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Duplo Clique | "Talentos de Fralda"

Edição relativa à 1ª temporada do programa | Agosto de 2015

Dentro de uma pequena criança pode soar uma grande voz. Numa criança baixinha pode habitar o maior talento. A ponto de a televisão tremer? Nem por isso. 

Pequenos Gigantes é a mais recente aposta da TVI para o grande entretenimento de domingo à noite. Os pequenos prodígios sobem ao palco: uns brilham e outros choram. O país comove-se. Quem é que teve a ideia de encolher os miúdos – esperem – os programas de horário-nobre?


O novo programa é pensado por gente crescida, protagonizado por palmos e meio e assistido pelos pais, irmãos, tios, avós e o gato lá de casa. O pátio da pequenada é bem português, réplica do que Espanha fez depois de os mexicanos fazerem primeiro no Canal de las Estrellas. E porque de programas infantis está o mundo cheio, Pequenos Gigantes começa por não saber definir-se. Será um The Voice Kids? Um Canta Comigo? Um revivalismo d’A Tua Cara Não me é Estranha Kids? A TVI monta os legos que sabe montar. Estúdio luzente, painel de jurados com a prata da casa, desfile de talentos e emoções quanto baste.

A maior delas, provavelmente a de Fátima Lopes. Catorze anos depois de apresentar à noite na SIC, a competente apresentadora recebe o upgrade que tanto ansiava, algo diferente do que tem feito em matéria de talk-shows. Fátima Lopes gostou do doce que Bruno Santos (diretor de programas) lhe deu, e ou não fosse mãe, sabe lidar com as crianças como ninguém. Segura de si, divertida e carinhosa, tão depressa ata os nós das piadas como assoa o nariz ao menino choroso.


Choram dos 4 aos 12 anos de idade, depois de atuarem num palco sobredimensionado para o tamanho que têm. Choram, mas não percebem que o sonho não acaba naquele momento – advertiu o tio Goucha –, e os pais aproveitam para explicar o significado de “desilusão”. Ver uma mãe salvar o filho do palco, em lágrimas, é um momento verdadeiramente doce, e também dá que pensar. Nesse sentido, Pequenos Gigantes é um daqueles programas que tanto pode agradar às avós, pela comoção, como indignar as associações de berço. Crianças a atuar às onze da noite? Raparigas a dançar um tema das 50 Sombras de Grey? Por pouco não cairá o Carmo e a Trindade. Muito provavelmente há quem ache tudo isso uma enorme violência para os meninos que às nove e meia já deviam estar no quinto sono – e que só lá estão porque os pais deixaram.

Por isso é que Pequenos Gigantes é um programa de crianças, sem ser para crianças. Começa cedo e acaba tarde. Mas a dinâmica é bem resolvida, por meio de eliminatórias e atuações de equipas com nomes dignos de qualquer filme da Disney. Bruno Cabrerizo, Cláudia Semedo, FF e Sofia Ribeiro apadrinham as equipas, pondo em prática o manual de como ser baby-sitter. Os gestos e os sorrisos são os mais genuínos, o que prova a adequabilidade à função.


Mesmo assim, não encaixam algumas peças do puzzle. Manuel Luís Goucha é o António Sala d’A Tua Cara (mais garrido, é certo), comentando as atuações dos miúdos com propriedade, eloquência e a sensibilidade necessária. Mas não percebe nada de canto, dança ou representação (sem ser nas galas da TVI), e admite isso mesmo. A sua presença acrescenta? Obviamente, ou não fosse um dos melhores profissionais do canal. Já a cadeira ao seu lado parece nunca ter esfriado desde que Rita Pereira apresentou o programa infantil Canta Comigo, no verão de 2011, com mediana capacidade. Definitivamente, a atriz fica melhor sentada. Extasiante e delicada com as crianças; representando um exemplo de sucesso e inspiração para os concorrentes que hoje, aos 10 anos, não sabem o que perderam da sobremesa Morangos.

Pedro Teixeira que o diga, outro ícone saído da escola de atores, presente na gala de estreia para substituir David Carreira. Estava nervoso (sabe-se lá porquê), a ponto de o timbre da sua voz se perder à medida que soltava demasiados “aaa…” de hesitação. É compreensível: não é nada fácil negar a passagem a uma criança que encarou o palco como o começo de uma grande carreira. Que criou laços espontâneos com os amiguinhos nos bastidores. Mais uma vez, a lição do tio Goucha: eles têm é de estudar primeiro, tirar o canudo e cumprir os sonhos depois.


Pequenos Gigantes é a partir de agora o playground de Queluz de Baixo, onde as crianças em vez de subir ao escorrega podem cantar, dançar e ler histórias. Em atuações tão desiguais que dá pena expulsar o petiz que se enganou na letra da música, porque o amigo já domina o inglês ensinado pela Miss do colégio. É o formato onde o índice de ternura substitui as competências artísticas, os jurados tremem ao escolher as palavras e os pais ficam de cabelos em franja. Talvez venha a ser campeão de audiências, tendo a estreia atingido 1 milhão e 587 mil espetadores. Mas uma coisa é certa: a falta de “pica” da competição inviabiliza uma produção televisiva mais arrojada, e além do mais, o público dos sucessos d’A Tua Cara não é necessariamente adepto do entretenimento patrocinado por tira-nódoas.

Um programa povoado de pequenos herdeiros, talentosos, como suposto, e dados a uma brincadeira que a TVI produz para marcar audiências. Assim é Pequenos Gigantes, uma companhia de domingo ideal para esticar as pernas… enquanto não chega o espetáculo para maiores de 18.

Pequenos Gigantes, para ver aos domingos, às 21h30, na TVI.

Duplo Clique - 60ª Edição
Uma crónica de André Rosa