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Fantastic Entrevista | Luís Gaspar


  FANTASTIC ENTREVISTA 
TEMPORADA 8 / EDIÇÃO 7 / OUTUBRO DE 2015

01 - O Luís tirou o Curso de Formação de Atores, na Escola Superior de Teatro. Na altura, porque é que decidiu seguir o sonho da representação?
Eu já fazia teatro na Escola Secundária e fiquei com muita vontade de fazer mais. Fui então perceber se havia um grupo na zona onde morava, e percebi que sim. Comecei a fazer teatro, na altura com 16 ou 17 anos, na época em que ia para a Universidade. Inicialmente, ia concorrer a outro curso superior, mas sentia cada vez mais que era a representação que me dava prazer, era o que me preenchia. Então, comecei a ponderar concorrer também ao Conservatório e assim fiz. Acabei por entrar para os dois cursos e, como tive de optar, comecei por fazer o outro durante 3 anos. Mais tarde, voltei a fazer todas as provas para o Conservatório e foi aí que entrei.

02 - Considera que a formação é um ponto essencial para o desenvolvimento artístico de um ator?
Sim, continuamente. No meu caso foi muito importante, porque eu não sabia nada de técnica teatral, sabia muito pouco de teoria e por isso aprendi muita coisa. De vez em quando apetece-me fazer um novo curso sobre alguma técnica ou um tema mais específico, relacionado com a minha área. Até porque estamos sempre a aprender e à medida que vamos integrando projetos diferentes, vamos tendo necessidade de fazer mais. Eu acho que é quase um processo natural. À medida que se vai trabalhando, vamos tendo necessidade de fazer mais coisas. Mas não tenho qualquer tipo de preconceito contra quem não tem formação, até porque tenho colegas com muito talento, que são muito profissionais e que não tiveram a formação do Conservatório, mas tiveram outro tipo de aprendizagens.

03 - Em 2004 integra o elenco de Morangos Com Açúcar e interpreta uma das personagens mais marcantes da sua carreira. O professor Durval fez parte do elenco fixo de duas temporadas e teve uma participação especial noutra. Os Morangos com Açúcar marcaram-no enquanto profissional? Porquê? 
Na altura, tinha começado a fazer televisão há relativamente pouco tempo, eu também era jovem (risos). Olhando para trás, vejo que nesse momento ainda não percebia muito do que era fazer televisão. E é óbvio que para aqueles miúdos que estavam a começar ali, alguns sem formação, era ainda mais difícil. Estávamos em graus diferentes de aprendizagem e maturidade enquanto atores, mas estávamos todos a aprender, por isso acabou por ser uma aprendizagem em conjunto. É engraçado ver o percurso de nomes como a Cláudia Vieira, com quem depois fiz uma peça de teatro, ou a Jéssica Athayde, que na novela Mulheres foi a minha mulher. É bom ver, por exemplo, o quanto a Jéssica cresceu enquanto atriz e o quanto eu cresci enquanto ator. Sou um ator diferente daquilo que era antes, claro. Isso é bom de ver.

Fotografia: TVI
04 - Em televisão, participou, nos anos que se seguiram, em diversas séries e telenovelas portuguesas, nos três canais generalistas. Como viu o início desta nova era da ficção nacional, no início dos anos 2000? Foi importante para o começo da sua carreira?
Comecei a trabalhar como ator profissional no Teatro, enquanto estava a meio do primeiro ano do Conservatório. Na altura, recebi um convite do Jorge Silva Melo, dos Artistas Unidos, para um espetáculo e foi assim que comecei. Durante os três anos seguintes, continuei nessa companhia de teatro. Já se fazia ficção em televisão, mas tinha-se começado há poucos anos, aqueles eram os primeiros passos. Eu acho que tive sorte, neste sentido, porque a ficção em televisão abriu mercado a muito mais pessoas e ofereceu-nos mais possibilidades de trabalho, para além de ser um formato que eu acho muito interessante. Hoje em dia faz-se muito menos teatro, talvez por haver menos dinheiro e muito pouco apoio da parte do Estado. E acho que ainda há uma espécie de preconceito em relação às pessoas que fazem televisão.

