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Fantastic Entrevista - Igor Regalla

Fotografia: Pedro Jorge
Nesta edição do Fantastic Entrevista, estamos à conversa com o Igor Regalla, o ator que nasceu na Guiné, mas que veio morar definitivamente para Portugal com 10 anos. O seu percurso no mundo da representação, a paixão pela fotografia e o cinema e o filme que protagoniza, Gabriel, são alguns dos temas em destaque nesta conversa.

És o protagonista do filme “Gabriel”. Disseste recentemente que este é o papel da tua vida. Porque é que consideras isso?
Primeiro porque o filme chama-se Gabriel e a minha personagem é o protagonista. É um filme que se baseia muito no ponto de vista do Gabriel, ele está muito presente. Inevitavelmente foi a personagem com maior importância do filme e senti mesmo que tinha um desenvolvimento do início ao fim. Depois há todo um trabalho que eu e os meus colegas tivemos de fazer para desenvolver esta personagem. Trabalhei imenso com o David Chan Cordeio, para preparar a coreografia e também o meu corpo para o filme. Foi uma oportunidade muito cheia.

A tua personagem, o Gabriel, é um jovem pugilista. Para além da carga dramática que a personagem tem, tiveste também que explorar e trabalhar esta componente física da mesma. Como é que correu esta preparação?
Eu gostava de ter tido mais tempo para me preparar nesse sentido. Nós só tivemos cerca de um mês e meio de treinos, que incluíram também ensaios. Por outro lado, foi a primeira vez que tive ensaios para um projeto e isso é de louvar. Nós ensaiámos com a atriz Karla Muga, que basicamente preparou o background de todas as personagens. Ter a possibilidade de trabalhar com ela antes de gravarmos foi uma mais valia para o projeto.

Esta preparação aconteceu sobretudo com o trio de protagonistas, que para além de ti é composto pela Ana Marta Ferreira e pelo José Condessa. Quão gratificante foi poderes trabalhar num projeto com dois atores jovens? Foi uma experiência marcante?
Foi muito bom, na medida em que nós crescemos efetivamente juntos, a olharmos para o lado, ou seja, para o trabalho uns dos outros. E às vezes cometemos esse erro ingénuo, que é o de desvalorizarmos o trabalho com atores da nossa geração e valorizarmos só a contracena com atores de renome. Por exemplo, o trabalho que fizemos com a Karla Muga ajudou-nos a criar uma ligação entre os três protagonistas. Eu lembro-me de estar com a Ana Marta nos ensaios e termos descoberto coisas incríveis que acabámos por levar para platô. A nossa ligação ficou muito bem construída e isso nota-se no filme. Somos sangue novo e estamos cheios de garra, a remar para o mesmo lado. 

Foto: Direitos Reservados (Gabriel - o Filme)

O José Condessa interpreta o papel de Rui, o antagonista da história. Que tipo de preparação específica tiveram os dois para desenvolver as vossas personagens?
Nós tivemos que preparar bastante uma coreografia que a certo momento surge no filme. Foi uma luta que travámos juntos, um caminho que percorremos juntos. E houve uma facilidade enorme de trabalhar com o José, em particular, porque nós viemos da mesma escola de teatro. Temos a mesma formação, as nossas bases são as mesmas. Simplesmente estivemos na mesma escola em alturas diferentes. Para este filme em específico, tivemos aulas com o mestre Eugénio Roque, um dos maiores mestres de lutas cénicas em Portugal, e que dá aulas na escola de teatro. Isto facilitou imenso o processo de conciliar a preparação da coreografia com o foco que temos de ter na interpretação. E, lá está, poder trabalhar com uma pessoa como o José Condessa, que tem as mesmas bases que eu, torna tudo mais fácil. Pode-se dizer que foi um ‘perfect match’.

O filme teve estreia mundial no Festival de Cinema de Locarno, um dos mais importantes de todo o mundo. Como é que tu vês esta e outras distinções que os teus trabalhos têm? 
Eu não estive no Festival, mas o Nuno Bernardo, o realizador, disse-me que houve um excelente feedback. Que as pessoas que estavam presentes perguntavam muitas coisas, de uma forma geral e fizeram boas críticas ao nosso trabalho. Para mim é verdadeiramente gratificante sentir que aquilo que eu faço chega às pessoas, porque demonstra que o foco que eu tive em fazer bem o meu trabalho valeu a pena. Eu quando escolhi ser ator, não tinha amigos nem conhecia ninguém do meio. E ninguém da minha família está ligado, sequer, à representação. Eu comecei a fazer isto “de mim e para mim”, e tudo o que tenho feito até hoje tem-me feito crescer em vários aspetos. Claro que, em última instância, eu trabalho sempre para os outros, porque seja qual for o projeto, eu não estou sozinho nele. Mas, nesta área, se trabalharmos bem, conseguimos chamar à atenção de alguma maneira. E é todo este processo que faz com que o reconhecimento e todas as distinções se tornem muito mais gratificantes.

