Duplo Clique | "Casa dos Segredos: Desconto para grupos"
António Raminhos chama-lhe um “roast”, a Internet chama-lhe um “evento de comédia em que um indivíduo é alvo de piadas, insultos, elogios e histórias contados sobre si”. Especialmente insultos, quais nacos servidos na brasa e de garfo afiado, diretamente para a mesa de milhares de portugueses famintos de um bom churrasco. “Secret Story – Desafio Final 3” é como aqueles pratos de carne mal cozinhada que os clientes mandam para trás no restaurante e que o empregado devolve à mesa depois de ter deixado o bife queimar no lume, propositadamente. E que, no final, acabam por comer, como se não houvesse mais restaurantes na rua.
O leitor já deve ter percebido a metáfora, e talvez até nem tenha achado piada a esta comparação entre uma refeição e aquilo que a TVI “serve” todos os domingos aos espectadores. Mas não é que 2 milhões de “clientes” se sentam no sofá à espera de inalar o cheiro a queimado? “Roast”, que traduzido do inglês é “um cozinhado exposto durante muito tempo ao calor”, é o que o conhecido comediante António Raminhos se dispõe a temperar aos domingos no Facebook, pelo menos enquanto “o melhor do pior” aparecer no cardápio de Queluz de Baixo. “A TVI faz questão de fazer a Casa dos Segredos Desafio Final e juntar os melhores dos piores. Isto é facilitar o trabalho a um bombista”. A ideia de Raminhos não anda muito longe do clima tenso e explosivo que vibra da televisão para as casas dos espectadores, deliciados, ao que parece, com o menu de grelhadas mistas da “Casa”.
Não vale a pena tentar impor limites morais à produção do programa, aos concorrentes e às suas famílias: pensar que o prato não pode ser pior é garante de surpresas indigestas. Os episódios desavergonhados sucedem-se, as discussões exaltam-se e a cultura das aparências, do sexo, do corpo e das personalidades subtraídas de inteligência vai atirando achas para uma fogueira de infantilidades, obscenidades e vouyerismo. “Os concorrentes gostam de estar fechados na Casa dos Segredos porque lhes faz lembrar a casa de correcção”, atirou Raminhos na sua página do Facebook, quando tudo parece apontar para o facto de não haver correção possível para os prisioneiros deste show televisivo em que as audiências são o Juíz e simultaneamente as testemunhas.
O “Desafio Final” faz questão de cumprir o que anuncia. É um desafio à capacidade de resistência de qualquer mortal mentalmente são permanecer com a televisão ligada por mais de 10 minutos na TVI, no entanto, para gáudio de uma maioria de público, o que se vai passando na Internet é um parque de diversões. As páginas de humor desmultiplicam-se em posts sarcásticos e cáusticos sobre os desenvolvimentos da “Casa”, os comentários de leitores e seguidores debitam reprovações e acrescentos de humor, e no fundo anda “Toda a gente a ver (Casa dos Segredos)”. Sim, aquela paródia musical da autoria de António Raminhos e Luís Filipe Borges, que está no TOP dos mais vistos do momento no Youtube, resume, numa estrofe, a involução da espécie de que a amostra de habitantes da “Casa” pode ser exemplo: “Em duas palavras, esteróides e silicone/Mudam-se as moscas mas é sempre o mesmo clone/Só bimbas, só grunhos, mais a Teresa/E os trocadalhos do carilho/Se foi a isto que chegou a nossa natureza/Meus, então ‘tamos metidos num belo sarilho”.
O vídeo, que entretanto caminha a passos largos para se tornar viral, reflete, por outro lado, a dimensão do espaço mediático contaminado pelo programa na sociedade portuguesa. Mas já não há segredos. “Secret Story – Desafio Final 3” mais não é do que um analgésico pós-laboral administrado em doses absurdas nas audiências, já que neste rodízio de segredos há desconto para grupos.
Duplo Clique - 33ª Edição
Uma crónica de André Rosa
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