Fantastic Entrevista | Catarina Branco
Nesta edição do Fantastic Entrevista estamos à conversa com Catarina Branco, bailarina, professora e coreógrafa de Dança Oriental. A paixão pela dança nasceu consigo e fez com que desde jovem tenha experimentado vários estilos de dança diferentes, como o Ballet, o Hip Hop ou o Tango. Mas foi a Dança Oriental que a conquistou.
Como surgiu a tua paixão pela dança?
A paixão pela dança nasceu comigo. Desde que me lembro que imagino coreografias e danço ao som de qualquer música. Está-me no sangue, é tão natural como respirar. Mas a minha paixão pela Dança Oriental em concreto surgiu em 2009, quando assisti, por mero acaso, a uma aula desta arte. Fiquei totalmente apaixonada pela dança e assim que pude juntei-me à turma. Deste então, tornou-se um vício que nunca mais larguei.
A Dança Oriental ainda é pouco conhecida em Portugal. Podes explicar no que consiste?
A Dança Oriental, também conhecida por Dança do Ventre, Dança Árabe e Belly Dance, é uma arte performativa que se crê que tenha surgido no Médio Oriente por volta de 1000 a.C. É uma das danças mais antigas que conhecemos e que terá surgido, acredita-se, de movimentos utilizados durante rituais religiosos e/ou de preparação para o parto. Era e é, por isso, uma dança muito ligada à mulher, ao feminino. Desde então, a Dança sofreu várias alterações, principalmente com a globalização que existiu nos anos 20. Nesta época, a dança recebeu grandes influências ocidentais, tornando-a na arte performativa que é hoje, praticada em todo o mundo. Ao contrário da grande maioria das danças, os movimentos da Dança Oriental são naturais ao corpo humano, orgânicos. É uma dança que, acima de tudo, trabalha a consciência corporal e a capacidade de controlar e isolar os diferentes músculos do corpo. É uma dança adequada a todas idades e a todo o tipo de corpos, sem quaisquer restrições. Por esta razão, muitos praticantes da dança, eu inclusive, sentiram um aumento de autoestima e auto-confiança à medida que descobriam e aceitavam o seu corpo.
A Dança Oriental é comum e erroneamente apelidada de “Dança do Ventre”. Porque achas que isso acontece?
Em Portugal, a Dança Oriental é maioritariamente conhecida como Dança do Ventre, traduzido do francês Danse du Vientre. Este foi o nome atribuído pelos Franceses à dança durante o movimento Orientalista do séc. XIX, por se caraterizar por movimentos abdominais. Foi durante este movimento, e posteriormente com a globalização durante os anos 20, que a dança oriental se popularizou pelo ocidente, introduzida sempre como Danse du Vientre. Por esta razão, tanto em Portugal como em todo o Ocidente, a dança ficou conhecida pelo termo francês. Contudo, o nome original da Dança é Raks Sharki que, traduzido do árabe, significa Dança Oriental. Este é o termo mais apropriado para denominar a dança.
Quais são as tuas maiores inspirações na dança?
Creio que me inspiro sobretudo em mim. Acredito que a Dança, como qualquer outra arte, se resume à expressão do nosso “eu”, por isso, quando danço, inspiro-me na minha vida e no que sinto e quero transmitir naquele momento, através daquela dança. Pergunto sempre o que me diz a música e o que é que ela me faz sentir quando procuro interpretá-la. E espero sempre que uma atuação minha seja um reflexo do meu ser e da minha paixão pela dança. Naturalmente, inspiro-me também muito em grandes bailarinas da atualidade, como a minha grande professora Sara Naadirah, que me transmitiu um grande conhecimento e importantes princípios sobre a Dança; assim como em grandes bailarinas internacionais cujo trabalho sigo e admiro.
Há a ideia de que este tipo de dança é apenas praticado por mulheres e que está intimamente relacionada com a sensualidade do sexo feminino. Concordas com estas ideias?