Já fizeste vários projetos em Teatro. Em 2013, fizeste a peça "A liberdade é um lugar inquieto" no Teatro Rápido, com o Rodrigo Saraiva. Depois disso, seguiram-se trabalhos como “Os Negros” ou “Colónia Penal”. Fazer Teatro é um privilégio?
Claro que sim. Para mim, representar é darmos vidas às personagens e o resto vem por arrasto. Seja em teatro, seja em televisão, seja em cinema... A única coisa que muda é a linguagem de cada lugar, o que é inevitável. Mas todas elas devem basear-se numa verdade. O Teatro foi onde eu comecei e foi muito importante ter começado por aí. Antes da peça “A Liberdade é um lugar inquieto” eu tinha feito a formação na Escola Profissional de Teatro de Cascais e eu saí de lá com um respeito gigante pelo palco. Exactamente por esta questão: os espaços são sempre diferentes, mas é no Teatro que nós temos o público ali, à nossa frente. E receber algum reconhecimento em Teatro acaba por ser especialmente compensador.

Foto: Instagram (@igorregalla)
Para além da representação, a fotografia e o vídeo são outras grandes paixões que tens. Já tiveste, inclusivamente, algumas experiências enquanto realizador. Nunca pensaste dedicar-te inteiramente a essa área?
Acima de tudo, eu tento conciliar as coisas. Há uma coisa que já me fez pensar nisso, que é o facto de eu, enquanto ator, estar sempre a depender de alguém para trabalhar. Mesmo que eu decida montar um espetáculo sozinho e fazer um monólogo eu preciso sempre de alguém para me ajudar com as luzes e assim. Não dá para ser ator sozinho. E muito menos eu posso agora inventar personagens para fazer numa novela, não depende de mim. Esta outra vertente, da fotografia, já me permite trabalhar de forma autónoma. Adorava explorar e estudar mais cinema e fotografia, mas também tenho tido a sorte de trabalhar com uma equipa de pessoas que estudaram cinema e que sabem bem o que estão a fazer. Trabalhamos juntos na minha produtora, a Onirico. A verdade é que continuo e continuarei dividido, porque deixar de ser ator também não me parece mesmo uma opção. Só se não gostarem mesmo do meu trabalho, claro. Porque eu gosto muito disto.

Em 2018 estreou na RTP1 a série “Circo Paraíso”, na qual participaste. Porque é que este projeto foi tão especial para ti e para a toda a equipa envolvida?
Sempre que nos cruzamos, entre elementos da equipa, todos concordam que este foi dos projetos mais fixes que fizemos e que tudo parecia estar bem. Mesmo com os problemas de produção que são inerentes a este tipo de séries, tudo correu muito. O Tiago Marques, o realizador da série, conseguiu unir-nos de tal forma, que ultrapassámos essas questões. Eu nunca tinha visto uma equipa tão motivada e tão bem-disposta a trabalhar como aquela. E de facto, o "Circo Paraíso" continua a dar que falar, pela positiva. Tanto, que esteve nomeada para Melhor Série nos Prémios Sophia, o que também me deixou muito contente, por ser um reconhecimento do trabalho de toda a equipa.

A nível pessoal, quão particular foi interpretares o Filipe?
O "Circo Paraíso" foi o primeiro projeto de ficção, nestes 10 anos que tenho de carreira, em que fiz uma personagem cujo facto de ser preto não era relevante. E isto é muito pioneiro, as pessoas podem nem ter noção. Eu lembro-me de estar a ler o guião, chegar à 2ª temporada, aperceber-me disto e falar com o chefe de produção, o Sérgio Baptista, para perguntar quem é que tinha sido responsável por isto. E ele explicou-me que tinha sido mesmo uma opção do Tiago Marques, que foi o principal responsável por este ser dos projetos mais gratificantes de sempre para toda a gente que este envolvida nele.