05 - Em teatro, já foi ator e encenador em diversas peças. Para muitos dos seus colegas, representar num palco é o ponto alto na carreira de um ator. No seu caso, isso também acontece? Acha que é no teatro que os atores encontram o seu palco maior?
O sítio onde eu mais gosto de trabalhar é no teatro, sem dúvida. Se é o ponto mais alto? Não sei. Por exemplo, já fiz projetos em televisão, como é o caso de Mulheres, onde tive momentos que foram para mim pontos altos enquanto ator, e já fiz outros projetos em teatro que não foram assim tão desafiantes. Portanto, tem a ver com a personagem e o projeto em si. Acho que ser-se atore é ser-se superior a isso tudo. Mas uma coisa é certa: em televisão, eu não acredito que se seja possível fazer Arte, devido à rapidez que nos é exigida. É muito difícil fazer-se Arte com um ritmo tão acelerado, em que chegamos a gravar 30 cenas por dia. Em teatro temos tempo de ensaios, de estudar, de pensar, refletir, experimentar... Mas o trabalho em televisão acaba por ser uma aprendizagem, porque dá-nos uma estaleca maior, temos de ser mais rápidos a chegar às coisas.

06 – Quais são, então, as principais diferenças entre teatro e televisão?
O teatro dá sempre um prazer diferente e por isso eu acabo por preferi-lo. Para além do tempo que temos para nos preparar, temos o público ao vivo, temos adrenalina, estamos em contacto com as pessoas e temos textos geralmente muito bem escritos, densos. E por isso é tudo diferente. Na televisão, o trabalho acaba por ser um bocado solitário, porque os técnicos estão à tua frente, com as câmaras e com o som, mas não tens o público. Mas tem outros lados que também são interessantes. Por exemplo, com uma câmara podes trabalhar as emoções todas de uma forma mais contida, mais mínima, pois um piscar de olhos ganha uma intensidade completamente diferente em relação ao teatro. É a chamada escala das emoções.

Fotografia: TVI
07 - Interpretou recentemente uma personagem bastante forte e com uma carga dramática intensa, o Jorge, na novela Mulheres. Considera que esta foi uma das personagens mais marcantes da sua carreira?
Sim, em televisão, foi. Foi a personagem dramática mais importante que interpretei. A mais densa, a mais difícil, a que me obrigou a uma pesquisa maior. Eu não tinha praticamente uma cena leve, eram todas muito pesadas, o que não é muito comum numa novela, que tem 200 a 300 episódios. Normalmente existem cenas mais leves, mas neste caso todas as cenas eram muito intensas. Mas também tenho outras personagens que me deram bastante prazer fazer, por exemplo cómicas.

08 - Precisamente, em 2006, foi o Gustavo do Aqui Não Há Quem Viva, na SIC. Outra personagem de grande popularidade. Interpretar o Gustavo foi desafiante? Gosta de fazer comédia?

Essa foi a personagem cómica que mais prazer me deu interpretar em televisão. Gosto mesmo muito de fazer comédia, aliás, acho que não me importava de fazer mais comédia. Sinto-me confortável a fazer, sinto-me especialmente bem. E tive a sorte de poder fazer essa personagem numa série que era muito bem escrita, apesar de ser uma adaptação, e com um elenco fantástico. Depois também tive um feedback muito bom do público. Lembro-me desses tempos com muita saudade, porque nós divertíamo-nos muito a fazer essa série e acho que isso também passava para as pessoas que viam.


