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Duplo Clique | "Globos da cabeça aos pés"

 

Os óscares à portuguesa comemoraram vinte edições. Mais um ano e uma gala de luxo, com a prata da casa, passadeira vermelha e entrega de estatuetas. Mais um ano com Bárbara Guimarães no palanque. Mais uma noite de festa que as audiências trocaram por outros bailados. Vinte anos a premiar a excelência das Artes e do Entretenimento… ou vinte anos a fazer capas de revista?

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A XX gala dos Globos de Ouro decorreu, como habitualmente, no Coliseu dos Recreios. Nessa sala nobre de Lisboa foi montado o palco, a luz e o som. Na rua, o “passeio das estrelas”: 35 metros de uma emissão-patrocínio-catálogo estrategicamente montada para os fotógrafos e para a promoção das marcas e estilistas que vestiam os famosos. A SIC e a revista CARAS a fazerem a festa para usufruto mediático próprio.

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A gala deste ano manteve o nível esperado, limou arestas em relação às edições anteriores mas não deixou de repetir alguns erros. A começar pela permanência de Bárbara Guimarães na apresentação, como se se tratasse de uma criança agarrada ao brinquedo. A prestação da apresentadora já não suscita espanto no público – antes uma indisfarçada indiferença e algumas críticas –, e mesmo assim a SIC não se coíbe de lhe confiar o microfone e o teleponto. O texto projetado na tela foi, aliás, a âncora da maioria dos convidados a entregar os Globos. Em muitos casos não se notou um esforço, sequer, para tornar a poesia introdutória mais natural, tornando esses momentos geralmente tão ansiosos em instantes despachados como se houvesse pressa.

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À televisão dos portugueses chegou uma gala emocionalmente árida, como vem sendo hábito neste tipo de produções da SIC. A juntar à impreparada eloquência discursiva dos vencedores, e depois de a orquestra avançar com os acordes sobre o discurso de Maria do Céu Guerra, entre poucas lágrimas e alguns risos a emissão marcou-se, ainda, pelos momentos musicais da autoria dos artistas nomeados. Problema: depois de um quadro musical de abertura bastante elegante, vistoso e eficaz (com repertório português, um corpo de baile impecável e os arranjos irrepreensíveis de Nuno Feist), a gala perdeu o ritmo. Nesse sentido, nem o elétrico do Pica do 7, de António Zambujo, fez abanar a sala, nem a letra de Vayorken, de Capicua, foi tão bem percebida. O humor de César Mourão foi a bomba de oxigénio da noite de domingo.

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Humor acutilante, bem resolvido e construído numa personagem catita, a D. Clotilde. Essa senhora penetra foi um agradável pretexto para introduzir no espetáculo os chamados momentos de “encher chouriços”. Intelectualmente mais elevados, sobretudo, que a má-língua e a postura de varandim das funcionárias da VIP Manicure (de Ana Bola e Maria Rueff), ou que as personagens populares e estridentes de Sol de Inverno (que ano passado apareceram na gala). Ao arrebitar os ânimos, César Mourão conseguiu mais uma vez arrancar elogios a algum público alheado da SIC, para quem o desfile de moda pouco ou nada significa.

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O propósito dos Globos de Ouro, enquanto evento supostamente cultural, atravessa uma profunda crise, reflexo, talvez, do atual estado de coisas da televisão portuguesa. A partir do momento em que o eco mediático pós-gala se centra nos decotes das atrizes, nas produções dos estilistas (mesmo os premiados) e nas selfies publicadas no Instragram – silenciando a merecida promoção cultural de todos os vencedores – algo de grave se passa. Afinal, os Globos não servem para premiar distintivamente o melhor das Artes e do Entretenimento que se fez em Portugal? Dar a conhecer ao público os projetos, os autores e as personalidades que mais se destacaram pelo seu contributo em todas as áreas da indústria? O evento da SIC/CARAS corrige, até com louvor, alguma da negligência do Estado em relação à Cultura, mas esse trabalho esgota-se nas bancas de vendas e nos programas cor-de-rosa.

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Coerente com uma missão indefinida, também a identidade da vigésima gala foi uma interrogação. O fio temático condutor foram 20 anos de Globos e de revista CARAS em Portugal, e não 20 anos de um espólio cultural português. Tanto assim que o Prémio de Mérito e Excelência foi parar à Globo – esse colosso brasileiro da ficção televisiva –, acarinhando, assim, mais uns anos de contrato.

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Os Globos são marca registada desde 1996, um formato mítico na televisão nacional. E a necessidade que apresentam de respirar ar fresco não é de hoje. Enquanto assim não for, os Globos de Ouro serão “cada vez mais os prémios da SIC e para a SIC”*, com o que essa condição tiver de bom e de mau. Para o ano há mais.

*Artigo Globos de Ouro são cada vez mais os prémios da SIC e para a SIC, publicado no jornal Público (14 de março de 2007). Disponível em http://www.publico.pt/media/jornal/globos-de-ouro-sao-cada-vez-mais-os-premios-da-sic-e-para-a-sic-179933

Fotos: Revista Caras / Revista Activa / SIC
Duplo Clique - 51ª Edição
Uma crónica de André Rosa