozam sobre uma figura
pública com ela presente – é ainda pouco conhecido em Portugal e a sua prática torna-se
no mínimo… constrangedora. Ainda assim, Rui Sinel de Cordes esteve bem como roastmaster e o painel de comediantes também
(há que lhes reconhecer a capacidade se deixarem gozar daquela maneira). Aposta
corajosa da TVI, ainda que envergonhada.
Uma rubrica de André Rosa
Duplo Clique | Março 2019
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