Fotografia: SIC
09 - Mais recentemente, a série foi reposta e teve ainda mais sucesso do que na exibição original. Como explica esse facto?
Acho que tem a ver com o horário. Isto é o exemplo perfeito de como o tratamento que uma estação dá a um produto de ficção pode fazer com que ele seja um sucesso, independentemente do produto. Na altura, eu achei que esta série tinha tudo para ter uma grande audiência e curiosamente, a primeira vez que foi para o ar, não teve. Começou por dar à sexta, depois passou para o sábado, na terceira semana já dava ao domingo à meia-noite… e não resultou. A série era exatamente a mesma, só que na segunda exibição passou em horário nobre, diariamente, durante a semana. Portanto, a escolha do horário interfere bastante. O mesmo se passou com Mulheres, que podia ter resultado muito mais em termos de audiências se tivesse passado num horário mais cedo. Mas isso são questões que me são alheias.
10 – Mulheres foi nomeada para os International Emmy Awards, na categoria de Melhor Telenovela. Porque é que este projeto foi tão especial?
É sempre bom sentir que os projetos nos quais estamos envolvidos são reconhecidos como projetos de qualidade. Então quando esse reconhecimento é internacional e se compete com produtoras como a Globo, ainda mais. Fico muito contente e orgulhoso de toda a equipa técnica e artística! Acho que Mulheres fazia a diferença na forma como era apresentada a sua narrativa, não tinha o conceito clássico de novela. Não havia o protagonista, a história era protagonizada pelos sete casais, fazendo até lembrar mais uma série do que uma novela.

Fotografia: TVI
11 - Atualmente, em televisão, podemos vê-lo em Santa Bárbara. Este é um exemplo de um produto em que o cuidado na escrita é notório. O que podemos esperar desta telenovela e o que a diferencia dos outros projetos?
Acho que começa logo na escrita do Artur Ribeiro, que é especialmente boa e cuidada. Gosto muito da forma como ele escreve, é uma pessoa com uma cultura geral enorme que já escreveu para teatro, telenovelas, telefilmes e chegou mesmo a realizar. É um autor com muitas referências e creio que tudo isso se reflete no trabalho dele. Apesar de ser uma adaptação de uma novela mexicana, é uma adaptação livre do Artur e penso que ele está a fazer uma escrita original, com personagens que não existem no original, com rumos de histórias completamente diferentes. E como o ponto de partida de um projeto é sempre o texto, quando este é bom, isso faz logo a diferença. Esta novela tem ainda um elenco especialmente bom, com atores que eu prezo muito e que são especialmente talentosos.

12 – A inovação a nível técnico é também importante para o resultado final?
Sim. Um dos fatores fortes da novela é a esse nível, pois a qualidade técnica, especialmente da iluminação, realização e som é bem visível. Quando assisti a estes primeiros episódios, tive quase a sensação de estar a ver cinema. O facto de ser a primeira novela a ser emitida em 16:9 também faz com que se aproxime do cinema. Tudo sito agrada-me, porque estamos a trabalhar em conjunto para fazermos um produto com mais qualidade. Mesmo quem não goste do formato novela, se vir um episódio vai notar uma evolução em termos de imagem e estética. 

Fotografia: Frame do filme português Tabu de Miguel Gomes
13 - Fora do pequeno ecrã, já pudemos vê-lo em alguns filmes, como é o caso do premiado Tabu. Como foi trabalhar com Miguel Gomes, um dos realizadores portugueses mais reconhecidos mundialmente?
Eu praticamente não fiz cinema. Fiz poucos filmes, até porque atualmente faz-se pouco cinema português. Fiz o Tabu, o António Rapaz de Lisboa e o Bairro. No Tabu, tinha apenas duas cenas. No entanto, a maneira como fui convidado para participar no filme é engraçada. Estava a almoçar num restaurante e de repente o rapaz que estava ao meu lado abordou-me. Pensei que ele viesse pedir-me um autógrafo, ou algo do género, mas acabou por explicar que era realizador, que estava a preparar o seu novo filme e que tinha uma papel perfeito para mim. Na altura, eu não sabia quem era a figura física do Miguel Gomes. Já conhecia os seus trabalhos, mas não o conhecia pessoalmente. Como não o reconheci, achei que era alguém a gozar comigo. Mas não. Quinze dias depois, ele enviou-me o argumento por e-mail e quando eu o recebi fiquei muito surpreendido pela inovação que o filme trazia.

