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Duplo Clique | "O Peso das Audiências"



Um dos maiores problemas de saúde pública é o que Peso Pesado Teen apresenta, em horário nobre, aos portugueses. A nova aposta da SIC passa por manter 18 pessoas dentro de uma herdade no campo, com uma equipa de profissionais especializados em desporto e nutrição. O objetivo é que os concorrentes transformem as centenas de quilos que têm num corpo saudável e num melhor futuro. À custa do quê, para além do óbvio? De verem os seus dramas pessoais transmitidos para milhares de pessoas.  


A adaptação portuguesa do americano The Biggest Loser, estreado na NBC em 2004, não levanta as habituais questões de ser ou não um trabalho competente. O debate vai muito além dos pormenores televisivos (ainda que mereçam referência), uma vez que se trata, nada mais, nada menos, da produção de um produto de entretenimento baseado num dos maiores problemas de saúde pública: a obesidade. E produzir um programa dessa natureza implica, sempre, falar de pessoas com vivências traumáticas, com o intuito de comunicar com outras pessoas. Por mais nobre que seja a missão da SIC, não há como ignorar a violência que um programa destes representa na vida dos concorrentes. 


Peso Pesado regressa à antena da SIC quatro anos depois da primeira edição, com Bárbara Guimarães de galochas azuis-bebé em cima de uma jangada. A prova – que para os concorrentes era construir um meio para chegar à outra margem – é exatamente a mesma para a apresentadora da SIC, que se mantém longe de chegar ao público, seja pelo que tem a mais ou pelo que tem a menos. Os dezoito adolescentes são, portanto, os protagonistas. As histórias chegam carregadas do dramatismo e emoção necessários e, independentemente dessas caraterísticas que funcionam sempre bem em televisão, a verdade é que chocam o espetador. 


Um choque que pretende difundir-se numa mensagem de sensibilização para o problema, mas que na campanha promocional do programa degenerou em milhares de críticas cobertas de razão. A abordagem da SIC pareceu destruir toda e qualquer força moral que as pessoas obesas pudessem ainda ter. Afinal, o namorado perfeito procurado pelas raparigas é o estereótipo alto, encorpado e de olhos azuis – um boneco, portanto. Ao abrir uma ferida no alento de todos os que se olham ao espelho e não admiram esse modelo, a SIC cometeu um grave erro de marketing. Como quem diz que o objetivo dos concorrentes obesos deve ser batalhar pela construção desse corpo perfeito independentemente do que são interiormente (desconte-se o enorme cliché). No entanto, espaço a uma nota anti-hipocrisia: negar que os padrões de beleza instituídos excluem as pessoas fisicamente disformes é uma tentativa inútil. É um problema que, longe de ser exclusivo dos portugueses, é transversal à sociedade de consumo, televisionada e que sempre ditou como regra a beleza do corpo.  

 
 
Além de a sensibilização poder não funcionar, perante uma sociedade em que muitos têm uma atitude indiferente, malformada e ignorante, aspetos televisivos básicos, como um logotipo decente, parecem ter sido deixados a cargo de uma criança de cinco anos enquanto brincava no Paint. A conceção cenográfica de exteriores, pelo menos a que se viu no episódio de estreia, também inviabiliza uma realização mais cuidada. A tela de fundo azul, iluminada, não contrasta como devia com Bárbara Guimarães.   

 

Seja por demérito próprio ou demérito da audiência que sintoniza as generalistas ao domingo à noite, Peso Pesado Teen não foi além dos Pequenos Gigantes, esses que, num raciocínio muito irónico, enchem o palco para deleite de 1,39 milhões de pessoas. Num país em que um milhão de pessoas sofre de obesidade e quase outras tantas comem em frente à TV, talvez um programa de duas horas e meia não seja a melhor forma de as tirar do sofá e pô-las a mexer. Há de sempre colocar-se a seguinte questão: até que ponto a SIC, canal privado, não fará uso das conquistas e derrotas dos concorrentes para escalar audiências? O discernimento cabe a cada um dos espetadores. 

Peso Pesado Teen, para ver aos domingos, às 21h30, na SIC. 

Duplo Clique - 6 edição
Uma crónica de André Rosa