Header Ads

Eurovisão 2016 | Um ano de mudanças e de surpresas


Portugal não participou na Eurovisão de 2016, mas a European Broacasting Union quis tanto que os portugueses vissem o segundo maior programa televisivo da Europa que até lhe fez um desconto. A quem? À RTP, que acedeu ao “jeitinho” e transmitiu as duas semifinais em diferido na terça e na quinta-feira e a grande Final em direto no sábado, como tem acontecido já há alguns anos.

O Festival Eurovisão da Canção 2016 realizou-se este ano em Estocolmo, após a vitória da Suécia em 2015. Mäns Zelmerlöw, o grande vencedor, e Petra Mede, uma das apresentadoras mais conhecidas e queridas dos telespetadores suecos e dos fãs eurovisivos europeus foram os grandes anfitriões de três noites repletas de animação. Como sempre, a Eurovisão – como mais comumente costumamos chamar – dividiu-se em três espetáculos com muita música, brilho e muita inovação em termos televisivos. 

Na Primeira Semifinal assistimos a dezoito canções, das quais apenas dez se qualificaram. Islândia e Grécia ficaram-se pela semifinal, gerando a maior surpresa por razões distintas: da parte dos nórdicos porque eram um dos favoritos dos fãs, pela atuação visualmente muito apelativa e pela retornada Greta Salomé (ESC 2012) ter uma canção orelhuda. Já da parte da Grécia, por ter sido a primeira vez em que não se qualificou para a grande Final, desde que foram implementadas as semifinais (remontamos a 2004). 


Sendo a Eurovisão um festival de música televisivo com uma grande comunidade de fãs a nível mundial, nomeadamente junto da comunidade LGBT – que preza pela tolerância e que foi criado precisamente com o intuito de unir uma Europa em guerra – não nos esqueçamos deste importante fator, já que um dos momentos altos da noite foi a performance “The grey people” do coreógrafo Fredrik Rydman, dedicada aos milhares de refugiados que saíram das suas casas devido à guerra. 
Surpresas positivas nesta semifinal foram a qualificação de países ocidentais e historicamente fracos na Eurovisão, como a Áustria (que se fez representar com uma música em francês que conseguiu o 13ºlugar na Final), a República Checa, os Países Baixos ou até mesmo o Chipre e a própria Croácia, que desde 2010 que vinha ficando à beira da qualificação.

Já na segunda semifinal, a grande surpresa foi mesmo a Noruega, outro país que desde 2004 só perdeu a qualificação duas vezes e que há três anos consecutivos consegue lugares no top 10. Terá Agnete “bebido do seu próprio veneno” na Internet, quando respondeu aos comentários mais ou menos delicados dos fãs eurovisivos sobre a música “Icebreaker”? Isso não sabemos, mas curiosamente os votos faltaram. 

Outra surpresa na qualificação foi a Geórgia, que era vista como uma das canções que os fãs menos gostavam, e a Bélgica, que melhorou a sua performance desde a préseleção e conseguiu a qualificação e um honroso 10º lugar na Final.


Na Final – o programa mais visto do dia da RTP1 – contámos, do lado das atuações, com a participação do norte-americano Justin Timberlake que foi promover o filme Trolls. Para além de cantar “Can’t Stop the Feeling”, ainda premiou o público eurovisivo com “Rock Your Body”, tendo por isso conseguido um dos momentos mais altos e mais internacionais de sempre da história do festival, num ano em que os EUA estrearam a sua primeira transmissão do ESC. 

Quanto aos resultados: não venceu nem o favorito dos fãs, a França, nem o das casas de apostas, a Rússia (o favorito do televoto). Venceu a Ucrânia, que colheu assim a sua segunda vitória depois de Ruslana ter conseguido o troféu eurovisivo na primeira participação do concurso, em 2004, com a canção "Wild Dances" (que fazia parte da banda sonora da novela Mistura Fina, da TVI, ainda se lembra?). 

Dos favoritos dos fãs, a Espanha, a Hungria e a Itália acabaram por ficar na segunda metade da tabela classificativa, passando-lhes à frente três dos países com cantores retornados, Malta (com Ira Losco, 2ºlugar no ESC 2002) e a Lituânia (12ºlugar no ESC 2012) que não se sairam nada mal em 2016. A Bulgária, representada por Poli Genova, que em 2011 se tinha ficado pela semifinal com “Na Inat”, conseguiu um estrondoso resultado previsto para o país com “If Love Was a Crime”; e com o 4º lugar de 2016 destronou o 5º lugar de 2007 da dupla Elisa Todorova & Stoyan Yankoulov. As maiores surpresas a nível de performances nesta edição da Eurovisão – os Países Baixos e a Letónia – ficaram a meio da tabela com uns modestos 11º e 15º lugares, respetivamente, que souberam a pouco.


Com um método de votação diferente dos anteriores e semelhante ao usado no Melodifestivalen, final nacional sueca, este ano na Eurovisão pudemos assistir aos votos dos jurados, ouvindo primeiro apenas os porta-vozes revelarem os 12 pontos. Este novo método de votação que traz muita tensão quando se sabe dos resultados do televoto, porém, não fica isento de polémica, uma vez que não só faz o telespetador visualizar os votos dos jurados e só depois os do televoto de forma muito rápida e algo crua, como faz com que os resultados realmente sejam diferentes. Passamos a explicar: em 2016, os votos do televoto e dos jurados foram somados e atribuídos separadamente, o que fez com que se chegassem aos 500 pontos que terá visto no seu televisor, valor nunca antes atingido num Festival Eurovisão da Canção.