14 – Em que sentido Tabu era diferente do habitual?
Primeiro, porque estava dividido em duas partes e a segunda não tinha som, era um filme mudo. E depois, devido aos temas que abordava. Lembro-me que tive alguns ensaios com o Miguel e gostei muito da maneira como ele tratou a minha personagem. Apesar de ser uma personagem pequena, ele tentou fazer-me encontrar uma estranheza qualquer nela, para que não fosse uma coisa óbvia. Foi muito engraçada a abordagem dele. Eu não tive muita experiência de trabalho com ele, porque só tive um dia de rodagem, mas gostei muito, porque ele sabia muito bem o que queria, tinha uma visão muito inovadora e diferente. Quando vi o filme fiquei agradavelmente surpreendido, e até orgulhoso, por ter participado num projeto que marcou a diferença no cinema português e que foi reconhecido nos festivais.

15 - Se tivesse a oportunidade de escolher o seu próximo trabalho, a que tipo de projeto gostaria de se dedicar?
A uma sitcom. Tem a ver com o facto de ultimamente, tudo o que tenho feito em teatro e cinema, ser à volta de personagens muito dramáticas, pesadas e intensas. Apetecia-me voltar a fazer comédia, porque há muito tempo que não faço. Eu fiz o Aqui Não Há Quem Viva e logo depois as Chiquititas, que também tinha um tom de comédia, e depois nunca mais fiz nada na área. E isso já foi há uns 8 anos.

Fotografia: José Frade
16 - Considera que os portugueses dão valor à Cultura, apesar da falta de apoios? Como vê o estado da Cultura em Portugal, atualmente?
Há duas coisas diferentes: uma é a forma como os portugueses vêm a Cultura e a outra é a forma como o Estado vê a Cultura. Os nossos políticos não dão a importância devida à Cultura, que, para mim, abrange muitas coisas: o que lemos, as exposições a que vamos, os filmes que vemos, as peças de teatro a que assistimos. Tudo isto é muito importante, são as nossas referências. Porque a Cultura faz-nos pensar, ter opiniões, ter ideias, refletir sobre determinados assuntos. A Cultura mexe connosco a nível emocional, e no caso das crianças vai moldá-las e torná-las os adultos de amanhã.

17 – Então acha que são os políticos a não dar a devida importância à Cultura?
Eu acho que sim e o exemplo disso é que não temos Ministério da Cultura, só temos Secretaria de Estado. A Cultura, a par da educação, é fundamental. Em relação aos portugueses, talvez deem a importância que o Estado permite dar. E depois tenho pena que ainda haja algum tipo de programas que faça sucesso, como os reality-shows, que não trazem nada de bom, nada de vantajoso, nem sequer entretenimento a ninguém. Acho que até podem ser muito perigosos na educação das crianças que os veem. Tenho muita pena disso. Por exemplo, nas cidades do interior há muito menos oferta cultural e as pessoas ficam em casa a ver televisão. Isso dá-me pena, porque acredito que é importante descentralizar a cultura das grandes cidades. Portugal não é só Lisboa e Porto.

18 - Em poucas palavras, quem é o Luís Gaspar?
É sempre estranho descrever-me. Mas sou bastante reservado, gosto de separar a minha vida pessoal da profissional. Sou muito intenso, em tudo. Trabalhador, pois levo o meu trabalho muito a sério e faço-o com paixão. E para mim, o mais importante da vida é o amor, aquele que sentimos em relação aos nossos familiares, aos amigos e nas relações amorosas. O amor é o que nos une verdadeiramente.

Fantastic Entrevista // Temporada 8 | Edição 7
por André Pereira