Duplo Clique | "Angola, Rainha e Senhora"
Tu, para mim, és a única mulher. Estreou a novela capaz de aquecer o horário-nobre e de unir de afetos Portugal e Angola. A Única Mulher procura gentes num retrato, o pulsar da vida contemporânea e um beijo impossível. “Impossível até acontecer”.
Foi lançada, no dia 15 de março, aquela que já é considerada a segunda maior produção depois de Equador (2008), com a habitual chancela da Plural Entretainment. Alicerçada num investimento à escala das ambições da TVI, será esta a novela capaz de virar uma página na história da Ficção?
O título e o grafismo do logotipo pecam bastante pela falta de originalidade. O chavão musical é de Anselmo Ralph, e o tipo de letra com efeito 3D estão mais que vistos. Se em matéria de genéricos também já houve melhor, mesmo assim este introduz o cenário exótico que se espera como local da ação.
Pouco exótica é a trama de Maria João Mira, um argumento baseado na vida real, o que não deixa de ser uma premissa já explorada. O segredo do sucesso residirá no tratamento do texto e dos temas fortes, com especial incidência nos problemas sociais e económicos comuns a Portugal e Angola. Segundo estatísticas do INE, serão mais de 100 mil os portugueses residentes naquele país, a maioria atraídos pelas necessidades de mão-de-obra qualificada no setor da indústria e construção. Na ficção, é o caso do recém-mestre em Engenharia Luís Miguel (Lourenço Ortigão) e, noutro campo, de Sílvia Caiado (Leonor Seixas), mãe de família que se vê forçada a emigrar para dar aulas.
No mesmo prisma ganha relevo o retrato acutilante e sensibilizador das disparidades culturais entre os dois países. Nesta história não parece haver um fosso tão grande entre famílias pobres e ricas, mas sim uma rivalidade racista e xenófoba em que as mulheres são as vítimas. Entre a versão citadina e popular de Mulheres e a versão internacional das mulheres angolanas e portuguesas existem mais semelhanças do que diferenças: todas procuram independência e não abdicam do seu orgulho. A intriga romântica, porém, confere à totalidade do argumento uma certa vulgaridade. O amor proibido e apetecido entre Luís Miguel e Mara (Ana Sofia Martins) é uma solução demasiado fácil e preguiçosa, candidata a resvalar no considerado cliché. Vista à lupa, a história d’ A Única Mulher não é tão única como parece – nem poderia ser, ou não estivesse já tudo inventado neste género.
Ana Sofia é uma atriz em potência e dá a cara pelo elenco mais jovem e inexperiente convocado pela TVI, uma aposta arriscada, mas promissora. Sem margem para dúvidas, as veteranas Alexandra Lencastre e Rita Pereira destacam-se em diferentes esferas consoante os núcleos das personagens.
A Única Mulher tem algo de especial, pelo menos no que toca à produção. As gravações decorreram em duas províncias angolanas com a presença de 17 atores e 40 técnicos, totalizando 500 figurantes locais envolvidos. A Realização de António Borges Correia e Hugo de Sousa parece recorrer a soluções mais dinâmicas e próximas da cinematografia, sobretudo em estúdio, apesar de a textura entre as imagens de exteriores e interiores ser nitidamente desigual. Os impressionantes planos aéreos materializam a parceria entre a Plural e a Profilm (uma empresa portuguesa especialista em vídeo e fotografia com drones), mas a negligência da TVI pelo formato 16:9 continua a inviabilizar a qualidade televisiva exigível nos tempos que correm.
A Cenografia, Fotografia e banda-sonora compõem o resultado final. Muitos artistas angolanos e cabo-verdianos “ouvem” n’ A Única Mulher uma oportunidade de ouro para promoverem os seus trabalhos discográficos. Não é por acaso que os géneros semba e quizomba, até há poucos anos estigmatizados pelos ouvintes, têm vindo a conquistar espaço nas rádios mainstream e nas discotecas.
A novela “diva” da TVI tem um longo caminho a percorrer até à liderança. Depois de uma estreia auspiciosa (e inflacionada pelo horário de domingo), o consumo estabilizou em 1 milhão e 448 mil espetadores, muitos dos quais curiosos por ver a potência angolana em expansão no ecrã. Populosa, cosmopolita e historicamente amarrada às gritantes desigualdades económico-sociais, assim se mostra a Angola moderna rainha e senhora dos serões da TVI. Para muitos, candidata a ser a "única mulher" da ficção nacional.
A Única Mulher, para ver às 21h30, de segunda a sexta, na TVI.
Uma crónica de André Rosa
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