Duplo Clique | "Sonhos em Construção"
“Querido, mudei de canal”. O programa de remodelações de interiores entornou a tinta na SIC Mulher e mudou-se para a TVI. Ou melhor, para a TVI Ficção. O desígnio do programa continua a ser o mesmo: fazer pessoas felizes remodelando-lhes uma divisória da casa que lhes faça toda a diferença. E é realizado – em apenas dois dias, a equipa de queridos da Briskman Entretainment faz “milagres”, em conjunto com a talentosa equipa de decoradores e um apresentador que brinca com o facto de não fazer nada. É um programa real a dar num canal de ficção.
A ironia foi detetada por Eduardo Cintra Torres, conhecido crítico de televisão. Diz que “a construção do programa é muito ficcional. Muita publicidade, muita representação”. É verdade, o programa que começou na SIC Mulher, imune aos apelos das chamadas telefónicas e aos intervalos publicitários, mostrou-se lentamente permeável aos imperativos do lucro dos anunciantes (e até já oferece uma obra à distância de um 760!). Isto, apesar de sempre ter patrocinado a associação com as lojas de construção e decoração que servem a produção, além de ter sido a incubadora de uma nova marca e respetivas lojas. Até as obras saltarem das casas de alguns sortudos para as casas de mais portugueses, foi uma questão de contrato. “Querido Mudei a Casa – Obras” já existe em franchising, realizando obras em particulares e empresas.
Mas será um programa “encenado”? Os espectadores não estão em crer que a decoradora Ana Antunes coloque lágrimas artificiais antes de presenciar as reações das famílias surpreendidas. No olhar do público, é a decoradora com melhor gosto e sensibilidade, superando as expetativas a cada projeto. As emoções transmitidas pelos protagonistas são visivelmente genuínas, ainda que o discurso de alguns elementos dos “queridos” e do apresentador, Gustavo Santos, resvale na narrativa sensacionalista e piegas. Pormenores que, no geral, não despromovem o Querido Mudei a Casa do estatuto de melhor programa de obras e realização de sonhos da televisão.
A televisão, essa, os fiéis seguidores do formato começaram a sintonizá-la na TVI Ficção e, também aos domingos, na TVI (para ver um compacto do último programa, que pela curta duração acaba por não satisfazer a curiosidade da maioria). As audiências colaram-se à parede: desde que mudou de morada, do cabo para sinal aberto, o “Querido” escalou dos 50 mil para os 400 mil espectadores (o que compensa os números das emissões no canal exclusivo da MEO a que muitos não têm acesso). Entre esse novo público, provavelmente figuram mais homens, a quem as simpáticas esposas começaram a solicitar obras em casa, à imagem e semelhança dos “extreme makeovers” da autoria dos decoradores.
Nesta edição, o leque de decoradores mantém-se, com a entrada de Isabel Pires de Lima, uma conceituada designer de interiores. Os projetos primam em conjunto por decorações requintadas e funcionais, indo ao encontro de algumas exigências práticas e específicas das candidaturas. Sobretudo, procuram responder a necessidades reais das famílias que concorrem.
Querido Mudei a Casa distingue-se, na sua génese, de todos os outros géneros de programação. Dirige-se a um público restrito e diretamente interessado; e consegue ser suficientemente interessante para deter a atenção de toda a família. O seu cariz solidário, e o tom discreto com que aborda as histórias dramáticas de tantas pessoas, provam que nem sempre a melodia da comiseração inflama as audiências. E nem o facto de ganhar o “carimbo” TVI lhe modificou o alinhamento, apesar de a nova versão convidar atores para apadrinhar as empreitadas. Pedro Granger, Sílvia Rizzo e Miguel Monteiro já lançaram as “mãos à obra”, mas foi o caso desconhecido da atriz Sandra B o mais assinalável. O programa requalificou-lhe a cave onde vive com os dois filhos, em Cascais, pondo a descoberto a sua vida precária (e quiçá desmistificando a ideia de que a vida dos atores é só luzes e purpurinas).
Há 10 anos que a carrinha dos “queridos” vai na estrada. Porta a porta, vão virando tudo do avesso, para bem melhor. No fundo, produzem o formato que faz da vida das famílias o principal pretexto para construir magia.
Duplo Clique - 25ª EdiçãoUma crónica de André Rosa
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