Header Ads

Duplo Clique | "O Cupido está à venda "

 

“Chegou o programa onde o amor não tem limites. Uma casa, 10 casais, 13 semanas” e um reality-show que é um género de milkshake cor-de-rosa. Assim estreou “O Poder do Amor”, o novo programa que a SIC oferece aos telespectadores no horário-nobre de domingo à noite.Semana após semana, o amor vai provar-se a si mesmo à velocidade a que o dinheiro é injetado nas contas bancárias dos concorrentes, dispostos a provar que a sua relação resiste de pedra e cal a todas as provações. Provavelmente não era isto que faltava à programação portuguesa. 


Não atinge o tão baixo nível de “Fiel ou Infiel” (TVI, 2007) e também não escrutina sem moral os maiores segredos dos jogadores, como em “O Momento da Verdade” (SIC, 2008), mas anda lá perto. Como se alguém se tivesse lembrado de misturar uma “Casa dos Segredos” com o “Fear Factor” e fizesse da paixão e cumplicidade entre casais os protagonistas de uma série de desafios extremos à condição humana. Esgravatando bem fundo, como se viu no episódio de estreia; pisando terreno fértil em cenas ridículas e decadentes, a avaliar pela aparência elegante e cuidada das mulheres dos casais, instadas a enlodar-se no estrume à procura de um pertence de grande valor sentimental sem o qual o companheiro não seria o mesmo. Mas qual é o objetivo desses desafios? Dinheiro, muito dinheiro. Bárbara Guimarães foi direta ao assunto e um dos casais primou pela honestidade: entrou no jogo para ganhar dinheiro. No fundo, é o que todos querem, “nem que para isso a vaca tussa”.


“O Poder do Amor” levanta várias questões acerca dos valores que norteiam as relações humanas e a SIC pretende explorá-los com um cunho sensacionalista vincado, prometedor de audiências. Histeria, pânico, lágrimas e abraços não lhes faltam, com concorrentes anónimos e outros nem tanto, caso de Cláudia Jacques, Cátia Palhinha e Gisela Serrano, três famosas requentadas que a SIC aproveitou. Garantidos os casais polémicos e desesperados, a dinâmica é conhecida: as câmaras pretendem tornar-se uma entidade omnipresente nos quartos e zonas de convívio, adornadas de pequenos luxos numa herdade de turismo rural, um quartel-general em regime de pensão completa. 


Mas não foi “amor à primeira vista” – a estreia nem sequer atingiu a marca de um milhão de pessoas e ficou-se nos 912.800 espectadores. No entanto, marcou muito mais pontos junto da crítica. Alguns espectadores foram unânimes ao considerar o caráter “degradante”, “chocante” e “vergonhoso” do concurso, em linha com a opinião do jornalista João Malheiro, para quem a ERC devia cancelar o “miserável” formato. Uma coisa é certa: o programa da SIC, longe de ser edificante, é moralmente reprovável ao sujeitar os seus concorrentes a provas deploráveis e aflitivas para as quais a recompensa é num maço de notas. O cupido torna-se um mercenário e a flecha acerta em quem ganha mais. Sem ética nem estética, “O Poder do Amor” é o programa cujo logotipo parece ter sido deixado à responsabilidade de uma criança de 10 anos enquanto brincava no Paint – e de resto mantém-se fiel ao grafismo vermelho e branco dos programas anteriores da SIC afetos aos desafios mais pavorosos, como o “Cante se Puder”.


Bárbara pode falar do amor, depois de admitir que foi uma escolha bastante irónica para apresentar o formato que os comentadores sociais mais extremistas já apontam como o fim da sua carreira, mas talvez não seja caso para tanto. É caso, sim, para repensar a sintonização na SIC durante um domingo à noite, não esquecendo, porém, que “O Poder do Amor” e a “Casa dos Segredos” caminham de mãos dadas no que ao mau gosto diz respeito. Durante as próximas 12 semanas, as provas físicas e psicológicas continuam, expulsando os casais menos resistentes e testando a resistência dos portugueses. O cupido está à venda?


 DUPLO CLIQUE [6ª EDIÇÃO]
Uma Crónica de André Rosa