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Duplo Clique | "Caixinha de Surpresas"

 

“Transformar o entretenimento, através das artes, numa coisa útil”. Rui Massena lançou o repto à RTP, aos concorrentes e aos espectadores. Que o talento dos portugueses é o improviso, isso já se sabia, mas seremos nós um povo igualmente talentoso nas mais variadas manifestações artísticas? A estreia de “Got Talent Portugal” mostrou que é verdade. Domingo após domingo, subirão à pista “mágicos, ventríloquos, cantores, declamadores, bailarinos, acrobatas, comediantes e malabaristas” – a lista é grande, à escala dos talentos nacionais, para quem esta nova missão do serviço público pode ser uma rampa de lançamento.

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A fusão do inglês “Got Talent” com o português “Portugal”, na mesma frase, não surte o melhor efeito, mas é pormenor de somenos importância quando o verdadeiro valor do programa é, de facto, mostrar ao país e ao mundo de que fibra artística são moldados os portugueses. Aqui reside um dos objetivos contratuais do serviço público de televisão, “assegurar a promoção da cultura portuguesa e dos valores que exprimem a identidade nacional”. Para Rui Massena, o maestro mais mediático e o primeiro português a dirigir uma orquestra na histórica sala Carnegie Hall, em Nova Iorque, o programa oferece “a liberdade de receber todas as propostas” e de ser “confrontado com coisas que não conhece”. Pois se é de um verdadeiro espetáculo de variedades que se trata, a pluralidade de performances artísticas é o grande trunfo do novo formato da RTP, no qual os concorrentes não acham, apenas, que sabem dançar: dançam como ninguém.

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Não só os portugueses, como os concorrentes de outros países cujas estações de televisão compraram os direitos de transmissão do programa “America’s Got Talent”. O talent-show americano, fundado por Simon Cowell, começou por ser emitido no canal NBC em 2006, mas rapidamente ultrapassou as fronteiras geográficas e temporais, preenchendo as grelhas de programação televisiva de outros 66 países ao longo dos últimos anos. Em Portugal, registe-se, a demanda por um enorme talento não é novidade. A própria RTP adaptou o concurso com o “Aqui Há Talento” (2007), e a SIC também, em 2011, mas talvez por ter tido Bárbara Guimarães ao comando e um corpo de jurados pouco marcante, quedou-se no esquecimento dos espectadores. Por estas e outras razões, “Got Talent Portugal” tem estofo suficiente para concorrer diretamente com “Achas que Sabes Dançar”, sendo uma pujante lufada de ar fresco em termos audiovisuais.

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Quis o destino dos seus projetos profissionais que Marco Horácio e Diana Chaves se separassem. O divertido e competente apresentador vai confrontar-se, em breve, com a jovem apresentadora da SIC, mas aparentemente já leva a melhor. Marco Horácio provou, na estreia, que tem o perfil certo para este tipo de emissões, agradando ao público o seu estilo descontraído e humorístico, em doses suficientes para garantir uma apresentação permanente e longe da sombra (ao contrário do que sucede com a estrutura do programa da SIC, que negligencia por completo a apresentadora). A uma aposta acertada na apresentação junta-se o painel de jurados de luxo conseguido pela RTP, quase como se as estrelas se alinhassem no firmamento uma vez num século.

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Rui Massena, Pedro Tochas, Sofia Escobar e Manuel Moura dos Santos sentam-se nas cadeiras prontos a avaliar com “humor e rigor” as prestações em palco. Da sua presença sobressai a “química” de grupo, temperada pelas inocentes picardias e à-vontade entre Pedro Tochas e Rui Massena e pela sobriedade de Manuel Moura dos Santos, “temido” manager de artistas nacionais. Sofia Escobar, um talento português que vingou lá fora, sem surpresas, é a contratação que merece aplausos à RTP. Fica, por outro lado, a sensação de que lhe devemos, enquanto país, um pedido de desculpas, de tal forma aparentamos ter-nos esquecido do grande talento que é, e arredado que esteve do espaço mediático. O nosso país é dotado, mas os musicais continuam submersos num qualquer estigma ou tabu que não deixa reconhecer-lhes o devido valor artístico, nem o dos artistas que lhes dão vida.

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“Got Talent Portugal” oferece duas horas de puro espetáculo televisivo, narrando as pequenas grandes histórias dos concorrentes, ao mesmo tempo que se abstém de enveredar pelo tom melodramático do costume. As filmagens aéreas e a dinâmica de planos na sala de audições, no Teatro Tivoli, em Lisboa, estão em linha com as produções mais sofisticadas da RTP. A qualidade deve-se, sem dúvida, à Realização de André Ferreira e João Gandarez e à Direção de Fotografia de Mário Bastos, com enquadramentos visualmente ricos e interessantes. A passagem em revista de várias atuações de grupos de dança poderá ter deixado os espectadores menos satisfeitos, concedendo óbvio destaque às histórias das audições individuais, mas nada que belisque o resultado final.

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No domingo de estreia, 1 milhão e 10 mil espectadores fizeram subir o pano às audiências da RTP. O canal procura distanciar-se da oferta dos canais privados, mas se é certo que, aparentemente, lhes segue as pisadas nos formatos de grande entretimento, consegue fazê-lo com admirável distinção. Dentro e fora dos palcos, Portugal tem talento, e é de marca registada. 

Duplo Clique - 35ª Edição
Uma crónica de André Rosa