Já a Austrália, o país concorrente que mais longe fica da Europa, foi a favorita dos jurados e, segundo o Oikotimes, tendo em conta o método de votação antigo, seria a grande vencedora de 2016. Dami Im, uma cantora sul-coreana reconhecida que se mudou para a Austrália quando ainda era uma criança, interpretou “Sound Of Silence” na segunda tentativa do país na Eurovisão, e apesar de não ter ganho, saiu-se melhor que Guy Sebastian em 2015, coroando-se segunda classificada.

Agora que pergunta porque razão participa a Austrália num evento europeu, nós respondemos-lhe: porque por serem fãs acérrimos do Festival Eurovisão da Canção, os australianos foram convidados em 2015 aquando da comemoração dos 60 anos do Festival. E porque é que a Austrália não haveria de participar se a Eurovisão se está, assumidamente, a tornar global? Desde que façam parte da European Broadcasting Union e cumpram uma série de requisitos, uma nação pode, efectivamente, participar no concurso. Aliás, sempre houve países fora da Europa a participar. Israel foi o primeiro: fez-se representar pela primeira vez em 1973, por exemplo.



E se há ano em que muitos dos que perderam o hábito de vibrar com o Festival Eurovisão da Canção se podem queixar das ditas “politiquices”, esse ano é o de 2016. O vencedor foi um país hegemónico na Eurovisão, com uma atuação e interpretação irrepreensíveis, mas que levam uma música chamada “1944”. Nada mais que uma referência à vida pessoal da cantora, que na própria letra refere a guerra entre os tártaros da Crimeia e a Rússia como razão para não poder “passar lá [na terra da sua avó] a sua adolescência/porque vocês [os russos] me levaram a paz”, parafraseando a letra.

As regras são claras: “não podem ser permitidas referências a letras, discursos ou gestos de natureza política ou semelhantes”. Uma frase que se repete no regulamento há vários anos e que fez com que os Takasa em 2014 não pudessem atuar com casacos de estilo militar ou com que a Geórgia não pudesse representar-se no Festival em 2009 com uma canção em que um trocadilho aludia ao então chefe de estado russo, Vladimir Putin.

No entanto, certo é que esta história que a própria artista revelou em entrevistas assemelha-se ao que está a acontecer atualmente no território da Crimeia que a Rússia anexou em 2014. A música acabou por não ser considerada pela European Broadcasting Union uma “mensagem política” e, felizmente para o país e para os fãs, beneficiou do novo sistema de votação, acabando por vencer o Festival Eurovisão da Canção 2016.


Hélder Reis foi o comentador de serviço das três emissões da RTP1, juntando-se a si na Final o crítico musical Nuno Galopim, que satisfez melhor os fãs eurovisivos que o anterior convidado Ramon Galarza. O também jornalista ocupou o seu lugar com entusiasmo e fez algumas considerações pertinentes. Por exemplo, alertou o espetador para os elementos visuais que desde 2010 se incorporam nas indumentárias e fazem parte da atuação. Estes são os “argumentos vindos da imagem”, de que Galopim falava, que beneficiaram diretamente quase todo o top 10.

O comentador fez-nos análises e previsões bem conseguidas, nomeadamente nos casos belga, holandês, azeri, húngaro, alemão, polaco, australiano, sérvio e russo, mas outras não tão bem conseguidas, como a desvalorização da música da Bulgária na tabela classificativa (o país tinha uma canção "orelhuda" e a atuação que destacava-se claramente das restantes); o caso de afirmar que a música da Suécia terá carreira – no nosso ponto de vista será das canções suecas menos gostadas e menos rememoráveis para a Europa e para os suecos –, e a mais flagrante: não ter em conta a história ucraniana na Eurovisão. 

A Ucrânia é um país hegemónico em termos eurovisivos, ou seja, faz parte do lote de países que melhores resultados têm tido consistentemente ao longo dos últimos anos. Parece-nos que, conscientes ou não da mensagem política que passou, o público e os jurados acabariam por votar no país e atribuir-lhe um lugar de top 5, não só por esta história, mas também reafirmando o que já foi dito: de facto, a atuação ucraniana foi das melhores da noite. A vitória, essa, já sabemos que é discutível: pelo antigo método de votação nem sequer seria a grande vencedora.

No geral, Nuno Galopim pareceu-nos saber do que falava e Hélder Reis manteve um comentário coerente e motivador para o português que este ano ficou literalmente a ver a Europa passar. Depois da dupla maravilha Isabel Angelino & Jorge Gabriel, que em 2007 nos premiou com uma química surpreendente e o comentário mais carismático desde que Eládio Clímaco se retirou dos festivais, Hélder e Nuno pareceram-nos uma boa escolha para 2016 e uma possível boa aposta para 2017. Que Portugal participe e volte mesmo em grande.

Eurovisão 2016 - Um ano de mudanças e de surpresas
Por Rita Pereira