Concordo em parte. Acredito, sim, que a Dança Oriental tem movimentos femininos e que está bastante ligada ao feminino. Contudo, creio que os movimentos utilizados são naturais ao corpo humano (feminino e masculino) e utilizar estes movimentos como modo de expressão parece-me algo totalmente natural. Entristece-me saber que certos homens não praticam (mesmo desejando expressar-se desta maneira) por receio de serem alvo de preconceito. Essa discriminação não devia existir.
Existe discriminação para com as bailarinas de dança oriental? Alguma vez sentiste isso?
Infelizmente existe, sim. Sinto, e penso que todas as bailarinas sentem, seja em que tipo de situação for. A Dança Oriental surge numa cultura muito diferente da Ocidental e com fortes raízes no feminino. Os seus movimentos são orgânicos ao corpo e fazem transparecer a verdadeira essência da bailarina. Estas razões, aliadas aos trajes que expõem a barriga para que se veja melhor os movimentos, levam as pessoas a considerarem a Dança Oriental como uma dança “sexual”. Eu não poderia estar mais em desacordo com esta perceção. Aliás, acredito que esta conclusão deriva de pura ignorância. A Dança Oriental tem uma origem espiritual e está estritamente relacionada com as energias da natureza (por esta razão dançamos descalças, em contacto com o solo). É uma dança que faz a bailarina ligar-se com a natureza e consigo mesma, e não agradar ou seduzir o género oposto. Contudo, a falta de conhecimento em relação a esta arte (principalmente no nosso país) leva a que haja discriminação. Sinto principalmente isso quando digo pela primeira vez a alguém que sou bailarina de Dança Oriental (seja num ambiente pessoal ou profissional), e me deparo com reações que variam entre o desprezo absoluto e olhares que dizem “deves ser fresca, deves” (quando não afirmam exatamente isso). Raras são as vezes que recebo expressões de admiração, como penso que acontece com que pratica outras danças ou artes.
Neste momento, para além de bailarina, és também professora. Como tem sido a experiência de ensinar?
Adoro a experiência de ensinar. Sempre adorei ensinar fosse o que fosse, por isso não foi surpresa nenhuma a satisfação que tiro em dar aulas de Dança Oriental. Tenho um enorme prazer em passar todo o meu conhecimento e paixão pela dança às minhas alunas, tornando-as também embaixadoras desta arte. É sem dúvida algo desafiante e de grande responsabilidade que me exige muita preparação. Esforço-me para organizar todo o meu conhecimento e estudar mais para poder transmitir da melhor forma o máximo de conhecimento às minhas alunas. Desejo, acima de tudo, que elas compreendam e sintam uma ligação com a dança e a cultura árabe. Quero que se divirtam e que estejam sempre a aprender. É uma experiência recente e ainda tenho muito para aprender e muitos desafios pela frente, mas estou pronta e entusiasmada para seguir cada etapa, dando sempre o meu melhor.
Hoje em dia, é possível fazer da dança oriental uma profissão em Portugal? Porquê?
A Dança Oriental não é a minha única profissão. Sou licenciada e mestre em Gestão e hoje em dia trabalho numa empresa portuguesa, por isso não vivo em pleno essa experiência. Contudo, conheço vários colegas que vivem apenas da Dança Oriental e acredito que seja é possível, mas não extraordinariamente bem. Os profissionais de Dança Oriental retiram rendimentos maioritariamente das aulas e workshops que lecionam, de atuações regulares que realizam em bares e restaurantes árabes, de pequenos espetáculos que organizam e de alguns eventos em que participam como Feiras Medievais e casamentos. Nenhuma ou quase nenhuma destas atividades é devidamente paga. Como se isso não bastasse, o investimento contínuo que uma bailarina deve realizar não é pequeno: aquisição de novos fatos para atuações (bons fatos profissionais rondam os 500€); formação (geralmente no estrangeiro) para continuar a evoluir; maquilhagem; adereços; músicas; material de comunicação; aluguer de estúdio; etc. Acredito sinceramente que muito dificilmente um bailarino que vive apenas da Dança Oriental em Portugal é capaz de pagar todas as suas despesas diárias e ainda lhe sobrar rendimentos para investir devidamente na dança.
