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[Cinema] O Pátio das Cantigas - Crítica



As cantigas ecoam no pátio, mas o pátio já não é o mesmo. O Pátio das Cantigas (realizado por Francisco Ribeiro em 1942), o primeiro de uma trilogia de filmes clássicos composta ainda pel’ O Leão da Estrela e A Canção de Lisboa, regressou dia 30 de julho aos cinemas. Nesta versão absolutamente atual – dirigida por Leonel Vieira e escrita por Pedro Varela – os espetadores tomam o pulso ao coração alfacinha e à vida das personagens populares que entretiveram o público há 73 anos. A essência do clássico está lá, mas os tempos são outros.


O cinema português tem continuado o seu processo de reinvenção temática, ao mesmo tempo que batalha pela subsistência financeira. Uma das soluções está à vista: produzir remakes. À partida, os clássicos são sempre ideias adaptáveis e apostas de sucesso, desde que o profissionalismo dos guionistas e realizadores não destrua a herança das obras originais. A versão atual d’ O Pátio das Cantigas mantém o esquema base do original de 1942, mas não é uma reedição do argumente, à época escrito por Vasco Santana e pelos irmãos Francisco Ribeiro e António Lopes Ribeiro. Nas palavras de Pedro Varela, autor do argumento atual, “poucas cenas se podem colar ao original”.


O chamado remake reescreve tudo o resto, aproximando o contexto e a ação aos tempos de uma Lisboa moderna e castiça. Que sentido faria manter a crítica social da época? Nem tão pouco falar das mensagens subliminares que passavam em defesa do Estado Novo. Longe dos “tempos da outra senhora”, O Pátio das Cantigas moderno apresenta-se como um postal animado, rodeado de uma moldura humana fiel aos habitantes dos bairros típicos de Lisboa. É neste contexto socioeconómico que as personagens se movem, permeáveis às novas dinâmicas da vida. Evaristo, a personagem célebre antes interpretada por António Silva (e agora por Miguel Guilherme) é dono de uma mercearia gourmet de porta aberta para os turistas. Narciso, outrora a cargo do famosíssimo ator Vasco Santana, ganha vida em César Mourão. É quem conduz os turistas da mercearia “típica” numa tuk-tuk barulhenta… além de ser candidato ao amor de Rosa (Dânia Neto), e concorrente feroz de Evaristo.


As personagens principais, elementos-chave na identificação do clássico, envolvem-se com núcleos secundários, movendo as pequenas intrigas paralelas da ação. Nesse sentido, o Pátio fervilha de vida e mostra como naquele ambiente todos são vizinhos do lado. Assim nascem as peripécias, os amores e desamores, nos quais a jovem Amália (Sara Matos) é protagonista, semeando pequenos conflitos entre os vizinhos. Apesar de as personagens serem reconhecidas, nota-se que lhes falta espaço para crescer. A irmã de Amália (Anabela Moreira) é disso um exemplo: sozinha e ignorada, vai dirigindo suspiros aos rapazes até se resolver de amores com Carlos Bonito (Rui Unas), mas sem nunca desabrochar.


A realização de Leonel Vieira (A Arte de Roubar, 2008) apresenta um nível de excelência, captando o potencial da ação e alguns enquadramentos muito interessantes, como é o caso da cena em que Amália faz um telefonema no quarto e o seu rosto aparece enquadrado num pequeno espelho numa mesa-de-cabeceira. Os planos-movimento também enriquecem a dinâmica da ação, assim como o recurso às filmagens com grua, essenciais na captação da paisagem urbana. A direção de fotografia, de José António Loureiro, consegue a magia dos tons de final de tarde e das noites estreladas. O Pátio aparece, assim, visualmente rico e colorido, em consonância com a vida bairrista.


O Pátio das Cantigas mantém-se à varanda no meio dos estendais de roupa lavada, e vai “lavando as vistas” do público. Tem tudo o que um filme português popular deve ter: bailarico (leia-se José Malhoa e Emanuel), cerveja (leia-se Sagres), sardinha assada… e até um DJ amador, uma das personagens mais divertidas do filme, interpretada por José Pedro Vasconcelos. A banda sonora do filme, a verdadeira música, é composta por Nuno Malo e viaja entre a guitarra portuguesa e o violino.


A versão atual é um perfeito filme de verão, competente na forma como oferece o seu entretenimento, sem o pretensiosismo de atingir patamares de Hollywood, e também acima do nível um pouco amador de alguns filmes recentes. O Pátio das Cantigas é bem capaz de agradar a quem nunca viu o clássico dos anos 40 e de beliscar as memórias de quem conhecia o filme a preto e branco. Em todo o caso, uma coisa é certa: mostra que o cinema português, exibido num pátio do bairro ou numa sala do shopping, está de boa saúde e recomenda-se.

Veja aqui o trailer do primeiro filme desta trilogia. O Leão da Estrela chega às salas no final do ano, seguindo-se A Canção de Lisboa, escrito e realizado por Pedro Varela.



Uma crítica de André Rosa
Este artigo apresenta informações retiradas de:
Pátio das Cantigas: “Neste guião há poucas cenas que podemos colar ao original”, in Observador. Disponível em http://observador.pt/2015/07/30/patio-das-cantigas-neste-guiao-ha-poucas-cenas-que-podemos-colar-ao-original/