Header Ads

Duplo Clique | "As pipocas já foram doces"



A edição desta semana de “Duplo Clique” projeta na tela um retrato de uma programação quase histórica, em vias de extinção na Televisão portuguesa: o cinema de fim-de-semana. Alguém se lembra do último filme que a SIC e a TVI exibiram num domingo à tarde? Eu também não.


“Luzes, câmara, chourição!”. É o grito dos diretores de programação da SIC e da TVI, inspirados pelas digressões entre os certames populares, em que as iguarias gastronómicas e os indigestos grupos musicais confecionam uma açorda culturalmente explosiva. “Açordas” que vieram substituir os filmes internacionais de fim-de-semana, aquelas maratonas de puro entretenimento que ofereciam aos espectadores da hora de almoço a comédia romântica Como Perder um Homem em 10 Dias, na segunda sessão o filme Mr. And Mrs. Smith e das seis à oito da noite uma incontável repetição de Homem-Aranha. Pelo menos era assim na TVI, se bem que a SIC alinhasse quase pela mesma bitola. O cinema desapareceu das tardes de descanso dos portugueses.


Tirem-nos deste filme. As tardes de fim-de-semana dos operadores privados deixaram de se afigurar uma alternativa aceitável para grande parte do público jovem que ainda se dá ao esforço de sintonizar a TV num canal português, porque os jovens, cada vez mais, ou veem menos televisão ou simplesmente só ouvem televisão – e não é a televisão do “760”. Com revolta e nostalgia se depara o público com o programa Somos Portugal em Festa (não sei como ainda não se lembraram deste mix!), vagueando, dormente, pelos canais Cabo, um oásis cinematográfico de referência mas que também já viu melhores dias (quantas vezes o AXN já repetiu Bem-Vindos à Selva?) e cujo cinema de maior referência obriga a subscrever pacotes temáticos nas operadoras ou a alugar títulos nos serviços on-demand.



O cinema conquistou o seu espaço na grelha das privadas, mas o rolo acabou. Foi o tempo da repetição exaustiva de Speed – Perigo a Bordo e de Herbie – Prego a Fundo. Píxeis que já não voltam ao pequeno ecrã. Se, até há três anos, o cinema na televisão era uma alternativa gratuita para os espectadores verem um filme pelo qual não quiseram pagar bilhete, aos poucos o desinvestimento dos generalistas nesse tipo de programação foi-se explicando pelo objetivo de quererem antes arrecadar dinheiro de forma rápida. Decisão que, naturalmente, se repercutiu na oferta das quadras festivas – Carnaval, Páscoa, Natal e Ano Novo –, degenerando em “mais do mesmo”. Vejamos que, face ao grande foco da TVI nos filmes blockbusters populares (a exibição de Avatar foi quase serviço público) direcionados para uma faixa jovem adulta e menos “baba e ranho”, Carnaxide socorreu-se de um dos seus contratos vitalícios, com a Disney, para colorir a programação cinematográfica das férias. O Natal de Pinto Balsemão é sinónimo de filmes para crianças mais ou menos enjoativos, algumas estreias de peso, como “2012” e Hunger Games, e dezenas de clássicas repetições de Carros e À Procura de Nemo. 



Dois baldes de pipocas; o mesmo refrigerante. Definitivamente, o cinema de fim-de-semana quase já não existe na Televisão portuguesa, é exibido fora de horas e com estranha preferência por filmes americanos de baixo-orçamento e com narrativas pobres. A programação das privadas para os domingos à tarde bebe-se da mesma palhinha e as pipocas já foram mais doces. Assim está escrito o guião, enquanto houver um país em festa para sorver, como a palhinha no copo, até não restar nada.

Duplo Clique - Edição 11
Uma crónica de André Rosa