Como é noutros países?
Relativamente à situação nos outros países, acredito que seja um pouco melhor. Nos países onde a dança ganha uma predominância maior, como na Ucrânia ou na Argentina, onde o respeito e a procura por este tipo de dança são muito maiores, acredito que uma bailarina que consiga singrar retirará bons rendimentos da arte. As artistas tendem também a ser convidadas para lecionar e atuar no estrangeiro, retirando daí outra e importante fonte de rendimento.
Tens apenas 24 anos e já és uma das bailarinas de dança oriental portuguesas com mais prémios internacionais. Como é a experiência de representar Portugal no estrangeiro?
A comunidade de Dança Oriental em Portugal ainda é pequena, uma vez que a da dança surgiu em Portugal há poucas décadas. Não existem ainda muitos bailarinos portugueses a competir no estrangeiro e, por isso, sempre que vou a uma competição internacional, fico contente por representar o meu país e mostrar que existe uma comunidade de Dança Oriental em Portugal e uma que está a crescer, a rechear-se de novos talentos. Neste momento está a surgir uma nova geração de bailarinas de Dança Oriental com bastante potencial e que vai mudar o status da dança oriental em Portugal (chamem-me ambiciosa, mas acredito). Creio que esta nova geração criará no futuro uma outra ainda melhor, e assim sucessivamente, aproximando-nos cada vez mais dos outros países.
Quais as diferenças entre Portugal e outros países quanto aos apoios e à própria comunidade de Dança Oriental?
Esta é uma pergunta difícil. Não conheço a realidade dos outros países por completo. Sei que em Portugal não existe qualquer tipo de apoios (muito infelizmente, mas também expectável, considerando a expressão da dança em Portugal), e acredito que no resto dos países também não. Em Portugal, comunidade de praticantes de Dança Oriental ainda é pequena e tem muito para evoluir; em nada se compara a outros países europeus ou com o nível dos americanos. Até mesmo comparando com a nossa vizinha Espanha, onde a dança oriental tem uma expressão muito maior com variadas escolas, professores, festivais, competições e bandas árabes. Contudo, como realcei antes, é uma comunidade que está a crescer e a ganhar força. Acredito que no futuro ganhará mais expressão face aos outros países, à medida que novas gerações procuram a sua evolução.
Quais são as tuas aspirações na Dança Oriental?
As minhas aspirações são bastantes. Foi apenas o ano passado que “me profissionalizei”, isto é, comecei a receber rendimentos da dança, ensinando e atuando em eventos e estabelecimentos. Tenho ainda muitos desafios pela frente e muitos sonhos por concretizar.
O que é que ainda te falta atingir?
Acima de tudo, não quero parar. Quero tornar-me melhor e melhor. Quero um dia ver uma atuação minha e genuinamente pensar: “Que boss!”. Sei que ainda tenho muito que aprender, e nesse sentido vou continuar à procura da minha evolução, ao mesmo tempo que me mantenho verdadeira e fiel a mim mesma, genuína, dançando sempre de acordo com a minha interpretação. Numa perspetiva não tão pessoal e egoísta, ambiciono, com muita convicção, fazer com que a Dança Oriental chegue a cada vez mais pessoas, ensinando-lhes e mostrando-lhes o que é esta arte tão desconhecida. Sinto muito a responsabilidade, como todas as minhas colegas, de espalhar esta arte, de educar o povo relativamente a esta dança, dignificando-a. Tento sempre fazê-lo quando leciono, atuo ou converso sobre a dança. É uma missão nossa enquanto bailarinas. E por esta razão, agradeço do fundo do coração o convite para esta entrevista. É, sem dúvida, mais um passo para atingir este meu objetivo. Obrigada.
Fantastic Entrevista | Temporada 8 - Edição 3
Julho de 2016
Convidada: Catarina Branco
Entrevista: Rita Pereira
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