Por outro lado, integraste o elenco de “A Única Mulher”, em 2015. Depois foste um dos atores no programa da SIC "E Se Fosse Consigo?", no episódio que teve como tema o racismo. E mais recentemente, participaste na telenovela “Alma e Coração”. Consideras que é importante abordar estas temáticas?
O Morgan Freeman diz que o racismo só vai deixar de existir quando as pessoas deixarem de falar nele e eu acho que isso é uma Utopia muito bonita. Mas lá está, é uma Utopia. Acho que ainda há muita coisa que tem mesmo de ser falada. As pessoas não podem simplesmente virar a cara a realidades como esta. E são situações tão reais que, pelos vistos, chegam a programas como o “E Se Fosse Consigo” ou às telenovelas que foram referidas.

Foto: Instagram (@igorregalla)

Então achas que ainda existe muita discriminação em Portugal? Estes programas de grande audiência podem ajudar a mudar mentalidades?
Por algum motivo abordam estes assuntos em televisão. A verdade é que o “E Se Fosse Consigo” foi o programa mais visto na altura, “A Única Mulher” foi das novelas mais vistas de sempre e “Alma e Coração” tem conseguido também audiências elevadas. E é desta forma que chega às pessoas. E até com o “Gabriel” tenho sentido isto. Por exemplo, o filme ainda não tinha estreado e eu já recebia muitas mensagens do público. Desde que foi anunciado, eu fui recebendo imensas mensagens de pessoas que se mostravam ansiosas para ir ver o filme. E, regra geral, não costuma haver esta afluência para ir ver filmes portugueses. Acho que isto já quer dizer alguma coisa.

Nasceste na Guiné e, com um ano, vieste para Portugal com os teus pais. Nove anos depois, regressas definitivamente ao nosso país devido a uma guerra civil. Quão marcante foi este acontecimento no teu processo de crescimento enquanto ator e como pessoa?
Como ator não me influenciou muito. Eu também era muito novo. Mas lembro-me bem de certos pormenores. Lembro-me da “banda sonora”, de acordar a ouvir os tiros e as bombas a rebentarem, de ver os tanques e os soldados a passarem. Mas a verdade é que eu fiquei pouco tempo na Guiné. Eu vim para Portugal e a viagem também foi um bocado atribulada, porque viemos de barco e eu acabei por ficar ali um bocado sozinho. Quando cheguei cá, até me refugiei muito nos jogos de computador. Foi na altura em que começaram os jogos na internet e nessa altura eu apaixonei-me mesmo por jogos. Comecei a jogar Counter Strike, um dos jogos que me fez conhecer Portugal, porque jogava quase a nível profissional e andava de norte a sul do país a jogar com uma equipa, em competições. Isto aconteceu entre os meus dez e os dezoito anos. Depois, na altura, decidi que tinha de fazer alguma coisa, para além dos jogos, claro. Tudo isto influenciou-me positivamente no início da minha carreira e ainda bem que o fiz.

Quais são as tuas maiores inspirações nacionais e internacionais?
Em Portugal, o Renato Godinho. Ele é um ator que eu sempre respeitei muito. Cruzei-me com ele no meu primeiro espetáculo profissional e desde aí que o admiro. Ele é aquele ator que nunca para. Está a acabar um projeto e já está a pensar numa maneira de fazer o próximo. Para além de ser um ator que se baseia muito na verdade das cenas e, como eu já referi, isso é muito importante para mim. Ele é muito bom e genuíno, para além do espírito empreendedor inabalável. É, acima de tudo, muito inteligente, uma grande pessoa e um grande amigo.
Internacionalmente, gosto muito do Denzel Washington, do Omar Sy, do Matthew McConaughey... E tenho outras referências de quem gosto muito, mas estas são as que me surgem agora.

Se te pedisse para nomeares um livro e um filme que aches que toda a gente precise de ler e ver, quais seriam?
No caso do filme, seria “The Great Debaters”, realizado pelo Denzel Washington. E um livro, o clássico “Hamlet” do Shakespeare. Eu sei que é uma peça de teatro, mas foi o livro que mais me prendeu, desde sempre. Acho que não posso morrer sem representar o texto. Embora seja um bocado complicado ser um príncipe dinamarquês preto (risos). Mas é um sonho bonito, acho eu.

Se te voltássemos a entrevistar daqui a 10 anos, o que gostarias de estar a fazer nessa altura?
Daqui a dez anos gostaria de estar a fazer o “Otelo”, de William Shakespeare, no Teatro Nacional. Se isso acontecer, volto a falar convosco! (risos) Era mesmo muito bom sinal.

Fantastic Entrevista -  Igor Regalla
Por André Pereira e Rita Pereira
Março de 2019